Edison X Tesla:
O mistério do dispositivo para conversar
com os mortos
Quase meio
século depois de ter inventado a lâmpada incandescente e o fonógrafo, o
inventor e empresário Thomas Edison enfrentou o físico sérvio Nikola Tesla na
última batalha das invenções: criar um dispositivo para conversar com os mortos
– o telefone espiritual, uma espécie de “disque-fantasma”. Embora fosse
agnóstico e crítico feroz das sessões espíritas, muito populares na virada do
século, Edison acreditava que a conexão com o Outro Mundo somente poderia ser
realizada através da Ciência. Em si mesma, a eletricidade era, e ainda é,
misteriosa: embora faça parte do nosso cotidiano, ainda não sabemos a real
natureza dessa força – ela parece possuir todas as propriedades das velhas
mitologias animistas do passado. Enquanto Tesla buscava essa comunicação com o
Além através do rádio, Edison optou pelo telefone. Assim como o fonógrafo foi
recebido como a realização do antigo sonho da imortalidade, Edison via no sinal
telefônico a possibilidade de se comunicar com “partículas imortais”. Esse é
mais um capítulo da História de como o avanço tecnocientífico é alavancado pelo
misticismo e por mitologias milenares.
Ainda está
para ser escrita a História das motivações místicas e esotéricas por trás das
descobertas tecnocientíficas. Principalmente aquelas envolvendo a eletricidade.
De todas as
forças que compõem o cosmos, a eletricidade é aquela que mais define a modernidade.
Uma força que até hoje é envolta em mistério. Todas as dinâmicas não biológicas
da civilização como velocidade, peso, gravidade, movimento já foram dissecadas
pela física clássica e, por isso, não despertam mais tanto a nossa imaginação.
Mas com a
eletricidade sempre foi muito diferente: um mundo invisível de campos
eletromagnéticos e frequências que ainda desperta mistérios. Mesmo que façam
parte do nosso cotidiano como na música, rádio e TV.
“Nós
realmente sabemos o que é eletricidade?”, perguntou certa vez Anagarika
Govinda, pesquisador alemão que se converteu ao budismo tibetano. Para ele,
conhecemos as leis que tornam a eletricidade útil na nossa civilização, porém
não sabemos a sua origem e a real natureza dessa força – leia DAVIS, Erik, TechGnosis,
Myth, Magic and Mysticism in the Age os Information, 2004.
O fato é
que a eletricidade possui a propriedade de todos os mitos animistas do passado
(a crença em entidades não humanas que possuiriam essência espiritual),
expressando tudo aquilo que os poetas e filósofos já pressentiam: a natureza
não é um mero mecanismo sem vida, mas algo que vibra, tem vida, assim como
nossos pensamentos e emoções.
Não é à toa
que na imaginação científico-literária, a eletricidade sempre esteve associada
à própria força da vida, deuses e imortalidade. Por isso o espiritualismo se
tornou a primeira religião da Era da Eletricidade e da Informação – telégrafo,
rádio e TV.
Os
fenômenos mediúnicos, mesas girantes, escritas automáticas etc., estudados por
Alan Kardec e pela Teosofia de Madame Blavatsky e Leadbater no século XIX,
surgem simultaneamente à descoberta do eletromagnetismo e na transformação da
eletricidade em informação com o telégrafo. Os próprios fenômenos paranormais
começam a ser interpretados como fenômenos eletromagnéticos de comunicação
espiritual.
Do monstro
Frankenstein que veio à vida pela descarga elétrica, o fenômeno da hipnose
através do “magnetismo animal”, comunicação entre vivos e os espíritos dos
mortos por meio do corpo de um médium transformado num condutor de energia
elétrica, até chegarmos aos modernos meios de comunicação, tudo parece ter o
mesmo denominador comum místico – busca da vida e imortalidade.
Foto de
Thomas Edison usada na edição da “Forbes” em que o inventor anunciou sua pesquisa
sobre o telefone espiritual
“Disque-fantasma”
Mas será
que até mesmo o inventor e empresário norte-americano bem-sucedido Thomas
Edison (1847-1931), conhecido por centenas de patentes de invenções como o
fonógrafo e a câmera cinematográfica, além de criar a versão eficiente da
lâmpada incandescente, partilhava dessa visão esotérica ou animista da
eletricidade?
Não só
partilhava como também construiu um dispositivo para conversar com os mortos –
o telefone espiritual, uma espécie de “disque-fantasma”.
E mais:
muitos historiadores ainda acreditam que a sua pesquisa secreta em torno desse
dispositivo foi mais um episódio da famosa disputa entre Edison e o físico
sérvio Nikola Tesla. Para Edison, os planos de um telefone espiritual que
poderia ser usado para contatar os mortos não era meramente pela busca da fama,
fortuna ou avanço científico: era a chance de superar um rival pela última vez.
O atrito
entre Edison e Tesla foi uma das maiores rivalidades da história da ciência,
desde que o físico sérvio era um jovem e promissor engenheiro que trabalhava
para a Continental Edison Company em Paris. O conflito veio à tona com a
chamada “Guerra das Correntes”, na qual Tesla venceu seu empregador ao provar
que a corrente alternada (AC) era mais eficiente e capaz de transmitir
eletricidade a longas distâncias. Superando a Corrente Contínua (DC) de Edison.
Por volta
da virada do século XX, quando a eletricidade estava sendo usada pela primeira
vez para iluminar salas ao apertar um botão e fazer as imagens se moverem na
tela do cinema, a ideia de usar a tecnologia para entrar em contato com os
espíritos não parecia tão absurda.
Tesla
considerou essa possibilidade ao experimentar um rádio de cristal alimentado
por ondas eletromagnéticas em 1901. Os sinais que ele captou uma noite eram tão
enervantes que sua mente científica não pôde deixar de pensar em fantasmas. Ele
escreveu em seu diário: “Minhas primeiras observações me aterrorizaram
positivamente, pois havia nelas algo misterioso, para não dizer sobrenatural, e
eu estava sozinha em meu laboratório à noite”.
Em 1918,
ele escreveu sobre sons semelhantes que ouviu depois de mexer em outro rádio,
mas teve o cuidado de não atribuí-los automaticamente a fontes de outro mundo.
“Os sons que estou ouvindo todas as noites no início parecem ser vozes humanas
conversando em um idioma que não consigo entender”, escreveu ele. “Acho difícil
imaginar que estou realmente ouvindo vozes de pessoas reais”.
Espíritos,
massa e energia
Quando
soube disso, Edison resolveu entrar em ação. Embora fosse um notável agnóstico
e crítico feroz dos médiuns que faziam sessões espíritas, muito populares na
época, ele ficou intrigado com a possibilidade da existência de entidades
existente além desse mundo.
Em 1920,
ele disse à The American Magazine: “Estou trabalhando há algum tempo
construindo um aparato para ver se é possível que personalidades que deixaram a
Terra se comuniquem conosco”. Outros mais tarde se referiram a esse dispositivo
como seu “telefone espiritual”.
Como todos
os seus experimentos, este estava enraizado na ciência. Edison baseou-se no
trabalho de Albert Einstein, particularmente suas teorias de entrelaçamento
quântico e relatividade especial. O pensamento de Edison foi o seguinte: se é
possível converter massa em energia, talvez os espíritos das pessoas vivas se
tornem unidades coerentes de energia quando seus corpos param de funcionar. E
se partículas emaranhadas podem se afetar através de grandes distâncias, como
afirma a teoria quântica do emaranhamento, então talvez haja uma maneira de
esses feixes de energia interagirem com o nosso mundo físico.
De acordo
com Joel Martin e William Birnes, no livro Edison vs. Tesla: a batalha pela
última invenção, Edison testou um protótipo de sua invenção por telefone espiritual
em 1920. Convidou médiuns e cientistas a comparecer e observar um experimento
misterioso.
Eles viram
uma máquina tipo projetor, instalada em uma bancada, que emitia um fino feixe
de luz sobre uma célula fotoelétrica. A célula iluminada foi projetada para
detectar a presença de forças e objetos se movendo através do feixe – mesmo
aqueles invisíveis a olho nu. Se um ser de outro mundo comparecesse à reunião e
passasse pela luz, um medidor conectado à célula fotoelétrica os informaria,
explicou Edison.
Se seus
convidados apareceram naquele dia esperando evidências científicas de
fantasmas, ficaram decepcionados. Horas se passaram e a agulha no medidor
permaneceu imóvel – até os médiuns presentes tinham que admitir que não havia
nada sobrenatural acontecendo.
Mas o
inventor não desanimou. Embora alguns céticos tenham chamado tudo de
“brincadeira sobrenatural” e “farsa”, um trecho recuperado recuperada do diário
pessoal do inventor sugere que suas atividades eram genuínas. Ele continuou
trabalhando no chamado “telefone espiritual” ao longo da década de 1920.
Em uma
entrevista para a respeitável revista Forbes em 1921, Edison, então com 73
anos, declarou:
“Estou
trabalhando há algum tempo na construção de um aparato para ver se é possível
que personalidades que deixaram essa terra se comuniquem conosco. Se isso for
realizado, não será realizado por nenhum meio oculto, misterioso ou estranho,
como os empregados pelos chamados médiuns, mas por métodos científicos”.
Imagem:
M. A. C. Neves