Fora da justiça social não há salvação
Allan Kardec, educador visionário e dono de uma visão progressista de justiça social, certamente atualizaria seu lema
Kardec se
espantaria com seus seguidores no Brasil?
Uma das
principais características do espiritismo, além da sua comunicabilidade com o
mundo espiritual, da crença na pluralidade das existências e da universalidade
dos ensinos dos espíritos, é o lema “fora da caridade não há salvação”.
Este é o
título do capítulo XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Por ser uma
doutrina cristã, com bases filosóficas e científicas, vê no altruísmo e na
reforma íntima uma maneira de ascensão espiritual.
A doutrina
espírita, popularmente conhecida por espiritismo, kardecismo ou espiritismo
kardecista, foi “codificada” – tomando corpo de doutrina – pelo pedagogo
francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec.
Ela nasce na
França do século XIX, genuinamente ecumênica, visto que admitia muçulmanos,
judeus, católicos, protestantes e ateus em seus cultos. Chegou ao Brasil por
volta de 1860, com os primeiros exemplares de “O Livro dos Espíritos”. Teve,
por meio da atuação de Bezerra de Menezes e Chico Xavier, a oportunidade de se
popularizar pelo País.
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mesmo respeito às diferenças?
Hoje o
Brasil é quem mais reúne espíritas em todo o mundo e, segundo o censo de 2010
do IBGE, são cerca de quatro milhões de adeptos. Ainda segundo o IBGE, o
espiritismo é uma das religiões que mais cresce, sendo considerada uma doutrina
branca, escolarizada, cisgênera e heterossexual.
Muito em
virtude das características acima referidas, o movimento espírita brasileiro
tem protagonizado um dos maiores retrocessos de sua história, aliando-se com o
que há de mais conservador, dogmático, retrógrado, intolerante e, infelizmente,
seguindo um caminho oposto àquele de quando do seu desembarque.
Allan
Kardec, discípulo de Pestalozzi e um educador visionário, tinha um olhar
progressista da justiça social. Defendia uma educação gratuita de qualidade e a
luta pela emancipação das mulheres. Altruísta, dotado de poderoso senso crítico
e espírito investigativo, estava sintonizado com os debates filosóficos de seu
tempo.
Poderíamos
afirmar ousadamente que, se Kardec vivesse nos dias de hoje, em vez de “fora da
caridade não há salvação”, teria cunhado a expressão “fora da justiça social
não há salvação”, muito mais ampla, mais dialógica e mais próxima da noção
cristã de equidade.
Em tempos
nebulosos como o atual, é necessário defendermos o óbvio, disputando narrativas
e retomando os passos do mestre. Desta forma, nós, os espiritas progressistas
(há quem defenda que são termos redundantes) temos a importante, didática e
amorosa tarefa de vencermos o aspecto conservador que tem crescido no Brasil e
dentro das comunidades de fé – ou puxado por elas.
O
conservadorismo, ao ser guiado por sensos de certo e errado tidos como
absolutos, é antagônico ao espiritismo. Nele, não há espaço para o relativismo
moral: para o conservador, o fim jamais justifica os meios.
Entre as
principais características do pensamento conservador estão a atitude negativa
em relação à mudança social, uma visão desesperançada e pessimista da natureza
humana e a fé na correção moral e política de atitudes e crenças.
Assim, é
estranho constatar que boa parte dos brasileiros defenda uma espiritualidade
autêntica e, ao mesmo tempo, contente-se em admirar ideologias que só servem
para atender a interesses materiais de uma minoria, conservar a exclusão e
condenar aqueles diferentes dos padrões tidos como “corretos”.
Nossa luta
por um movimento espírita progressista afirma um profundo respeito e um
necessário compromisso em contribuir para se assegurar a dignidade de todos,
repudiando qualquer tipo de preconceito e discriminação, dentro ou fora das
casas espíritas, que se utilizam de argumentos pseudoespirituais (e
pseudocientíficos também) para oprimir, violentar, excluir e estigmatizar.
O
espiritismo pode ter um papel fundamental na superação das intolerâncias, cumprindo
sua missão de agente transformador, encampando discursos de acolhimento e amor,
respeitando a diversidade, respeitando as orientações sexuais e identidade de
gênero, combatendo o racismo, o machismo e apoiando a luta de classes.
Agindo
assim, estabeleceremos uma sociedade mais justa e mais diversa, uma casa comum
onde todos possam viver bem e tenham acesso aos seus direitos, livres de
preconceitos e discriminações.
Kardec
afirma na questão 803 do Livro do Espíritos: “Todos os seres humanos são iguais
perante Deus? E a resposta é Sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez as
suas leis para todos/as. Dizeis frequentemente: ‘O Sol brilha para todos/as’, e
com isso dizeis uma verdade maior e mais geral do que pensais”.
por Franklin
Félix — publicado 23/07/2018 18h00, última modificação 23/07/2018 18h29
Imagem: Marco A. C. Neves
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