domingo, 1 de março de 2020

Espiritismo não combina com armas, pena de morte, violência e discurso de ódio

Espiritismo não combina com armas, pena de morte, violência e discurso de ódio



A Doutrina Espírita, essencialmente educativa, tem como objetivo libertar e proclamar o reino de Deus – de justiça, amor e paz – para todos
“Jesus respondeu: Amarás o Senhor teu Deus
de todo o teu coração, de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento!
Esse é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo é semelhante a esse:
Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.
Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos.”
Matheus 22:34-40

É raro o dia em que não recebo – de amigos/as ou anônimos, no privado ou público – mensagens de desencanto com o movimento espírita, com dirigentes, médiuns famosos ou palestrantes popstars. São sempre depoimentos muito doloridos, relatando perseguições, censuras e até expulsões.

Uma companheira partilhou que durante o passe – prática amplamente difundida entre os espíritas e que consiste na imposição de mãos, visando promover a doação de bioenergias de um indivíduo ao outro – o passista (que é a pessoa que aplica o passe) pediu a espiritualidade que “livrasse a irmãzinha das influências do comunismo”. Outra companheira desabafou que foi retirada de todos os trabalhos espirituais do centro espírita (que ela ajudou fundar) por conta de suas ideias sociais e progressistas. Um casal de amigos abandonou o centro espírita depois que foram impedidos pelos dirigentes de continuarem atuando na evangelização infantil (uma espécie de catecismo) para não influenciarem as crianças “com essas ideias esquerdistas anti-doutrinárias”. Nós mesmos fomos expulsos da rádio espírita que fazíamos programa a mais de 13 anos por dizermos que o presidente – na época candidato – era machista, racista, LGBTfóbico e violento (continuamos afirmando e agora com mais motivos).

A sensação que tenho é que todos os violentos, hipócritas, cruéis, incluindo aí os religiosos, resolveram sair, de uma só vez, dos seus armários e tumbas. Estão se sentindo empoderados.

Ver espíritas em marcha com o atraso, com o preconceito, com a ruptura democrática, com a retirada de direitos e com o ódio e fundamentalismo, me faz acreditar que essas pessoas estão bem distantes dos postulados de Kardec e dos ensinamentos de Jesus, afinal, “se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20).

Kardec foi ainda mais enfático na questão 350 de O Livro dos Médiuns: “De que serve acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna o ser humano melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade?”

  Pastora trans no altar não é pecado. É divindade e sopro de fé.
    Somos LGBTs e somos a imagem e semelhança de Jesus, queiram ou não os fundamentalistas.
O espiritismo precisa se afirmar antirracista
Ele entendia que desde que uma pessoa se intitulasse espírita, ela já teria motivos suficientes para iniciar essa transformação e reforma íntima (que é um compromisso consigo mesma), passando a se esforçar para se tornar melhor e contribuir, assim, para o adiantamento da humanidade.

Mas também é verdade que na mesma proporção que os odiosos deixaram suas máscaras caírem, espíritas de todos os cantos do País e de fora dele tem se reunido, presencialmente ou virtualmente, incomodados/as com essa captura do movimento espírita brasileiro pelos setores mais reacionários e fundamentalistas, para expressar seu repúdio às leituras equivocadas e enviesadas que estão fazendo do legado de Kardec.
O espírita, autointitulado “cidadão de bem”, limpinho e cheiroso (como diz aquela jornalista), que dita normas como um general nas entidades que deveriam se conectar fraternalmente, mas ao contrário prega o ódio e a intolerância, sabe que está condenado, e se desespera por isso, porque sabe que afronta as leis divinas e naturais. Porque sabe que a consciência libertadora o inquieta e o aprisiona.

Há cristãos – mal-intencionados – que utilizam argumentos religiosos para defender a barbárie e a violência. Uma das passagens preferidas dessa “gente de bem” é a em que Jesus disse não ter vindo trazer a paz, mas a espada.
Não há paz sem voz e Jesus já sabia disso. Quando usou a analogia da espada, Jesus estava se referindo ao império romano (dominação) e que a pacificação só seria possível se houvesse conflito e divisão às hierarquias e poderes estabelecidos, rompendo com a política de morte da época. Jesus tornou-se o centro da separação e rompe com a manutenção das relações estabelecidas pelo legalismo.
Uma das possibilidades que a Doutrina Espírita apresenta para o enfrentamento da violência é a educação em suas múltiplas interfaces. O Espiritismo, essencialmente educativo, tem como objetivo libertar e proclamar o reino de Deus – de justiça, amor e paz – para todos/as, mas a sua missão não poderá ser realizada em um ambiente de acomodação “paz” que só atendem a alguns poucos.

O impulso de transformação presente na doutrina espírita – para além dos fundamentalismos e articulações reacionárias que infelizmente disputam os ensinamentos de Kardec – defende que uma sociedade justa e livre se dará por meio da implantação de políticas públicas que valorizem a cultura da não-violência, o respeito à diversidade e a todas as pessoas como portadoras de direitos.
A apologia ao porte de armas, o aumento da repressão institucional e armada contra a população de forma indiscriminada não é o caminho.

As forças progressistas dentro da doutrina espírita serão o futuro de uma doutrina livre e que cada vez mais estará integrada com o povo e suas conquistas sociais.