Jesus não morreu por “nossos pecados” e sim por enfrentar o
interesse, a conveniência e a cobiça
Jesus foi assassinado
pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder
o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às
custas da fé das pessoas."
Jesus Cristo
morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para
aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais
infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl
3,13).
Jesus morreu
pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e
mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por
toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o
crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e
coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles
espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado… o Filho de
Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados!
Corre-se o
risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da
psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar
permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e
psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e
distúrbios.
No entanto,
basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi
assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo
medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a
riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de
Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não
era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que
competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a
economia.
O crime pelo
qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente
daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas
que sempre dá.
A próspera
economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o
Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos
rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus.
Era todo um
comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para
a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes:
desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu
próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os
escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento
infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente
sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser
mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma
defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia.
Para receber
o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer
aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do
pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras
coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo
contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para
levar a sua oferta.
“Perdoai e
sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas
duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de
Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao
templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso.
Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…
O alarme
cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos
inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião
dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote
Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também
todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua
doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as
autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos
acreditarão nele … “, Jo 11,48).
Para convencer
o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas
teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então
brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não
compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não
pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não
morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas
pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que
interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro:
vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro
inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre
consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os
homens completamente refratários à ação divina.
POR ALBERTO MAGGI, biblista italiano,
frade da Ordem dos Servos de Maria, autor de diversos livros
Tradução de Francisco Cornélio
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