A EXPERIÊNCIA DE REGRESSÃO DE MEMÓRIA
Hermínio C. Miranda
REGRESSÃO
Para encerrar esta série
acerca da regressão de memória, pareceu-me apropriado aceitar uma sugestão para
narrar uma experiência pessoal, recente, extensa e bem documentada, sobre a
qual será oportunamente publicado um livro, que relatará todo o caso com seus
pormenores, datas e nomes. A experiência foi feita com o confrade L. A.
Para entender o fenômeno nos
seus antecedentes e nas suas implicações, precisamos admitir como válidas e
pacificas algumas premissas fundamentais, ainda que apenas como hipótese de
trabalho, se assim desejarem classificá-las os pesquisadores agnósticos. Tais
premissas podem ser resumidas da seguinte maneira:
1. O Espírito existe, preexiste
e sobrevive e, portanto, reencarna-se.
2. O homem encarnado é um
"arranjo" temporário de três "componentes" básicos:
Espírito, perispírito, corpo físico.
3. O perispírito tem a
faculdade de desprender-se do corpo físico conservando-se, no entanto, ligado a
ele por um cordão fluídico.
4. O desprendimento se dá
espontaneamente durante o sono fisiológico ou mesmo em estados de relaxamento,
como também pode ser provocado por drogas, hipnose, magnetização, exaustão
física, choques traumáticos de fundo emocional ou físico.
5. O perispírito traz os
registros indeléveis da vida atual do ser, tanto quanto das vidas anteriores,
até onde alcança a consciência de si mesmo.
Esse esquema não invalida a
classificação da ciência oficial que distribui o psiquismo humano em três
planos distintos: consciente, subconsciente e inconsciente. Também não se choca
com algumas das mais recentes especulações baseadas em experiências bem
estudadas e documentadas.
A reencarnação é hoje uma
hipótese admitida com seriedade em elevados círculos científicos. Um dos
pioneiros nesse trabalho, o Dr. Ian Stevenson, da Universidade de Virgínia,
dedica-se com enorme Interesse ao problema. Seu livro "Twenty Cases
Suggestive of Reincarnation" ("Vinte Casos Presumidos de Reencarnação"),
publicado nos Estados Unidos em 1966, relata e comenta uma seleção de casos
retirados de seu considerável acervo.
O Dr. Andrija Puharich
desenvolve, no seu notável livro "The Sacred Mushroom" ("O
Cogumelo Sagrado"), a teoria do MCC, "Mobile Center of
Consciousness" ("Centro Móvel de Consciência"), segundo a qual
admite o deslocamento da consciência e sua autonomia com relação ao corpo
físico.
Isso trocado em linguagem
espírita quer dizer:
Desprendimento do Espírito e
sua sobrevivência, embora ele não o afirme com essas palavras. O professor
Hamendra Banerjee, da Universidade de Rajastan, na Índia, outro pesquisador da
reencarnação, prefere dar ao fenômeno o título de "Extra Cerebral
Memorv" (ECM), ou seja, memória extracerebral, desejando com isso dizer -
tal como o Dr. Puharich - que a memória independe do apoio da estrutura do
cérebro físico.
Essas premissas e conceitos
fundamentais são aqui repassados rapidamente, não apenas em benefício dos que
não leram os dois primeiros artigos desta série, mas também para evidenciar que
a ciência contemporânea não está desinteressada dos fenômenos da sobrevivência
e da reencarnação. Tais noções são consideradas básicas, necessárias, mínimas
para entendimento do fenômeno experimental da regressão de memória. E, sem mais
digressões, passemos ao resumo do caso pesquisado.
Há muito L. A. vinha
insistindo para assistir a uma das reuniões de regressão de memória
habitualmente realizadas em nosso grupo. Quando surgiu essa oportunidade depois
de acompanhar um outro caso, perguntei-lhe se não desejava também ser testado.
Informou-me, então, que tentativas anteriores haviam frustrado, por ser ele
refratário à hipnose clássica. Admitiu, entretanto experimentar o método da
magnetização por meio de passes longitudinais. Da minha parte havia um receio
que se desdobrava em dois aspectos distintos, dado que as experiências até
então conduzidas tinham sido meramente exploratórias e fragmentárias. O
primeiro desses aspectos era a fantasia. Será que conseguiríamos evitar que ela
levasse a melhor e deixasse solta a imaginação, fazendo perder o nosso
trabalho?
Outro aspecto era a vaidade.
É que, remexendo antigas memórias do nosso ser, não seria difícil dar com uma
ou outra encarnação em que ocupamos o centro do palco ou, pelo menos,
desempenhamos, em certos acontecimentos, papel de relevo.
Será que. isso não poderia desencadear um
processo qualquer de tensão Interior imprevisível?
Valia a pena correr o risco.
Procuraríamos manter estrita vigilância e autocrítica imparcial e rigorosa. E
assim foi feito o primeiro teste, ao qual o paciente reagiu de maneira
surpreendente, mergulhando rapidamente num estado de profundo sono.
Manifestava-se, porém,
extremamente agitado; mais do que isso, possuído de intenso pavor. Na sua
conversa algo desconexa e fragmentária, consegui identificar sua preocupação
com Necker - que ele pronunciava à maneira francesa: Ne-quêr.
Isto nos levava ao período da Revolução
Francesa, mas a inquietação do sensitivo era muito grande e achei prudente
despertá-lo. Acordou ainda assustado, fixando-me com um olhar profundo e
aterrado, até que me identificou e se situou na consciência do presente.
Estava com fome e ainda não
tinha recuperado o controle de todo o corpo, porque a tentativa de caminhar
resultou num tombo, felizmente sobre o tapete macio, de onde o levantamos para
depositá-lo no sofá. Em poucos minutos estava em estado absolutamente normal,
mas sem nenhuma consciência do que se passara durante o transe do
desprendimento.
Eu tinha mais perguntas do
que respostas.
Com quem falara eu?
Seria algum Espírito
desencarnado que se manifestara?
Seria o próprio L. A.,
mergulhado nas lembranças de uma existência anterior?
Qual seria a identidade
daquele ser?
Que estivera fazendo e
pensando naqueles momentos de temor?
Notei que ele desconfiara de
tudo e de todos. Não quis dizer quem era nem o que fazia. Pairava sobre seu
espírito um terror indefinível, mas todo poderoso e onipresente.
Era certo, porém, que revivia episódios da
Revolução, dado que Necker foi Ministro importante naquele período agitado da
nação francesa.
De qualquer forma, a
pesquisa se anunciava bastante promissora e convinha aprofundá-la
cautelosamente.
Marcamos, pois, dia e hora para um trabalho
sistemático e cercado de toda a segurança. Assim, a 19 de maio de 1967
Iniciamos a tarefa.
Ao cabo de alguns minutos de
passes longitudinais, L.A. encontrava-se
na sua Infância, com todas as características da mente infantil. Morava
com a família. O pai e a irmã trabalhavam fora. Respondeu corretamente à
pergunta sobre os nomes de sua gente. Sabia que residia perto da estação, mas
não era capaz de dizer o nome da cidade. Queixava-se de que a mãe não o deixava
jogar bola na rua. Como eu lhe dissesse que o achava muito criança para isso,
respondeu meio amuado:
Mas os outros jogam...
Em seguida, aprofundando o
sono, com passes continuados, foi recuando mais e mais no tempo. A regressão
foi conferida novamente aos dois anos de Idade até que, ao cabo de mais alguns
minutos, parece ter transposto a barreira do tempo. Sua voz era agora de um
adulto perfeitamente consciente de si e seguro nas respostas. Nada restava da
mentalidade infantil de há pouco. Fui aos poucos sacando a sua história.
Estudava no Colégio Louis-le-Grand, em Paris. "Estávamos",
naturalmente, em l785 e ele tinha 25 anos de idade, encontrando-se no último
ano do curso de Direito. Nesse ponto, começou a notar algo familiar em mim.
Declarou que me conhecia, mas não podia lembrar-se de como, de onde e nem de
quando. Minhas perguntas lhe pareciam impertinentes e incompreensíveis. Ia ele pela rua afora e de repente me
encontra e eu começo a lhe disparar
questões absurdas, algumas das quais se recusa formalmente a responder-me.
Acabou por me localizar na
memória. Eu seria um certo Robert,
sobrinho de um amigo de seu amigo Mirabeau.
- Você conhece o Mirabeau?
Que deveria eu responder?
Não.
Em suma, esse amigo do Mirabeau, de cuja
amizade muito se orgulhava o meu interlocutor -fosse ele quem fosse - era um
tal de Browning e viera à França para cuidar de umas operações financeiras com
Mirabeau. Aí, porém, as coisas lhe estavam muito confusas porque, segundo se
lembrava muito bem, ele me conhecera em 1791 e eu teria por essa época não mais
que uns dez ou onze anos de idade e ele me via agora um homem feito e a
formular-lhe perguntas idiotas. Muito confuso... Ah! o nome do "meu
tio" era Rueben.
E ele, como se chamava?
Respondeu pausadamente, com
visível orgulho e satisfação:
Lucie Simplice Benoist
Camille Desmoulins.
Nesse ponto, foi despertado.
Esta, como todas as demais experiências, foram cuidadosamente gravadas.
Começa, então, a
desenrolar-se uma verdadeira novela em sucessivos e emocionantes capítulos,
baseados, porém; numa realidade histórica irrecusável, longe da ficção.
Uma pesquisa preliminar, na
Enciclopédia Britânica, única fonte de referência ao meu alcance no momento,
confirmou o nome por extenso de Desmoulins e outros dados precisos, como data
do seu nascimento, em 2 de março de 1760, e local: na cidade de Guise, em
Aisne.
Quanto ao problema do
"meu tio", era mais complexo, pois que eu não dispunha de pronto de elementos
para conferir. Embora eu tivesse
conhecimento daquela minha encarnação na
Inglaterra, na família Browning, não sabia da existência de um tio com o
nome Rueben, nem se em 1791 fora
a Paris. Quanto à idade, conferia, pois naquela existência eu teria
renascido em 1781 e, portanto, em 1791 estaria realmente com dez anos, como ele
estimara. E o tio?
Na sessão seguinte, uma
semana depois, disse ao sensitivo, já mergulhado no transe, que ele
provavelmente se enganara, porque ao que pude apurar, tive um meio-irmão (por
parte de pai) chamado Rueben, mas não um tio. Mas ele insistia em que era tio e
se chamava Rueben. Descobri mais tarde, num documento que mandara vir da
Inglaterra, que ele tinha razão: houve um tio Rueben Browning, por sinal alto
funcionário de um banco e que trabalhava para os Rotschild, em Paris.
A coisa assumia, assim,
características de autenticidade, mas havia um aspecto que me intrigava
bastante. É que no estado de transe, o sensitivo parecia ter acesso
exclusivamente à sua memória de Desmoulins, ignorando totalmente a existência
de L. A., os conhecimentos e as crenças deste. Por que o hiato? Meditando
durante o intervalo entre uma experiência e outra, conclui que ele evitava
cuidadosamente a cena terrível da decapitação, e era tal o seu pavor de passar
novamente por ela que as lembranças perderam a continuidade naquele ponto e
funcionavam como se retidas em compartimentos estanques, incomunicáveis. Para
unir, portanto, as duas pontas era preciso vencer aquele bloqueio. E a
oportunidade não tardou.
Falava ele sobre a
possibilidade de prosseguir com a Revolução, mantendo no trono o Rei. Desejei
saber, então, em que ano "nos encontrávamos". A pergunta, como tantas
outras, era ridícula para ele, pois, naturalmente, estávamos em 1793. Pedi
então que ele fosse em frente no tempo e me dissesse o que aconteceu depois
disso. Senti que ele parou para pensar ante o absurdo que lhe propunha aquele
estranho interlocutor. Se estávamos em 1793, como é que ele poderia saber o que
iria acontecer no futuro? E perguntou, para corrigir:
- Você quer dizer antes de
1793, não é?
- Não - respondi implacável.
- Quero dizer depois mesmo. O seu espírito sabe. Vamos em frente.
VI montar a agitação e o
pânico, até que reviveu a Indescritível e penosa cena da decapitação. Invoquei
o socorro dos nossos amigos espirituais para que tudo fosse feito com segurança
e apliquei-lhe prolongados passes de imposição. Ao cabo de alguns momentos,
banhado em suor, chorava porLucíle, sua esposa, e que ficara abandonada ao
Terror e aos seus inimigos políticos. (Foi também decapitada dias depois.)
Acabou por se convencer,
diante da evidência e da minha insistência, que, apesar da morte, permanecia
vivo, o que contrariava formalmente suas expectativas, pois era totalmente
descrente da sobrevivência e da existência de Deus. Mas, fatos eram fatos:
estava vivo, não havia dúvida, pois continuava a pensar e a falar depois da
agonia terrível da guilhotina.
Havia, pois, um bloqueio
impedindo o livre trânsito de suas recordações entre a vida anterior e a
presente. Como Camille, não sabia da existência de L. A., nem mesmo admitia as
idéias que hoje aceita e defende. Creio que podemos supor ai um mecanismo de
fuga, dado que seu espírito, ainda traumatizado, evitava enfrentar novamente a
penosissima lembrança da guilhotina, abandonando deliberada-mente todas as
vivências posteriores. Vencida a barreira, realiza-se notável fenômeno de
aceitação e de integração da personalidade. Daí em diante, pode recordar-se
tranqüilamente da vida como Desmoulins sem novamente sofrer as angústias e
tensões de então, ou por outra, na sua linguagem, sem "estar lá". A
nova realidade, não obstante, não invade subitamente seu espírito como o clarão
de um relâmpago, mas sim como a gradativa iluminação de um amanhecer. Dá-se,
então, um momento de profunda beleza e poesia.
Perguntado o que acontecera
depois da "morte", respondeu que viera para o Brasil.
Fazer o quê?
- Viver - foi a resposta.
Quanto a Lucille, era fácil
para mim supor que, de alguma forma ou de outra, deveria continuar ligada ao
seu espírito. Informou-me ele, então, que Lucille Desmoulins renascera como Ana
Lúcia, sua filha atual. Depois, haveríamos de verificar, ainda, que o nome
verdadeiro de Lucille era Anne Lucie, ou seja, Ana Lúcia, e que ambas nasceram
no mesmo dia e mês, 24 de abril, com uma diferença de cerca de cento e oitenta anos. Ainda não foi possível
conferir essas datas, porque não encontramos referência ao dia do nascimento de
Lucille, mas uma discrepância aí seria a primeira em todo um acervo enorme de
dados.
Aliás, é preciso acrescentar
aqui que não procuramos estudar em maior profundidade a Revolução Francesa,
senão depois de algumas sessões, porque se poderia alegar que estávamos apenas
sacando do nosso subconsciente as informações que vinham surgindo ao correr dos
diálogos gravados. Era preciso, no entanto, verificar alguns dados e fatos para
que pudéssemos avaliar até onde se podia confiar nas revelações e evitar que
enveredássemos pelo caminho da fantasia inconseqüente. Há sobre isso um
episódio interessante, entre muitos outros que seria impraticável reproduzir
num simples artigo. O sensitivo informou, certa vez, em transe, que a Sra.
Duplessis-Laridon, mãe de Lucille, era conhecida na intimidade por Madame
Darrone. Por multo tempo pesquisei esse ponto, sem o menor resultado. Cerca de
dois anos depois, ao passar por uma livraria, em companhia de L. A. e de César
Burnier - que desempenha nesta pesquisa Importante papel -, encontrei num velho
volume de história da Revolução a confirmação de que Mme. Duplessís tinha o
apelido de Madame Darrone.
Outro problema havia
extremamente curioso. No estado de transe, L. A. gaguejava de maneira bastante
peculiar. Não era a gagueira simples de quem repete, mas sim daquele que se
demora nas sílabas iniciais e depois solta o resto da palavra de um só impulso.
Seria Camille Desmoulíns gago? Não quis formular a pergunta de modo direto.
Perguntei-lhe se ele fora bom orador. Respondeu que, muito pelo contrário. Tinha
grande dificuldade em falar. Esse era, aliás, um dos pontos mais sensíveis da
sua personalidade, evidentemente vaidosa, e ainda mais que Robespierre o fazia
sofrer muito com isso, pois zombava impiedosamente dele. A Lucille, não. Ela compreendia e era
paciente com o seu defeito. 5:
de falar nisso. Entretanto, sua
agitação mal-estar foram num crescendo a que tivemos de pôr fim, mudando de assunto,
pois se queixava de que estava ficando muito nervoso.
E, nessas conversas
semanais, às vezes. por mais de uma hora, gravamos o fantástico diálogo por
cima da barreira do tempo, à medida que se desenrolava diante de mim o relato
da Revolução Francesa por uma testemunha ocular que vivera muitos dos seus mais
destacados episódios. Lá estavam no seu depoimento as figuras controvertidas de
Robespierre e de Marat (atualmente reecarnado no Brasil, onde se destacou
novamente como político, jornalista e orador brilhante).
Tanto quanto vultos menores,
tais como Saint-Just, Madame Rolland e inúmeros outros, conhecidos ou
obscuros. E nesse desfile de passadas
grandezas e misérias, no entanto,
avultava a notável personalidade deDanton, por quem Camille revelava Irrestrita
admiração.
- Danton era homem! - dizia
ele, cheio de respeito.
Tendo subido juntos à guilhotina
- e ele sabia muito bem o nome de todos os companheiros de execução naquele dia
- eu lhe perguntei como morrera Danton e ele, absolutamente coerente, respondeu
que não sabia porque fora guilhotinado antes do grande orador. Relatou, porém,
episódios pessoais apagados, que a História nem sequer registra ou apenas
menciona de passagem em poucas palavras. Um deles nos serviu para verificação
multo Interessante.
Recebi um dia, antes da
sessão, um envelope fechado contendo solicitação de um amigo que me pedia para
formular a L. A. uma pergunta, depois que ele estivesse em transe.
L.A. Ignorava, naturalmente,
o teor da pergunta.
Alcançado o transe, formulei
a pergunta, que dizia respeito a uma frase que Desmoulins teria dito aos seus
amigos, numa reunião em sua casa e que assumira o tom melancólico de uma
despedida, já em pleno reinado do Terror.
Feita a pergunta, ele
desejou saber se era Importante, ou seja, se valia a pena o esforço de buscar
na memória a Informação solicitada. Disse-lhe eu que julgava importante, de vez
que era um teste. Ele calou-se por alguns Instantes, depois de dizer que, sendo
assim, iria lá. Iria como? E lá onde? Não sei. Em seguida, disse-me que já
estava lá. Repeti a pergunta e ele narrou o caso.
Foi realmente uma festa na
sua casa. O Terror campeava, e muitos dos presentes sentiam-se já com os dias
contados. Para não afligir sua mulher, Camílle citou uma frase latina que
dizia:
"Comamos e bebamos que
amanhã estaremos todos mortos".
Era essa de fato a frase que
a pessoa queria saber e isso lhe foi comunicado naquela mesma noite, já tarde,
pelo telefone. Conferiu, mais uma vez. Um problema, no entanto, restava. Havia,
obviamente, uma diferença entre reviver os episódios e apenas recordar-se
deles.
Qual a mecânica dos processos e como se
decidia ele por um ou por outro?
Como se realizava esse deslocamento no tempo e
no espaço?
E se era espaço mesmo, no
sentido em que o entendemos, onde estava hoje aquela cena com a presença de
seus amigos, as alegrias e as tensões do momento de angústia e a lembrança da
frase latina pejada de presságios sombrios?
Notava eu, por outro lado, que a recordação
era serena ou, pelo menos, sob a Influência de uma emoção normal e contida, ao
passo que a revivescência dos episódios trazia consigo, ao vivo, toda a carga
emocional que neles se continha - suas dores, suas aflições, suas alegrias,
tensões e esperanças.
Muitos outros pormenores
temos de sacrificar para não alongar demais esta breve notícia; julgo
conveniente, porém, relatar mais um, pelo seu notável valor probante. Num dos
seus prolongados diálogos, em transe, referiu-se o sensitivo sobre uma irmã
morta em consequência de um "ramo de ar". O Inusitado da expressão
despertou minha curiosidade. Como era mesmo em francês? "Branche
d'air", confirmou ele. Mas que doença era essa? Ele não sabia explicar,
mas Informou que essas palavras eram empregadas por um cidadão português
chamado Lopes, dono de um café onde Intelectuais, artistas e revolucionários
sonhadores se reuniam para comer, beber e discutir suas teorias. Chamava-se
esse famoso bar: Café Procope, e existe até hoje, em Paris. Consegui, através
de um amigo, um cartão postal no qual se confirma que ali se reuniam nos velhos
tempos figuras que a História consagrou, como Danton, Robespierre, Marat e
outros. Dizia o Lopes que, tomando cerveja e berrando daquele jeito, eles
acabariam morrendo dum...
Por muito tempo pesquisei
inutilmente a razão de ser da expressão, até mesmo em léxicos franceses
altamente especializados. Um dia, porém, demos com ela numa enciclopédia
portuguesa (de Portugal). A expressão existia realmente e era uma espécie de
"estupor", ou seja, uma crise circulatória. O bom do Lopes estava,
pois, Introduzindo um neologismo, de origem portuguesa, no seu boteco em Paris.
No meio de tantas emoções,
sob o impacto daquelas memórias revividas da Revolução, uma sessão especial
ficou muito bem demarcada. É que, à medida que o trabalho prosseguia e dele
tomavam conhecimento alguns amigos mais íntimos, houve uma curiosidade muito
grande e também o desejo de fazermos mais alguns testes. Combinamos, assim, uma
reunião com um grupo reduzido, do qual fazia parte um médico (que constatou na
hora a ausência dos reflexos no sensitivo, durante o transe) e alguns
companheiros de doutrina, de inteira confiança, pois a seriedade do trabalho e
os cuidados que tomávamos não permitiriam que fosse transformado em espetáculo
público.
No dia e hora aprazados,
vieram os amigos previstos, mais um senhor, desconhecido meu e também de L. A.
Fomos apresentados naquele momento. Chamava-se César Burnier, era advogado,
funcionário aposentado do Ministério da Fazenda. Viera na sua dupla condição de
espírita e de profundo conhecedor da história da França, em geral, e da
Revolução Francesa, em particular.
Iniciamos os trabalhos, como
sempre, com uma prece e logo que L. A. atingiu o transe anunciou que se
encontrava presente o Marius. Quem seria Marius, porém? Descobrimos depois que
Marius era um apelido que Lucile havia colocado em Danton e a figura do grande
orador revolucionário foi então identificada com César Burnier que, aliás,
tinha conhecimento dessa identificação, mas nunca a apregoara por natural
sentimento de reserva.
Presenciamos, então, uma das
cenas mais emocionantes de toda a série de experiências, pois naquele exato
momento, na sala carregada de tensão, no meu apartamento, em Botafogo,
reencontravam-se, após 173 anos, Camille Desmoulins e Jacques Danton. A última
vez que se viram "em vida" foi no palco sangrento da guilhotina,
momentos antes do surdo golpe da lâmina implacável. E por sobre mais de século
e meio reata-se uma amizade que o fio de aço cortou, no mesmo ponto em que a
deixaram os dois espíritos. Conta a História que, já no patíbulo, Danton e
Desmoulins, velhos amigos e companheiros, quiseram trocar um beijo fraterno de
despedida, antigo costume francês. O carrasco recusou a permissão e Danton, o
grande fazedor de frases espetaculares, declarou:
Que importa, se nossas
cabeças se beijarão dentro de alguns instantes no cesto?
É que havia um cesto que
recolhia as cabeças decepadas. Cento e setenta e três anos depois, mal se
reencontraram, Camille Desmoulins, renascido em L. A., me diz:
- Hermínio, pede ao Danton
que me dê um beijo...
César curvou-se
respeitosamente e depositou o beijo há tanto tempo devido sobre a testa do
amigo reencontrado. Era insuportável a emoção de todos os presentes, mas
especialmente dos dois protagonistas que no século XX reatam uma amizade que
floresceu tragicamente no século XVIII.
O diálogo prosseguiu
difícil, pois a tensão era grande e L. A. dependia exclusivamente de mim, para
dialogar com Danton-César, porque, em 'rapport" comigo, não ouvia César.
Este, porém, ficou convencido de que a Revolução não tinha segredo, nem mesmo
nas suas minúcias, intimidades e bastidores, para o sensitivo em transe.
Mais outra identificação se
faria naquela noite memorável, pois L. A. declarou que também se encontrava
presente, entre nós, o abade Bossut - e disse o nome atual da pessoa indicada
(A. i. M.). Segundo ele, o abade havia sido professor de matemática e física ao
tempo da Revolução, especialista em hidráulica e autor de várias obras
didáticas sobre tais assuntos. Camille, que estudara nos seus livros, lhe teria
arranjado um salvo-conduto que o livrou da fúria assassina do Terror. (Veremos
depois a razão de ser deste episódio.) O problema, no entanto, consistia em
descobrir aquele obscuro Bossut. Terminada a sessão e repassadas por todos as
emoções ali vividas, pusemo-nos à procura de Bossut na enciclopédia. Seria
Bossy? Ou Bossit? Ou Bossu? Nada se encontrou naquela noite, nem nos dias que
se seguiram, mas acabamos por localizar as referências. Descobri um dia um
verbete sobre ele em velhos livros franceses na Biblioteca Pública de Barra
Mansa. Chamava-se Charles Bossut, fora realmente sacerdote e matemático,
escrevera livros sobre sua especialidade, destacando-se obras sobre hidráulica
e viveu na época da Revolução. Dizia até o livro que, já nas últimas,
desinteressado da vida e sem reagir a nada, somente uma coisa o fez falar.
perguntaram-lhe qual o quadrado de 12. O velho professor então não saberia
disso? Respondeu firme:
- Cento e quarenta e quatro.
Foram suas últimas palavras.
O abade Bossut renasceria outra vez na França, onde se tornou um grande
cientista e pensador, apoiando seu enorme saber nas suas velhas e familiares
disciplinas - a física e a matemática. Chamou-se, nessa vida, Henri Poincaré,
figura eminente da ciência mundial. Acha-se novamente encarnado, desta vez no
Brasil,longe do brilho e das pompas acadêmicas, devotado à sua família e ao
movimento espírita, no qual se destaca merecidamente pelos seus dotes morais e
intelectuais.
Outra identificação: a do
abade Bérardier, diretor do Colégio Louis-le-Grand e muito estimado por
Desmoulins, tanto que foi seu padrinho de casamento. Atualmente está
reencarnado na pessoa de um médico-professor, sendo outra vez padrinho do
casamento de L.A.
Um dia, resolvemos fazer um
mergulho mais profundo no passado e, de século em século, fomos dar no século
XV.
Naquele tempo, L.A. -Desmoulins, teria sido um
membro da família real de França - os Valois - na pessoa de Charles, Duque de
Orléans, sobrinho de Carlos VII e pai do futuro Luiz XII. Charles foi poeta, e
orgulhoso. Casou-se várias vezes. Quando lhe perguntei o nome de sua esposa,
ele me respondeu com outra pergunta:
Qual delas?
Praticou gestos de crueldade
que agora, ao se descobrirem diante dele as nesgas do passado, causam impactos de
desgosto e arrependimento.
Contou, como em penitência,
que mandava descarnar a perna de seus prisioneiros e os obrigava a andar diante
dele. Não admira que viesse a ser decapitado séculos depois... Mesmo agora, a
quinhentos anos de distância - meio milênio -, ainda parece que suas antigas
crueldades, que hoje o repugnam, repercutem teimosas e persistentes em dores
cármicas, pois num acidente de infância teve, nesta vida, uma perna quase
Inteiramente descarnada ao vivo e quase a teve amputada pelos médicos,
desesperançados de vê-lo bom. Salvou-a, no entanto, mas conserva doentia
sensibilidade para qualquer Intervenção ou acidente que leve um Instrumental ao
contato com os seus ossos. Daí o seu pavor Irracional ao dentista, diante de
quem muitos de nós podemos não nos sentir multo bem, mas não chegamos às
fronteiras do pânico.
Charles d'Orléans foi
capturado pelos Ingleses na Batalha de Azlncourt e passou 25 anos na
Inglaterra, em prisão mais ou menos relaxada, mas vigiada com rigor, até que se
arranjasse em França dinheiro suficiente para resgatar sua vida, na qual os
Ingleses, excelentes businessmén, colocaram uma vistosa etiqueta de preço. O
dinheiro foi obtido por meio de um casamento particularmente feliz, com uma
senhora muito rica. Também o seu casamento com Lucíle Duplessis, ao tempo em
que foi Camille Desmoulins, não estaria completamente a salvo de interesses
financeiros, não obstante a grande paixão que os uniu depois. Ele próprio o
confessa em carta dirigida ao pai. Este, aliás, é um ponto que merece
referência especial, entre tantos outros que temos de sacrificar para não
alongar demais o relato.
Retornemos, por alguns momentos, ao episódio Desmoulins.
Como já disse, procuramos
não ler nada de substancial sobre a Revolução Francesa para não influenciarmos,
com o nosso conhecimento, as lembranças que iam surgindo. Fomos, no entanto, um
dia, à Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, para "checar" alguns
pontos. E numa obra de J. Claretie sobre Desmoulins encontramos a reprodução de
uma carta-autógrafo de Camille ao pai. Tentamos ler o documento, mas a letra,
multo reduzida, é ilegível, Impraticável. Dava para ler apenas a introdução:
"Mon três chêre Pére". Nada mais, a não ser uma ou outra palavra
solta, insuficientes para formular um juízo sobre o conteúdo da carta.
Na sessão seguinte, resolvi
testar mais uma vez a memória integral de L. A. e lhe pedi que me reproduzisse
o texto da carta, o que ele começou a fazer, em francês - habitualmente falava
português. Acabou resumindo o texto em português mesmo. A carta, de um Camille
em permanente estado de penúria financeira, dirigida a um pai bastante agarrado
ao seu dinheiro, pede ao velho Desmoulins, residente na cidadezinha de Guise,
permissão para se casar. Para "facilitar" o consentimento, apressa-se
em informar que a moça é rica e que, com o casamento, todos ficariam muito bem.
Que mande logo, pois, os documentos necessários. O velho deve ter providenciado
tudo como solicitado, pois que o casamento não tardou. Consegue, assim,
reproduzir o conteúdo da carta em estado de transe, quando em estado de vigília
não foi possível nem mesmo lê-la. Depois que conhecemos o texto, porém, e o a e
o ampliamos por meio de projeção de um "slide", conseguimos, ainda
que com alguma dificuldade, ler e conferir o texto escrito com a narrativa
feita em transe.
Ainda uma palavra final,
para concluir, mesmo ao risco de me tornar repetitivo.
A pesquisa feita confirma os
postulados da Doutrina Espírita, tal como foi codificada por Allan Kardec. Não
há um desvio, uma falha, um desmentido; tudo confere. Poderia dizer-se que
assim é porque o trabalho foi conduzido por um espírita militante e convicto,
na pessoa de outro confrade, igualmente convicto. Será, porém, que somos
suspeitos simplesmente porque somos espíritas? Ou será que, ao contrário,
estamos em melhores condições de pesquisar exatamente porque somos espíritas?
Creio firmemente nesta última alternativa. Vou mais longe, ao afirmar
enfaticamente que a pesquisa neste campo somente será bem conduzida e renderá
seus melhores resultados quando realizada por quem, pelo menos, conheça em
certa profundidade os postulados da doutrina, ainda que não seja espírita
praticante. É que nesse trabalho estamos manipulando os mecanismos do Espírito
encarnado; e quem poderia conhecê-los melhor do que o estudioso do Espiritismo?
Isso não quer dizer que a pesquisa tenha de ser feita necessariamente por
espíritas, como "donos" do assunto. Não importam as crenças ou
descrenças de quem a faz: encontrará sempre os mesmos resultados, as mesmas
realidades, ou seja, a sobrevivência, a reencarnação e os dispositivos da lei
de causa e efeito, atuando implacavelmente sobre o ser, na sua caminhada evolutiva.
Se o pesquisador aceita essas realidades, tanto melhor; se não as aceita, que
importa? Deixará de ser um fato a reencarnação ou a sobrevivência somente
porque este ou aquele pesquisador não acredita nelas? Algum materialista ou
ateu deixou de sobreviver à morte física por causa de suas descrenças? Jamais.
Na verdade, o que acontece é o terrível impacto de uma incômoda realidade
"post-mortem", que derruba dos seus pedestais todos esses ídolos ocos
e vaidosos. É o que testemunhamos inúmeras vezes nas nossas sessões mediúnicas
e é o que verão todos aqueles que desejarem ver. Os fatos estão aí mesmo, à
disposição de todos. A única diferença é que nem todos têm "olhos de ver".
Pelo menos, não vêem senão aquilo que
querem ver, o que é a mesma coisa. Estamos, pois, à espera de mais
cientistas e pesquisadores espíritas. Deixa falarem que seriam suspeitos.
Que fizeram até hoje os insuspeitos? Ai está o exemplo da
parapsicologia de Rhine, repetindo a metapsíquica de Richet. Amanhã, daqui a 50
anos, virá outro Richet para repetir Rhine, tudo absolutamente insuspeito
porque não eram espíritas... Enquanto isso, os descrentes seguem sua vida
vazia, os desesperançados se desesperam e milhões vivem sem rumo à espera do
recado da ciência que continua a se
monotonamente o mesmo: "Nada encontramos que justifique a crença na
sobrevivência. É uma hipótese simpática e agradável, mas improvada".
Deixemo-los com suas
descrenças e vamos em frente, que o tempo urge.
(A Pesquisa que resultou
neste artigo que foi publicado na revista Reformador de agosto 1972, já virou
um livro maravilhoso que é “Eu sou Camille Desmoulins” editado pela editora
Lachatre. Editora lachatre Eu sou Camille Desmoulins .
O caso que compõe o livro da autoria conjunta
de HCM e de Luciano dos
Anjos, Eu sou Camille
Desmoulins. Nele veremos uma experiência de RMVP onde o co-autor L.A.
reconhece-se como Camille Desmoulins, um dos líderes da revolução francesa.
Nesse processo muitas informações foram registradas em fita K7 no momento do
transe e com um excelente trabalho de pesquisa histórica posterior pode-se
avaliar essas informações. Interessante observar que Luciano dos Anjos, tem
muita simpatia pela França e fala bem o Francês, daí a facilidade para declinar
endereços e frases em francês.
O método de obtenção do
transe foi através do passe magnético com sugestões e foram realizadas cerca de
10 seções com aproximadamente uma hora cada uma.
O sensitivo relata que no
momento do transe ficava "inconsciente" ou seja não tem lembrança do
que se passou. Vejamos o que ele diz com relação às suas sensações durante o
início do processo:
- Fechei os olhos e me
estendi na poltrona, procurando relaxar todos os músculos do corpo. Até as
pálpebras, procurei deixa-las como mortas. Ouvia a voz monótona do Hermínio,
enquanto fixava o interior negro de minha própria visão. Depois de 10 minutos,
comecei a ficar ligeiramente tonto e sentir a total paralisação dos músculos e
tendões. A tonteira foi aumentando e a respiração tornando-se cada vez mais
difícil. Eu ofegava. A cabeça passou a girar cada vez mais rápido. As mãos e os
pés começaram a formigar ligeiramente; e depois, mais e mais. O formigamento
foi subindo e, na medida em que atingia outras partes do corpo, deixava as
anteriores anestesiadas, completamente insensíveis. Minha ausência de controle
psíquico era total... e após isso perdi a consciência.
Passada essa fase de
indução, seguia a conversação buscando extrair as informações. Nas primeiras
seções, apesar do transe profundo os diálogos não foram muito produtivos, isso
talvez pela "falta de prática" do sensitivo.
Exemplo:
- Descreva o que vê.
- Uma sala grande... muitas
janelas... muitas. Passadeiras, quadros.
- Tem mais alguém aí?
- Não. Estou esperando
alguém.
- O que você foi fazer aí?
- Acho que tínhamos um
encontro. Agora já chegou.
- Como é esse amigo?
- É uma mulher.
- Como se chama?
- Therèse. É minha amiga; ou
noiva.. ou irmã...não sei... de um amigo meu.
Após algumas seções os
diálogos mostram-se consistentes e com muitos detalhes pessoais e históricos.
Exemplo:
- Nessa época havia notas,
moedas? Quanto representava?
- Tinha. O
"louis".
- Como se repartia em moedas
de menor valor.
- O "sou".
- Quanto valia um
"sou"?
- Um "louis"
tinha... um "sou" era a quarta parte. Vinte e cinco
"sous" faziam cem
"louis"... Havia notas também. A "livre".
- Quanto custava os seus
jornais? Cada exemplar.
- Ah... Cinco sous.
O que impressiona nesse
caso, além da dramaticidade incorporada ao diálogo, é a grande quantidade de
informações históricas difíceis de serem encontradas. Tendo de ser buscado a comprovação
hora numa obra, ora em outra. E praticamente todas as informações se mostraram
acertadas. A seguir mostro uma relação de informações obtidas nesse estado:
* Nome: Camille, Lucie
Simplice Benoist Camille Desmoulins.
* Ano de nascimento: 1760
* Local de nascimento: Guise
* Onde mora: Paris
* Faculdade: Direito.
* Esposa: Lucile. O nome
verdadeiro, Anne-Louise Philippe Laridon Duplessis, nasceu em 24 de abril de
1771.
* Pai: Jean-Nicolas Benoist
Desmoulins, Advogado, magistrado da corte em Aisne.
* Mâe: Marie Madeleine
Godart.
* Irmãos: Sete. Henriete que
morreu com 9 ou 10 anos, Marie-Toussaint, Armand, Anne, Lazaré, Clemente e
Lucie(eu).
* Sogro: Claude Etienne
Laridon-Duplessis, trabalhava na Fazenda Pública.
* Sogra: Madame Duplessis.
Eu a chamava de Madame Darrone. Darrone é Patroa, é gíria.
* Saída de casa: 13 para 14
anos, queria sair de Aisne.
* Onde estudou: Colégio
Clermont, depois mudou para Louis-le-Grand na Rue Saint Jacques.
* Amigo do tempo do colégio:
Leon... Robespierre, ele foi padrinho de nosso filho, Horace. Ele já estava lá
quando cheguei.
* Livro que leu antes da
guilhotina: Méditation sur le Tombeu, de Jonh Hervey.
* Melhor amigo: Danton,
morava na cour de commerce, número 1.
* Parente:
Fouquier-Tinville, Atuou na revolução. Um crápula. Primo distante.
* Primeiro Trabalho:
Arranjado pelo primo por parte de mãe, Viefville Desessart.
* Primeiro jornal publicado:
Les Révolutions... Custava 5 sous cada e produção saía por 100 sous, 1 louis.
* Salário do tipógrafo: 25 a
30 sous por mês.
* Salário de um advogado: 5
ou 6 mil livres por ano.
Os detalhes das informações
são impressionantes, e o nosso espirito crítico já tende a conjeturar que são
muitos acertos para um só caso, nos levando a supor alguma espécie de fraude
por parte do sensitivo. Talvez ele tivesse estudado tudo isso e conscientemente
tivesse dando somente uma demonstração de seus conhecimentos adquiridos. No
entanto a maioria das informações foram dadas em repostas a perguntas não
previamente fornecidas sem nem sequer o pesquisador saber se existiam em livros
ou não, o que só seria confirmado em pesquisa posterior. Algumas vezes as
perguntas eram preparadas previamente e sem o conhecimento do sensitivo. Uma
certa vez, uma terceira pessoa, Murilo Alvim Pessoa - Professor, formulou uma
pergunta e lacrou em um envelope o qual somente foi aberto no momento que o
Luciano já estava em transe.
Vejamos o diálogo:
- Sobre um jantar de
despedida, já muito na tensão, na expectativa de ser preso... Você teria dito
uma frase, provavelmente não em Francês, e que alguns historiadores
registraram.
(Longos momentos de silêncio
e expectativa. De repente, sua respiração se altera,... o tom de voz se
modifica...)
- Eu sei o que ele quer. Foi
um jantar... em minha casa. Foi antes de eu ser preso. Eu e Danton. Brune
estava presente e queria que eu parasse de publicação do Viex Cordelier.... É
isso que ele quer. É Latin. Foi...
"Edamus et bibamus,
cras enim muriemmur!" ; "Buvons et mangeons, nous mourrions
demain."
- Comamos e bebamos que amanhã
seremos mortos--- digo eu.
Em muitos momentos a seção
passa a ter um caráter coloquial, uma verdadeira conversa entre amigos, onde as
informações vão surgindo naturalmente de acordo com o assunto. Vejamos alguns
trechos:
- Você conheceu o Marat? Era
meio maluco, mas eu gostava dele.
- Era seu amigo?
- Era. Me chamava de filho!
Depois brigamos...
- Ele era bom orador, não
era?
- Marat? Era bom... um pouco
teatral...
- E como escritor?
- Quase igual a Hébert.
Muito violento, Dizia coisas horríveis no jornal dele.
- Como se chamava o jornal
dele?
- L'Ami du Peuple. Depois
apareceram outros. ... Ele estudou medicina.
- Ele exerceu a profissão?
- Exerceu. Fazia umas
experiências, tinha um laboratório.
- Experiências sobre o quê?
- Negócio de
eletricidade...com bichos...Era meio maluco.
- Mas muito inteligente não
é?
- Era... queria entrar para
a academia, com umas teorias...
- Que teorias eram essas?
- Ih! De doenças, de reações
físicas... Não entendo disso. O Condorcet ... era o presidente da academia. Não
aceitou a tese. Ele brigou.
Ele tinha valor. Sofreu
muito. Perseguido, teve de fugir... Era pobre... Ih!
Uma vida agitada...toda
ela...Depois quis orientar os constituintes.
Investiu contra o Lafayete.
Nota: Condorcet, considerado o "último
dos filósofos", seria antes um teórico da Revolução e seu precursor, não
um revolucionário.
Outro trecho:
- As senhoras, como se
vestiam?
Roupas compridas...
Saiões... Muitas anáguas, corpetes.
- O espartilho é dessa
época?
- É. E estolas bonitas,
grandes.
- Lucile gostava de
vestir-se bem, não é?
- Bem... Lucile era muito
bonita! Pequenina, mas bonita. Igual a Mãe. Você sabe duma coisa? Que ridículo!
Você sabe que, no início, eu gostava da mãe dela?
- É? Isso é muito comum, os
adolescentes às vezes se apaixonam por pessoas mais velhas.
- Ela era bonita! Você sabe
que tinha um fulano... era o Hèbert...Hèbert! Chegou a dizer... Madame Darrone
era bonita. Dizia que monsieur Duplessis havia subido na vida à custa dela. Uma
infâmia! Com Terray... Você ouviu falar em Terray? Terray da fazenda pública,
teria dado o cargo a ele, e que Lucile não era filha...
Ora que coisa! Que infâmia!
Que ela era filha bastarda.... Infâmia! Foi o Hèbert... foi ele... inventou
essa história.
Xingava-me, perseguiu-me.
Foi ele...
Nota: Interessantíssimo fragmento
informativo, surgindo assim,espontâneo e incidental, no decorrer de uma
narrativa. Se eu (HCM) ouvira falar de Terray? Jamais! Um dos mais ilustres
desconhecidos para mim, e não foi muito fácil de localizá-lo, até que o achei
em Will Durant... Lá está ele. Foi ainda ao tempo de Luís XV, quando os
ministros duravam somente enquanto conseguiam arranjar dinheiro; situação que
se estendeu até o reinado de Luís XVI. Terray (Joseph-Marie Terray) subiu ao
poder como um dos componentes do triunvirato que substitui a Choiseul
d'Aiguillon, como ministro do exterior. Esse era o homem sobre o qual eu nunca
ouvira falar e, certamente nem o Luciano, no estado de vigília.
A ele é que as más línguas da época atribuíam
o êxito de monsieur Duplessis e a paternidade de Lucile.
A hipótese da criptomnésia
pode ser facilmente descartada, pois não faz sentido imaginar que alguém tenha
estudado tão profundamente uma matéria a ponto de saber as moedas e as
conversões entre elas, e não lembrar-se de ter feito uma profunda pesquisa
histórica sobre o tema, tendo que inclusive ter estudado em 3 ou 4 livros
específicos, incluindo algumas bibliografias sobre aquele personagem.
Nas minhas experimentações
pessoais pelo menos dois sujeitos se mostraram em condições de fornecer dados
próximo ao que foi obtido nesse caso, a diferença fundamental é que essas
personalidades não tinham nenhuma expressividade histórica, não podendo ser
feito uma checagem quanto aos dados pessoais. Além disso não foram testemunhas
de um momento relevante da história, mesmo assim as poucas informações se
mostraram corretas como a relação entre a época e os governantes do país/reino.
Acredito que aumentando o número de sujeitos de vários níveis culturais
encontraremos casos históricos mais significativos.
Uma outra linha de pesquisa
que pretendo seguir, diz respeito a buscar nos diversos sujeitos com quem
trabalhar.
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