Felicidade é Diferente de Alegria
A busca de uma vida boa na sociedade atual está muito atrelada à crença de que a felicidade vem com a satisfação de desejos. É claro que “bom ou ruim” são polos de uma dualidade extremamente subjetiva e à qual sugerimos deixar, pois causa mais prejuízos do que benefícios nas tomadas de decisão.
Aquilo que julgamos ser bom em um dado momento já não parece ser
tão bom em outro. Não precisamos nem falar que cada um nós tem opiniões muito
distintas sobre o que poderia ser considerado bom ou ruim, pois nós mesmos já
mudamos de visão sobre as coisas com uma certa regularidade e, de um para o
outro, mudam muito os referenciais, as experiências e outros fatores.
As visões do que é bom ou do que é ruim terminam, contudo, sendo
enrijecidas por certos padrões criados pelas influências que a sociedade sofre.
Esses padrões são construídos especialmente pelos meios de massa. Uma
informação repetida muitas vezes, por mais falaciosa que seja, termina
tornando-se uma aparente verdade para boa parte das pessoas. Muitos acreditam
em necessidades que são criadas pela mídia, por gurus da internet e por outros
influenciadores. Nas décadas anteriores, o poder de influenciar as decisões
estava bem concentrado nas mãos da Rede Globo, porém isso vem mudando.
Como, na sociedade capitalista, há um grande interesse de quase
todos por ganhar muito dinheiro e de ser aplaudido pelos demais, os padrões
acerca do que é bom terminam sendo estabelecidos por aqueles com maior
capacidade de atingir mais gente, que convencem os outros de que bom é algo que
os faz ganhar dinheiro e receber aplausos. Eles convencem boa parte da
sociedade de que “bom” é aquilo que eles vendem e/ou no que são supostamente
bons.
Se pensarmos que as crenças na humanidade vêm mudando ao longo
dos anos e que hoje a visão de mundo já é distinta daquela de 10 anos atrás em
diversos aspectos, podemos supor que ela será muito diferente daqui a 10 anos.
Imaginemos, então, como será daqui a 50 ou 100 anos. Frente a isso, fica claro
que os padrões sobre o que é bom ou ruim são transitórios e influenciados por
interesses pessoais.
Aqueles que podem viajar mais também percebem que a noção do que
é bom ou do que é ruim pode mudar drasticamente de um país para o outro, ou
mesmo de uma comunidade para outra dentro de um mesmo país. Então, será que
tudo isso que você está se impondo ou impondo aos outros não é uma mera ilusão
acerca do que é bom?
Nessa sociedade atual extremamente materializada, esses padrões
de bom ou ruim estão associados a coisas que se tem e a certas regras as quais
deveriam ser supostamente cumpridas. Então, bom é ter uma casa bonita, um carro
da moda, um(a) parceiro(a) que os outros aprovem e assim por diante. A maioria
das pessoas tem a sua noção de bom e de bem atrelada ao que a sociedade pensa
e, sobretudo, ao que um grupo específico pensa, como a família e os amigos mais
próximos.
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Bom é também, para alguns, fazer caridade. Bom é fazer agrados
aos outros. Seguindo essas regras morais influenciadas por religiões, as
pessoas continuam vivendo para fora, acreditando em padrões que lhes levam a
terem que provar algo aos outros, a agradar alguém e a supostamente ajudar
alguém que supostamente precisa, em vez de cultivarem o auto-amor. Isso não é
egoísmo, mas nutrir-se antes por dentro, e não quase apenas para fora.
É claro que ajudar os outros, quando eles realmente precisam e
pedem, é algo interessante, até porque a maioria da humanidade hoje ainda é bem
egoísta, mas muitos têm invadido a vida de outras pessoas para sentirem-se
caridosos e serem aprovados por si mesmos e pelos demais.
Falta auto-amor e real amor incondicional pelo próximo. A grande
maioria da humanidade ainda não busca os equilíbrios emocional e mental, e
termina caindo em ilusões de egoísmo ou de ativismo, o que as leva a diversos
conflitos.
Todas essas ilusões sobre o que é bom ou ruim, como se fosse
possível estabelecer padrões gerais, tornam as pessoas extremamente infelizes.
Cada ser humano é único e tem especificidades muito singulares que requerem um
profundo autoconhecimento para que se possa compreender o que aproxima cada um
da sua essência, do seu Eu superior: amor incondicional, consciência búdica e
mental superior.
A felicidade, portanto, não é uma questão de ficar olhando para
fora e seguindo padrões, os quais geram “falsas necessidades” que as pessoas
ficam buscando com ansiedade e que geram frustrações quando não são supridas. A
satisfação de desejos efêmeros é algo que pode gerar alegria, momentos
transitórios de regozijo por fazer ou ter algo que dá prazer, e isso alimenta a
vida humana material.
Negar essa vida material é um plano fadado ao fracasso de muitas
religiões. Uma vez estando na matéria, não há porque não aproveitar aquilo que
dá prazer, que traz essas alegrias momentâneas e ir alimentando o dia de
pequenos regozijos desde que eles não gerem dependência, nem outros prejuízos
que superem os benefícios dos breves momentos de satisfação. Daí porque a busca
deve por equilíbrio em tudo. O equilíbrio evita excessos e garante um maior
custo x benefício.
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Há uma busca, no entanto, que deve vir bem antes da louvável
procura por alegrias momentâneas, que é a da real felicidade. Felicidade é paz
espírito. Isso já é dito há milhares de anos por grandes sábios e é algo muito
vivo na filosofia oriental, porém a imensa maioria das pessoas ocidentais não
entende bem porque utiliza uma visão dual. Mesmo no oriente, apesar de essa ser
uma mensagem viva na filosofia, muitos não integraram a suas vidas.
Felicidade é um estado constante. É uma questão de “ser”, e não
de “estar”. Quanto mais o indivíduo se nutre de auto-amor incondicional, mais
ele vibra esse amor para fora e atrai ondas afins. Quanto mais ele expande a
consciência e ganha equilíbrio emocional e mental, menos sua vida se
desarmoniza e ele pode fazer aquilo que sente sem ficar perdendo a paz. A
felicidade aumenta proporcionalmente ao aumento de auto-amor e da expansão da
consciência obtida pelos equilíbrios emocional e mental.
Se a humanidade fica buscando conquistar uma felicidade
constante por meio apenas de alegrias transitórias, ela está numa busca já desde
o início malfada. Para chegar ao perene por meio do efêmero, as pessoas
terminam exagerando na satisfação dos desejos. É por isso que compram muito,
trabalham muito para ganhar dinheiro para comprar, comem muito, bebem muito
álcool, dentre muitos outros excessos que lhes causam as mais variadas doenças
e lhes impedem de atingir a felicidade constante.
Há aqueles que mergulham de vez na materialidade esquecendo de
cuidar da paz de espírito e há aqueles que mergulham apenas na busca dessa paz
espírito sem dar atenção ao lado material. Esquece-se de equilibrar luz (aquilo
que está consciente, inclusive a busca por iluminação segundo alguns padrões) e
sombra (tudo aquilo que não está tão consciente, inclusive impulsos e
instintos, que nem sempre são negativos).
Há ainda aqueles que buscam sua paz por meios dogmáticos e
terminam encontrando muito mais ilusões, medos e prisões de consciência do que
paz de espírito, mas esse é tema para outros textos.
Toda busca com visão dual tende a cair nos extremos, e os
extremos não geram equilíbrio interior, não trazem paz de espírito. A
felicidade depende de equilíbrio. Para que isso seja alcançado, não pode haver
nenhum apego a posses de coisas, a supostas posses de pessoas, a desejos, a
expectativas, ao próprio corpo, ao próprio eu; não pode haver apego a nada, nem
ninguém.
Aqueles que tomam conhecimento da reencarnação pelas vivências
espirituais têm mais facilidade nessa busca de desapego, mas, mesmo eles, em
sua grande maioria, não conseguem desapegar, pois carregam padrões muito
arraigados de inúmeras vidas, dos seus ancestrais, transmitidos no DNA pelos
pais, incutidos socioculturalmente e assim por diante. Por mais que a ciência
ainda não comprove claramente, todos esses registros definem o que o indivíduo
vai ser, como vai pensar, sentir-se e comportar-se.
Um trabalho profundo com meditação, estudos, práticas, terapias
e outras ferramentas precisa ser realizado para que o ser humano desapegue de
tudo e viva com mais liberdade. Desapegar não é desgostar. Desapegar é não
depender. É possível gozar e usufruir de tudo sem apegar-se. Relacionar-se e
deixar a pessoa ir ser feliz com outra, mantendo a felicidade, que está na paz
interior de não depender de algo ou alguém para continuar em plenitude é algo
que quase ninguém na humanidade atual consegue fazer.
Ter momentos de luxo e depois momentos de simplicidade. Ter
momentos em que está com mais poder e outros com menos. Ter momentos em que
mais pessoas dão atenção e outros em que menos pessoas dão atenção. A vida é uma
constante transitoriedade, e isso acontece exatamente para que possamos
aprender estando nas mais diferentes posições e assumindo as mais distintas
perspectivas.
A felicidade é aquele estado de paz de espírito, de equilíbrio
emocional e mental, construído ao longo do tempo e com trabalho interior, que
consiste em uma grande capacidade de ver o lado agradável das pessoas, coisas e
situações, e isso é amar. É uma grande flexibilidade para mudar os planos,
capacidade de adaptação, que não permite nenhuma surpresa abalar aquilo que
existe de mais importante: a serenidade interior, a tranquilidade, o olhar o
mundo com beleza sempre compreendendo que cada um passa pelo que precisa para o
seu aprendizado.
Para que estejamos cada vez mais conectados com a nossa
essência, um passo também essencial para uma felicidade constante, é necessário
que hajamos muitas vezes de modos pouco racionais, seguindo mais o sentir, a
intuição, porém isso dá muito medo na maioria das pessoas, que são
controladoras e medrosas. Esse é, no entanto, um tema para o próximo texto.
Marcos de
Aguiar Villas-Bôas é autor do livro “Luz, sombra, dualidade, unificação: a cura
para todos os males”, a ser publicado em setembro de 2019. É terapeuta
holístico, palestrante e escritor.