Espiritismo não combina com
armas, pena de morte, violência e discurso de ódio
A Doutrina
Espírita, essencialmente educativa, tem como objetivo libertar e proclamar o
reino de Deus – de justiça, amor e paz – para todos
“Jesus
respondeu: Amarás o Senhor teu Deus
de todo o
teu coração, de toda a tua alma,
e de todo o
teu entendimento!
Esse é o
maior e o primeiro mandamento.
O segundo é
semelhante a esse:
Amarás ao
teu próximo como a ti mesmo.
Toda a Lei
e os profetas dependem desses dois mandamentos.”
Matheus
22:34-40
É raro o
dia em que não recebo – de amigos/as ou anônimos, no privado ou público –
mensagens de desencanto com o movimento espírita, com dirigentes, médiuns
famosos ou palestrantes popstars. São sempre depoimentos muito doloridos,
relatando perseguições, censuras e até expulsões.
Uma
companheira partilhou que durante o passe – prática amplamente difundida entre
os espíritas e que consiste na imposição de mãos, visando promover a doação de
bioenergias de um indivíduo ao outro – o passista (que é a pessoa que aplica o
passe) pediu a espiritualidade que “livrasse a irmãzinha das influências do
comunismo”. Outra companheira desabafou que foi retirada de todos os trabalhos
espirituais do centro espírita (que ela ajudou fundar) por conta de suas ideias
sociais e progressistas. Um casal de amigos abandonou o centro espírita depois
que foram impedidos pelos dirigentes de continuarem atuando na evangelização
infantil (uma espécie de catecismo) para não influenciarem as crianças “com
essas ideias esquerdistas anti-doutrinárias”. Nós mesmos fomos expulsos da
rádio espírita que fazíamos programa a mais de 13 anos por dizermos que o
presidente – na época candidato – era machista, racista, LGBTfóbico e violento
(continuamos afirmando e agora com mais motivos).
A sensação
que tenho é que todos os violentos, hipócritas, cruéis, incluindo aí os
religiosos, resolveram sair, de uma só vez, dos seus armários e tumbas. Estão
se sentindo empoderados.
Ver
espíritas em marcha com o atraso, com o preconceito, com a ruptura democrática,
com a retirada de direitos e com o ódio e fundamentalismo, me faz acreditar que
essas pessoas estão bem distantes dos postulados de Kardec e dos ensinamentos
de Jesus, afinal, “se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é
mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem
não vê” (1 João 4:20).
Kardec foi
ainda mais enfático na questão 350 de O Livro dos Médiuns: “De que serve
acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna o ser humano
melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus semelhantes, mais
humilde, mais paciente na adversidade?”
Pastora trans no altar não é pecado. É
divindade e sopro de fé.
Somos LGBTs e somos a imagem e semelhança
de Jesus, queiram ou não os fundamentalistas.
O
espiritismo precisa se afirmar antirracista
Ele
entendia que desde que uma pessoa se intitulasse espírita, ela já teria motivos
suficientes para iniciar essa transformação e reforma íntima (que é um
compromisso consigo mesma), passando a se esforçar para se tornar melhor e
contribuir, assim, para o adiantamento da humanidade.
Mas também
é verdade que na mesma proporção que os odiosos deixaram suas máscaras caírem,
espíritas de todos os cantos do País e de fora dele tem se reunido,
presencialmente ou virtualmente, incomodados/as com essa captura do movimento
espírita brasileiro pelos setores mais reacionários e fundamentalistas, para
expressar seu repúdio às leituras equivocadas e enviesadas que estão fazendo do
legado de Kardec.
O espírita,
autointitulado “cidadão de bem”, limpinho e cheiroso (como diz aquela
jornalista), que dita normas como um general nas entidades que deveriam se
conectar fraternalmente, mas ao contrário prega o ódio e a intolerância, sabe
que está condenado, e se desespera por isso, porque sabe que afronta as leis
divinas e naturais. Porque sabe que a consciência libertadora o inquieta e o
aprisiona.
Há cristãos
– mal-intencionados – que utilizam argumentos religiosos para defender a
barbárie e a violência. Uma das passagens preferidas dessa “gente de bem” é a
em que Jesus disse não ter vindo trazer a paz, mas a espada.
Não há paz
sem voz e Jesus já sabia disso. Quando usou a analogia da espada, Jesus estava
se referindo ao império romano (dominação) e que a pacificação só seria
possível se houvesse conflito e divisão às hierarquias e poderes estabelecidos,
rompendo com a política de morte da época. Jesus tornou-se o centro da
separação e rompe com a manutenção das relações estabelecidas pelo legalismo.
Uma das
possibilidades que a Doutrina Espírita apresenta para o enfrentamento da
violência é a educação em suas múltiplas interfaces. O Espiritismo,
essencialmente educativo, tem como objetivo libertar e proclamar o reino de
Deus – de justiça, amor e paz – para todos/as, mas a sua missão não poderá ser
realizada em um ambiente de acomodação “paz” que só atendem a alguns poucos.
O impulso
de transformação presente na doutrina espírita – para além dos fundamentalismos
e articulações reacionárias que infelizmente disputam os ensinamentos de Kardec
– defende que uma sociedade justa e livre se dará por meio da implantação de
políticas públicas que valorizem a cultura da não-violência, o respeito à
diversidade e a todas as pessoas como portadoras de direitos.
A apologia
ao porte de armas, o aumento da repressão institucional e armada contra a
população de forma indiscriminada não é o caminho.
As forças
progressistas dentro da doutrina espírita serão o futuro de uma doutrina livre
e que cada vez mais estará integrada com o povo e suas conquistas sociais.