domingo, 16 de dezembro de 2018
A Crítica do Valor e a Pessoa de Bem
A Crítica do
Valor e a Pessoa de Bem
Por
Franco Átila
A crítica do valor é uma
reserva espiritual da humanidade, caso as pessoas se decidam pela tomada de
consciência e, a partir daí, pela emancipação do capitalismo.
A crítica do valor aponta
exatamente para a causa da crise atual (econômica, social e cultural) do
capitalismo mundial, ou seja, para o próprio capital e sua dinâmica de
valorização ilimitada de valor, que destrói a psique e a sociedade humanas, e
também a natureza.
A crítica do valor não é
complicada, mas é extremamente difícil de ser aceita para o homo economicus, a
pessoa de bem cristã de alma protestante (mesmo quando católica ou ateia),
amante do trabalho e forjada, no fundo, pela religião de Mamon. A pessoa de bem
aceita como eternas e naturais as categorias básicas do capitalismo - valor,
trabalho e mercadoria -, como se fosse da natureza de todas as sociedades
humanas se assentarem em tais princípios.
A crítica do valor,
contrariamente ao senso comum da pessoa de bem, afirma que o valor (e o
dinheiro, sua expressão superficial), o trabalho e a mercadoria são categorias
históricas e, mais que isso, exclusivas da cultura capitalista. Por afirmar a
historicidade dessas categorias capitalistas, recusando-as, portanto, como
ontológicas/trans-históricas, a crítica do valor parece tão complicada à pessoa
de bem. Não se trata, na verdade, de uma questão de complexidade da crítica do
valor, mas da impossibilidade de sua aceitação: como aceitar uma verdade que abalaria
o fundamento de todas as “verdades” da pessoa de bem?
A crítica do valor,
contrariamente ao maniqueísmo vulgar da mentalidade protestante que impregna a
psique das pessoas no capitalismo, inclusive as “de esquerda”, recusa a ideia
de que a dominação fundamental seja exercida por um grupo social minoritário (a
elite) sobre a maioria (o povo). Ela afirma que a elite, embora explore o povo,
também é dominada pelas coerções abstratas e impessoais do capital.
Esta despersonalização do
domínio machuca profundamente a mentalidade cristã da pessoa de bem, adestrada
desde a infância para o maniqueísmo vulgar e sedento para descarregar suas
frustrações num Judas, seja ele o judeu, o banqueiro, o negro, o árabe, o
imigrante, o comunista, a mulher, o petista, o gay, o macumbeiro, o ateu etc.
A pessoa de bem é aquela
cuja alma é impregnada pela mentalidade classe média e certamente abrange a
esmagadora maioria da população mundial. Pois mesmo os que estão na miséria e
nunca chegarão materialmente à classe média, anseiam ardentemente por esta
condição, seja pela via rápida do consumo, seja pelo caminho estreito do
auto-adestramento para o trabalho duro. No capitalismo tardio da atualidade,
mesmo o mais miserável favelado é, em espírito, uma pessoa de bem/classe média.
A pessoa de bem é uma
frustrada congênita, mesmo quando ela é, de fato, uma vencedora social, ou
seja, atinge a condição de vida da classe média. Ela se frustra porque a classe
média é, por natureza, espiritualmente miserável, pois sujeita a alma humana às
necessidades do capital, essencialmente desumanas.
A pessoa de bem é frustrada,
sem o saber, por se desumanizar para servir ao capital. E esta desumanização se
chama trabalho abstrato ou simplesmente trabalho, que aliena a pessoa de sua
humanidade e a transforma em mercadoria (capital individual), cujo principal
objetivo é reproduzir o capital, ou seja, perpetuar Mamon.
A pessoa de bem é escrava do
capital/dinheiro.
A pessoa de bem, frustrada
desde as entranhas da alma, se torna, então, um poço de medo, ódio e
ressentimento, sob a máscara da civilização. Por isso, ela precisa de um
inimigo, um bode expiatório, um Judas para descarregar o seu rancor.
A pessoa de bem acha
insuportável que não haja Judas algum para alimentar seu ódio, que o problema
de sua sociedade e de sua psique é exatamente o Deus que ela inconscientemente
tanto adora: o Capital (Mamon). Ela acha insuportável que esse deus seja uma
potência cega e abstrata, nem boa nem má, o que frustra a sua sede por sangue.
A pessoa de bem quer o
prazer sádico dos fornos crematórios para os judeus, do tronco para os negros e
do pau de arara para os comunistas. O enfrentamento do capital, por outro lado,
exige um ímpeto crítico, mas racional, uma ação combativa, mas serena e
consciente da inutilidade do ódio e da demência sádica na luta contra o
capital.
A emancipação do capitalismo
exige um espírito de revolta oposto aos delírios maniqueístas-fascistoides da
pessoa de bem, pois se baseia na análise lúcida e no questionamento das
“verdades” fundamentais da cultura capitalista e, em consequência, de suas
próprias verdades íntimas.
A pessoa de bem quer
conservar, deseja o status quo e acha insuportável a autocrítica do fundamentos
culturais e psíquicos do capitalismo: trabalho, valor e mercadoria.
Quando a pessoa de bem
(burguesa ou operária), estiver pronta para uma (auto)revolução cultural que a
transforme finalmente numa pessoa livre do trabalho, do dinheiro e da lógica da
mercadoria, enfim, livre dos grilhões do capital, então a crítica do valor
estará esperando pacientemente por ela, para ajudá-la em sua emancipação.
Imagem:https://tribodosgoticos.blogspot.com/2012/02/muros.html
Assinar:
Postagens (Atom)