Confie na Bondade
que Existe em Você
Como
podemos cultivar uma real confiança em nós mesmos? Aprecie as respostas de
Trungpa Rinpoche
“Olhe no espelho: aprecie-se.
Você é belx de um modo simples e humilde”
Você é belx de um modo simples e humilde”
A prática
da meditação não é uma abordagem exótica e fora de alcance. É imediata e
pessoal e envolve uma relação íntima conosco. É começar a nos conhecer
examinando nosso processo psicológico atual sem nos envergonharmos disso.
Somos
frequentemente críticos conosco ao ponto de nos tornarmos nossos próprios
inimigos. A meditação é um caminho de encerrar essa luta fazendo amizade
conosco. Então, poderemos perceber que não somos tão ruins quanto pensávamos ou
disseram de nós.
Se nos
rotularmos como casos perdidos ou nos enxergarmos como vilões, não há como usar
a nossa própria experiência como base. Se tomarmos a atitude de que tem alguma
coisa de errado conosco, devemos constantemente buscar fora de nós por algo
melhor do que somos. Essa busca pode continuar indefinidamente, sem cessar.
Em
contraste com essa abordagem, a meditação é contatar a nossa situação atual, a
raiz e o estado áspero de nossa mente e ser. Não importa o que esteja aí,
deveríamos olhar para isso. É similar a construir uma amizade de longo prazo
com alguém. Como parte do processo de se tornar amigx, você começa a conhecer
coisas que não gosta na outra pessoa, e encontra partes da relação que são
muito desconfortáveis.
Reconhecendo
os problemas e chegando a um acordo com eles é frequentemente a fundação para
uma amizade de longo prazo. Tendo incluído essas coisas desde o início, não nos
assustaremos mais tarde. Como você já conhece todos os aspectos negativos, você
não precisa esconder esse lado da relação. Então, você pode cultivar o outro
lado, o lado positivo, também. Esse também é um ótimo caminho de começar a
fazer amizade consigo. Do contrário, você pode se surpreender ou se sentir alvo
de traição quando descobrir as coisas que tem escondido de você.
O que
quer que exista em nós é uma situação natural. É uma outra dimensão da beleza
natural. As pessoas algumas vezes percorrem grandes distâncias para
apreciar a natureza, escalar montanhas, ir a um safári, ver girafas e leões na
África, ou fazer um cruzeiro na Antártica. É muito mais simples e mais imediato
apreciar a nossa própria beleza natural. É, na verdade, ainda mais bonita do
que a fauna e flora exóticas, ainda mais fantástica, colorida, dolorida e
deliciosa.
A meditação é extremamente “pé no chão”,
irritantemente pé no chão. Pode também ser exigente. Se você permanecer com
ela, irá compreender coisas sobre você e sobre as outras pessoas, e assim
ganhará clareza. Se praticar regularmente e seguir essa disciplina, suas
experiências não serão necessariamente dramáticas, mas você terá uma sensação
de descobrir a si mesmx.
Através
da prática de meditação “com o pé no chão” você pode ver as cores da sua
própria existência. A terra começa a falar com você ao invés de o céu começar a
enviar mensagens, por assim dizer.
“Se você
desenvolver uma real confiança em si, a autodefesa constante não será mais
necessária”
Nós
frequentemente abordamos a vida como se estivéssemos nos defendendo de um
ataque. Muitos de nós, quando estávamos crescendo, fomos frequentemente
repreendidos de maneiras que nos fizeram sentir mal conosco. Independente da
crítica ter vindo dos nossos pais, de uma professora da escola, ou de outra
pessoa, isso reforçou um sentimento de que havia alguma coisa de errada
conosco.
A crítica
frequentemente produziu um sentimento de isolamento, um sentimento de você e
eu, separados por uma grande divisão. Nós aprendemos muitos mecanismos de
defesa em uma idade precoce, pensando que uma boa defesa seria a melhor
proteção para uma futura reprovação.
Nós
continuamos essa abordagem enquanto adultos. Seja uma confrontação com uma
pessoa estranha na rua ou uma argumentação com nosso parceiro na cama,
acreditamos que precisamos de boas desculpas para nos explicar e de uma boa
lógica para nos defender. Nos comportamos quase como se fôssemos negociadores
profissionais, nossos próprios pequenos advogados.
Na
psicologia ocidental, algumas abordagens ressaltam a importância de reforçar o
ego elevando a autoestima. Podemos interpretar mal isso achando que
deveríamos nos promover às custas das outras pessoas. Uma pessoa pode se tornar
muito autocentrada com essa atitude.
É como se
você estivesse dizendo ao mundo “Você não sabe quem eu sou? Eu sou o que eu
sou. Se eu sou atacado por isso, é muito ruim. Estou do lado correto”. Você
se justifica pelo que está fazendo, como se Deus estivesse do seu lado, ou pelo
menos a lei e a ordem estivessem do seu lado.
Talvez
devêssemos reexaminar essas premissas para ver o que realmente funciona.
Precisamos investigar se é benéfico nos colocar pra cima, especialmente se isso
significar colocar as pessoas lá embaixo. Precisamos seriamente questionar o
que é prejudicial e o que é benéfico. Em minha própria experiência, percebi que
empregando uma atitude autocentrada e estando constantemente na defensiva não
são úteis.
Em vez de reforçar nosso senso de eu e nos
justificar constantemente, deveríamos basear as nossas vidas em alguma coisa
mais poderosa e confiável. Se desenvolvermos uma confiança verdadeira em nós
mesmos, a autodefesa constante não é mais necessária.
Para
começar, precisamos olhar dentro de nós. Quando olhamos, o que vemos? Pergunte
a você: “Há algo valoroso e confiável em mim?”. Claro que há! Mas é tão
simples que tendemos a perder isso ou negligenciar. Quando olhamos dentro de
nós, tendemos a nos fixar em nossas neuroses, inquietação e agressão. Ou
podemos nos fixar em quão maravilhosos, realizados, e invulneráveis nós somos,
mas esses sentimentos são geralmente superficiais, mascarando as nossas
inseguranças.
“Celebre a
sua capacidade por simples atos de generosidade e gentileza”
Dê uma
olhada. Há algo mais, algo maior do que tudo isso. Nós estamos dispostos: a
esperar, a sorrir, a sermos decentes. Não deveríamos desperdiçar esse
potencial, essa poderosa semente de gentileza. Até mesmo o animal mais vicioso
possui uma natural afeição e gentileza pela sua prole. Esse elemento de
gentileza existe em todos os seres. Não precisamos nos embaraçar com isso ou
tentar esconder. Não precisamos nos identificar como meninos ou meninas ruins
ou heróis ou heroínas. Podemos reconhecer e cultivar a gentileza e, primeiro de
tudo, nos tratar de modo mais gentil.
Vale a pena nós apreciarmos, termos afeição por
nós, e tomar cuidado de nós mesmos. Genuinidade, bondade e apreciação são
presentes extraordinários. Ultimamente, é onde repousamos a nossa confiança.
Essa confiança é tão verdadeira que não precisamos fingir de nenhum modo. Ela é
real.
Cada um
de nós é capaz de se amar. Nós também somos capazes de nos apaixonar. Somos
capazes de beijar as pessoas que amamos. Somos capazes de estender nosso braço
para dar as mãos. Podemos oferecer uma refeição a alguém, dando as boas-vindas
a ele ou ela na mesa, dizendo “Olá. Como você está?” Somos capazes
dessas coisas simples. Estamos apresentando tais atos ordinários de bondade por
um longo tempo.
Geralmente,
não damos muita importância para essa capacidade, mas de algum modo deveríamos.
Deveríamos celebrar ou ao menos reconhecer nossa capacidade pelos simples atos
de generosidade e gentileza. Eles são a verdadeira coisa, e no fim são muito
mais poderosos e transformadores do que a agressão, ego mania e ódio.
Quando
você se aprecia, você percebe que você não precisa se sentir miserável ou
condenado. Você também não precisa se colocar para cima artificialmente. Você
descobre a sua dignidade básica, que vem junto com a gentileza. Você sempre
possuiu isso, mas pode nunca ter reconhecido isso antes. Você não precisa ser
egocêntrico para se apreciar. Na verdade, você se aprecia mais quando está
livre da feiura do egotismo, que na verdade é baseada no ódio por si mesmo.
Olhe no
espelho. Aprecie-se. Você é belx de uma maneira simples e humilde. Quando
escolhe as suas roupas, quando escova o seu cabelo, quando toma banho, você
está expressando um elemento de completa e fundamental bondade, vigília e
decência. Há uma alternativa ao invés de se sentir condenado. Na verdade, você
pode fazer amizade com você.
Adaptado
de Mindfulness in Action: Making Friends with Yourself through
Meditation and Everyday Awareness, por Chögyam Trungpa.
Caroline
Bertolino é psicóloga, facilitadora do Cultivating Emotional Balance e do
programa Mindful Self Compassion. Saiba mais aqui.