A Religião Matou
Jesus e Ameaça Francisco
O teólogo
espanhol José Maria Castillo escreve artigo (publicado na manhã deste domingo
no site Religión Digital) no qual desnuda a oposição entre a religião e
o ensinamento de Jesus:
“(…)
se lemos e analisamos os evangelhos com atenção e detidamente, o que neles
encontramos é algo que não apenas nos surpreende, mas nos desconcerta. Trata-se
do desconcerto que nos produz o fato de que o conjunto de relatos sobre a vida
e ensinamentos de Jesus deixa patente que a religião, como conjunto de leis e
rituais, templos, altares e sacerdotes, não aguenta o Evangelho (Boa Nova) e,
por isso mesmo, é incompatível com o Evangelho.”
Ele
denuncia: os que mataram Jesus são os mesmos que odeiam o Papa Francisco. “A
estes, a religião é ótima.”
Leia a
íntegra a seguir (a tradução é de minha autoria – Mauro Lopes):
É curioso (e
chama a atenção) o fato de que a palavra religião (thrêskeia),
em seu significado óbvio de “serviço sagrado a Deus”, não é mencionada no Novo
Testamento. A palavra “religião” aparece na carta de São Tiago (Ti 1,26-27),
mas para dizer que “a religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai,
consiste nisso: socorrer os órfãos e as viúvas em suas tribulações”.
Como já se
disse muito bem, o cristianismo, fundamentalmente, não exige um comportamento
cultual especial (W. Radl: Dic. Exeg. NT, vol. I, 1898). Para o NT, a
“religião” como culto sagrado, liturgia, ritual ou conjunto de observâncias ou
dogmas, não existe nem tem presença ou razão de ser. É um assunto do qual não
se fala. Não se menciona uma só vez em todo o NT.
Porém não é
isto o mais forte. O mais decisivo, neste assunto tão fundamental, é que, se
lemos e analisamos os evangelhos com atenção e detidamente, o que neles
encontramos é algo que não apenas nos surpreende, mas nos desconcerta. Trata-se
do desconcerto que nos produz o fato de que o conjunto de relatos sobre a vida
e ensinamentos de Jesus deixa patente que a religião, como conjunto de leis e
rituais, templos, altares e sacerdotes, não aguenta o Evangelho (Boa Nova) e,
por isso mesmo, é incompatível com o Evangelho.
Se algo é
claro –e repetido tantas vezes nos evangelhos- é que os homens da
religião não aguentaram o Evangelho de Jesus. E não o suportaram
porque os homens da religião viram, no Evangelho de Jesus, um perigo e uma
ameaça de vida ou morte.
Foi o que se
viu no Conselho Supremo (Sinédrio) quando os dirigentes religiosos viram que o
projeto de Jesus centra-se na defesa da vida, como ficou evidente quando Jesus
devolveu a vida a Lázaro (não que o tenha “ressuscitado” para a “outra vida”,
mas o fez recuperar “esta vida”). O projeto dos homens da religião,
por seu turno, é defender e manter seu templo, seus ritos e normas, suas
dignidades e privilégios, seus poderes sobre o povo (Jo 11, 47-53).
Isto explica
por que Jesus pôs sempre em primeiro lugar a cura dos doentes, a presença com
os pobres, os pequenos, os pecadores e a todo tipo de gente depreciada e
rechaçada pelos dirigentes religiosos. Esta foi a prioridade de Jesus,
quebrando as normas da religião, enfrentando seus sacerdotes e atuando com
violência contra aqueles que utilizavam o templo como negócio até convertê-lo
num covil de bandidos.
Como é
lógico, a sequência prolongada de enfrentamentos acabou como era previsível e
inevitável naquela sociedade: a religião matou Jesus. É possível dizer com mais
clareza que a a religião é incompatível com o Evangelho?
Porém, se
isso é assim, como se explica que, neste momento e durante tantos séculos, a
religião tenha estado mais presente que o Evangelho na Igreja e na sociedade?
A resposta
é: a religião confere poder, importância, fama, enquanto o Evangelho é vivido a
partir da fragilidade, do que é marginalizado e excluído. Por isso, a religião
faz você viver em segurança, enquanto o Evangelho (vivido de verdade)
obriga-nos a viver na insegurança.
Tudo isto
foi se transformando na vida da Igreja. E por isso, nela, debilitou-se o Evangelho
e se foi potencializando a religião. Já no século II, o clero separou-se
e se sobrepôs aos leigos. No século IV, com a suposta conversão de
Constantino, a Igreja passou a receber privilégios. A partir de Teodósio, em
381, além de privilégios, também passou a receber dinheiro. Os ricos começaram
a entrar em peso na Igreja, em geral para cumprir com funções de liderança como
bispos e escritores cristãos (Padres da Igreja e teólogos). A
Igreja organizou-se e geriu-se a partir dos ricos e poderosos (Peter Brown,
“Por el ojo de una aguja”, pg. 1034).
Assim é que
a Europa ficou marcada pela religião cristã, mas muito longe
do Evangelho de Jesus.
Por mais
estranho que pareça, agora mesmo estamos uma situação inesperada, uma
oportunidade. A religião está aos pedaços e afunda. É verdade que há casos em
que a política, o nacionalismo, a riqueza pretendem
suprir o vazio da ausência da religião (cf. Juan A. Estrada).
Porém, mais
forte e determinante é o anseio, o desejo de recuperar os valores evangélicos:
que haja vida, humanidade, felicidade para todos. Nem a política, nem a
tecnologia, nem a religião respondem a este anseio mundial, a este grito da
terra, que a cada dia se faz mais forte e mais insistente. É a voz do Papa
Francisco, o grande líder mundial que surgiu inesperadamente, tão mais presente
quanto mais odiada por tantos clérigos (e seus acólitos), que, como os fariseus
antigos, não suportam o Evangelhos. A estes, a religião é ótima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário