Tentar
imitar Messias pode ser a porta para o inferno
“Tente
entender este ponto. Se suas ações forem contra sua vontade, você estará no
inferno mesmo estando no paraíso. Mas, seguindo o curso natural do seu ser,
você estará no paraíso mesmo estando no inferno.
O paraíso é
onde o seu verdadeiro ser floresce.
O inferno é
onde você é subjugado e alguma outra coisa lhe é imposta” (Osho, Autobiografia
de um místico espiritualmente incorreto, p. 33/50 da versão eletrônica).
Os atavismos
religiosos ainda marcam as religiões, filosofias e doutrinas espiritualistas
nos dias atuais. Acreditar em bem e mal, em perfeição e pecado, em céu e
inferno é resultado de séculos de visões simplistas acerca dos fatos e da
tentativa de controle, ainda que inconsciente, de muitos por aqueles que
"comandam" as religiões.
Um dos
equívocos mais clássicos é tentar uniformizar os seres humanos, aconselhando-os
todos a seguir um único caminho, como tentar imitar os passos de um determinado
messias. Para muitos, todos deveriam ser como Gautama Buda; para outros,
devemos tentar imitar os passos de Jesus; para outros, devemos comer, dormir,
agir como Chico Xavier.
Há diversos
riscos aí, dentre eles o fato de que os detalhes da vida dos messias são pouco
conhecidos e os livros que falam sobre eles podem ter distorcido a história. Se
os próprios adoradores de alguém retratam sua vida, qual a chance de falarem
algo negativo sobre aquela pessoa? Por exemplo, os relatos de que a Bíblia
sofreu diversas alterações por conta de interesses da Igreja são muitíssimos.
Muitos nomes
da humanidade tidos por messias ou santos foram retratados de modo distorcido,
tendo sido contado apenas aquilo que se julga positivo e até exagerando um
pouco, levando as pessoas a acreditarem falsamente que existe perfeição neste
momento – e, pior ainda, séculos atrás – na Terra. Aliás, a falta de
auto-estima, a necessidade de heróis, de santos, é uma característica muito
comum em sociedades de seres ainda pouco desenvolvidos.
Os sábios
espíritos explicam com frequência que até mesmo o mais elevado deles, como
Jesus, Buda e outros grandes mestres, estão em eterna aprendizagem. Quando da
encarnação, a carne, que é fraca, produz diversas provas em face das quais é
muito difícil, até para o mais ascensionado dos espíritos, agir sempre com
perfeição.
Como se
vende, apesar do mencionado acima, uma imagem santificada dos expoentes
religiosos, pensa-se que eram perfeitos e que todos podem se tornar perfeitos
em uma encarnação se conseguirem imitá-los.
Sem
conseguir sequer chegar perto dos seus ídolos venerados, que foram pintados a
eles às vezes de forma distorcida, muitos ficam deprimidos, achando-se menores,
incapazes. Outros conduzem suas vidas por caminhos que nada têm a ver consigo
para que possam se sentir mais próximos daqueles tidos por santos. Alguns acham
que somente assim irão se salvar.
É uma grande
maldade com o ser humano fazê-lo ser quem ele não é. Cada qual tem uma história
espiritual, está numa fase, vem com determinadas energias, assumiu compromissos
específicos. Por que eles deveriam ser como outro indivíduo? Todos estamos
ligados e unidos com a consciência suprema, mas, ainda assim, somos todos
indivíduos únicos, especiais.
Essa atitude
de tentar sem sucesso imitar fielmente um santo é simplista, uma forma de
reducionismo. Pega-se alguém e eleva-se ao pedestal de modelo máximo a ser
copiado, mas não se percebe o quão isso é prejudicial para que cada um descubra
o seu próprio Eu superior, que é um dos objetivos centrais dos espíritos, seja
na encarnação, seja quando estão no plano espiritual. O mais importante é se
autoconhecer. Ao tentar imitar outro, o sujeito deixa de olhar profundamente
para si mesmo.
Quanto mais
nos afastamos de quem somos, mais ilusões e limitações são criadas, havendo
tendência ao distanciamento em relação àquilo que foi previsto no programa
encarnatório. Nosso livre-arbítrio é limitado, ao contrário do que se pensa.
Uma das etapas de autoconhecimento mais importantes para todo ser humano é
compreender aquilo que é o seu melhor em cada encarnação, aquilo a que ele se
propõe, mas, ao contrário de fazer isso, muitos ficam venerando terceiros e
tentando ser igual a eles, ao invés de simplesmente utilizá-los como modelos
para burilar suas próprias características.
Conheci e
conheço diversas pessoas que, buscando imitar um arquétipo criado em torno de
Chico Xavier, não tomam nenhuma bebida alcoólica, pois diz-se que ele não
tomava, comem e dormem pouco, pois diz-se que ele trabalhava muito e não tinha
tempo para comer e dormir bem, julgando-se que isso é o único e verdadeiro
trabalho abnegado. Eu diria que esse é certamente o caminho para ficar doente.
Não se trata
de ser contra o trabalho árduo em benefício do próximo, mas os exageros quase
sempre tenderão a gerar desequilíbrios, e comportamentos mais balanceados
tendem a gerar não somente mais efetividade no próprio trabalho pelo fato de a
pessoa estar melhor energeticamente, como tendem a manter a longevidade do
trabalho.
Já vi vídeos
em que pessoas próximas a Chico Xavier diziam que, em boa parte da vida, ele
comia consideravelmente e que nem sempre foi magro como quando já estava mais
idoso e com algumas doenças. Não sabemos a verdade, até porque ela não existe.
Comer muito ou pouco é algo subjetivo. Ao longo da vida, é possível fazer os
dois e em diferentes graus. Então, comer pouco porque Chico ou porque qualquer
outro ídolo comia pouco é algo que merece autoanálise. A ciência tem dito que,
frente às necessidades dos corpos dos seres humanos atuais, não se deve comer
pouco, nem muito, mas ter uma dieta rica e equilibrada, com refeições variadas
ao longo do dia, talvez de 3 em 3 horas. Não fazendo isso, tende-se a gerar
doenças, mas é claro que cada indivíduo é único.
Acontece o
mesmo do ponto de vista moral. Jesus, o Cristo, Allan Kardec, Chico Xavier
foram pessoas encarnadas específicas com suas necessidades de aprendizado e
suas missões. Outro equívoco muito comum entre os religiosos e espiritualistas
é dividir os indivíduos em missionários e não missionários. Estes últimos
seriam os pecadores cheios de dívidas a se pagar nas encarnações e aqueles
seriam os heróis a serem imitados.
Se as
dualidades precisam ser transgredidas, tendo em vista que causam visões
segmentadas, simplistas, como defendemos tanto neste blog, uma divisão desse
tipo serve mais para confundir do que para informar. O próprio Livro dos
Espíritos afirma que o objetivo da encarnação é aprender e gerar aprendizado, ou
seja, todos somos aprendizes e missionários tanto na encarnação quanto no plano
espiritual, nem que a missão seja causar provas a outros.
O maior peso
na necessidade de aprender e/ou no caráter missionário dependerá muito de cada
espírito específico e da missão que assume. Chico Xavier, por sinal, apesar de
ter realizado uma missão importantíssima, que lhe deu fama internacional e
repercutiu muito no Brasil, passou por provas duríssimas ao longo de toda a
vida.
Ao mesmo
tempo em que realizava a grande missão de sedimentar e difundir o espiritismo
no Brasil e no mundo, após sua descoberta por Allan Kardec no século XIX, Chico
Xavier ia pagando carmas e aprendendo com as dificuldades, como ser torturado
pela madrasta, ser alvo de preconceitos por conta da sua mediunidade, ser
criticado pelo seu trabalho, inclusive por familiares, ser expulso de casa pela
irmã, ser alvo de uma armadilha de jornalistas etc. A vida daquele homem, para
muitos, seria insuportável.
Nos Diálogos
com os Espíritos, já chamamos a atenção para isso aqui tantas vezes, os sábios
desencarnados falam frequentemente que não existe apenas um mestre, que mesmo
Jesus continua aprendendo e continuará eternamente, pois o próprio universo
está sempre em constante mutação e, além de ser infinito, existem multiversos,
uma infinidade de mundos, serem e fenômenos a serem conhecidos.
Outro
equívoco do meio espiritualista é crer que, se alguém passa por situações
difíceis, tem necessariamente muitos carmas a pagar, é alguém que não foi boa
pessoa em encarnações passadas. O que dizer de Jesus ter carregado a cruz, ter
sido crucificado e terem depois enfiado uma lança nele? Jesus teria ainda
carmas densos para pagar? Quem sabe, apesar da sua lucidez, não ficou algo de
lá detrás para acertar e aprender? Há muitos “chutes” e confusões, mas não há
como ser assertivo com relação a vários assuntos da espiritualidade.
Uma coisa é
escolher, conforme nossas afinidades, um grupo de pessoas que sirvam como
modelos para, juntamente com um processo constante e profundo de
autoconhecimento, burilarmos as nossas mais diferentes características,
principalmente aquelas que parecem não revelar ainda lucidez. Assim, com
amplitude de consciência, sem nos prendermos a religiões, filosofias e
doutrinas supostamente salvadoras, nem a mestres únicos ou salvadores,
valemo-nos de exemplos para, a partir de nossas próprias características, nos
trabalharmos.
Outra coisa
é a pessoa não se conhecer, ter estudado pouco, escolher uma religião para
chamar de sua e defender como a melhor, e ainda ficar tentando parecer com
algum mestre. Isso é infantilidade espiritual. Nada pode ser mais falta de
lucidez do que querer ser algo diferente do que se é, a menos que o objetivo
seja automelhorar-se aos poucos num processo de individuação, ou seja, de
aproximar o ego do Eu superior e, cada vez mais, ampliar a consciência.
Buscar
deixar de cometer equívocos, buscar agir com mais amor, buscar ser uma pessoa
melhor em todos os momentos e com todos, tudo isso é positivo. Outra história é
se prender a práticas circunstanciais de modo superficial, é querer imitar
aquele que se julga santo para também se tornar pretensamente um santo.
Os grandes
mestres da humanidade vieram em momentos muito distintos, cada um num grau de
ascensão, com tarefas de aprendizagem e de missão distintas, e assim somos
todos nós. Não devemos procurar ser iguais a ninguém, mas desenvolver ao máximo
os nossos próprios talentos e trabalhar ao máximo as nossas próprias
perfeições. Os outros são apenas exemplos a serem estudados e seguidos com
muitíssimo cuidado.
Se houvesse
mesmo inferno, termo que podemos utilizar para denominar regiões densas onde se
afinizam seres com vibrações baixas, certamente grandes candidatos para se
amoldarem vibratoriamente a esses lugares seriam aqueles com consciências
repletas de ilusões e limitações, que vivem tentando ser outras pessoas,
completamente desconectados do seu Eu superior, ficando confusos, impondo
verdades aos outros e barganhando com a espiritualidade por meio de esmolas
bons lugares num suposto céu.
Como dizia
Ralph Waldo Emerson, precursor do Pragmatismo Americano e um dos maiores
pensadores da história humana: "Imitação é suicídio."
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