Há provas científicas da existência dos Espíritos? Parte IV
por Marcos Villas-Bôas
No texto
anterior, terminamos tratando de Gabriel Delanne e William Crookes. O livro
deste último é emblemático, pois é uma coletânea de artigos que vai
demonstrando, ao longo dos meses, a evolução do pensamento do autor sobre o
tema dos Espíritos. Ele inicia admitindo que não conhece quase nada sobre o
assunto, mas que, por estarem todos interessados, entende ser importante
submetê-los a experimentos científicos cuidadosos:
“Some weeks
ago the fact that I was engaged investigating Spiritualism, so called, was
announced in a contemporary: and in consequence of the many communications I
have since received, I think it desirable to say a little concerning the
investigation which I have commenced. Views or opinions I cannot be said to
possess on a subject which I do not pretend to understand. I consider it the
duty of scientific men who have learnt exact modes of working, to examine
phenomena which attract the attention of the public, in order to confirm their
genuineness, or to explain, if possible, the delusions of the honest and to
expose the tricks of deceivers. But I think it a pitty that any public
announcement of a man’s investigation should be made until he has shown himself
willing to speak out.
A man may be
a true scientific man, and yet agree with Professor De Morgan, when he says –
‘I have both seen and heard, in a manner which would make unbelief impossible,
things called spiritual, which cannot be taken by a rational being to be
capable of explanation by imposture, coincidence, or mistake. So far I feel the
ground firm under me; but when it comes to what is the cause of these
phenomena, I find I cannot adopt any explanation which has yet been
suggested...The physical explanation which I have seen are easy, but miserably
insufficient. The spiritual hypothesis is sufficient, but ponderously
difficult’” (Researches in the Phenomena of Spiritualism, p. 3).
Em tradução
livre para o português, Crookes disse:
“Algumas semanas
atrás, o fato de que eu me engajei no estudo do Espiritualismo, assim chamado,
foi anunciado em um jornal contemporâneo [The Athenaum]: e em consequência às
muitas comunicações que eu tenho recebido desde então, acho que é apropriado
dizer alguma coisa sobre a investigação que comecei. Não se pode dizer que
tenho visões ou opiniões sobre um tema que eu não finjo entender. Eu considero
o dever de homens científicos que aprenderam modos exatos de trabalho examinar
fenômenos que atraem a atenção do público, com o objetivo de confirmar a sua
genuinidade, ou para explicar, se possível, as ilusões dos honestos e expor os
truques dos enganadores. Mas, eu acho uma pena qualquer anúncio público sobre a
investigação de um homem sem que ele tenha se mostrado disposto a falar.
Alguém pode
ser um verdadeiro homem científico e, ainda assim, concordar com o professor De
Morgan quando ele diz: “Eu vi e ouvi, de uma maneira que faria a descrença
impossível, coisas chamadas de espirituais, que não podem ser tomadas por um
ser racional capazes de explicação de impostura, coincidência ou erro. Até
então, eu sinto o chão firme sob mim; mas, quando se trata da causa desses
fenômenos, eu descubro que não posso adotar nenhuma explicação que já foi
sugerida...As explicações físicas que eu vi são fáceis, mas miseravelmente
insuficientes. A hipótese espiritual é suficiente, mas ponderadamente difícil”
(Pesquisas nos Fenômenos do Espiritualismo, p. 3).
Com postura
típica do gênio que era, Crookes se deixa aberto a estudar o que se chama à
época dele de Espiritualismo e verificar se, de fato, eram os Espíritos que
estavam ajudando a promover aqueles acontecimentos estranhíssimos e
inexplicáveis pelas leis conhecidas da Física até então. Em trecho posterior,
ele afirma serem necessárias, para concluir pela existência de algo
“espiritual”, a “exatidão da observação” e uma prova cabal, convincente:
“My whole
scientific education has been one long lesson in exactness of observation, and
I wish it to be distinctly understood that this firm conviction is the result
of the most careful investigation. But I cannot, at present, hazard even the
most vague hypothesis as to the cause of the phenomena. Hitherto I have seen
nothing to convince me of the truth of the ‘spiritual’ theory. In such an
inquiry the intellect demands that the spiritual proof must be absolutely
incapable of being explained away; it must be so strikingly and convincingly
true that we cannot, dare not deny it.
Faraday
says: ‘Before we proceed to consider any question involving physical
principles, we should set out with clear ideas of the naturally possible and
impossible’. But this appears like reasoning in a circle: we are to investigate
nothing till we know it to be possible, whilst we cannot say what is impossible,
outside pure mathematics, till we know everything” (Researches in the Phenomena
of Spiritualism, p. 4).
Em tradução
livre:
“Toda a
minha educação científica tem sido uma longa lição em exatidão da observação e
eu desejo que seja nitidamente entendido que essa firme convicção é resultado
da mais cuidadosa investigação. Mas, eu não posso, no momento, arriscar até a
mais vaga hipótese relativa à causa dos fenômenos. Até aqui, eu não vi nada que
me convença da verdade da teoria ‘espiritual’. Numa questão como essa, o
intelecto demanda que a prova espiritual deva ser absolutamente incapaz de ser
afastada; ela deve ser tão contundentemente e convincentemente verdadeira que
nós não possamos nos atrever a negá-la.
Faraday diz:
‘Antes de procedermos a considerar qualquer questão envolvendo princípios
físicos, nós deveríamos fixar ideias claras sobre o possível e o impossível’.
Mas, isso parece argumentar em círculos: nós não iremos investigar nada até
saber que é possível, enquanto que nós não podemos dizer o que é impossível,
fora da matemática pura, até que nós conheçamos tudo” (Pesquisas nos Fenômenos
do Espiritualismo, p. 4).
Como um
excelente cientista que era, Crookes demonstra postura bem cética em relação a
Espíritos estarem por trás dos fenômenos, porém não se fecha para a
possibilidade, percebendo que, se quisermos aprender mais, precisamos
compreender primeiro que não sabemos de quase nada, que o nosso campo do
“possível” hoje ainda é muito limitado e que só descobriremos que o
supostamente impossível é possível quando pesquisarmos sobre ele com cuidado.
Todo o
primeiro capítulo do livro de Crookes corresponde a um primeiro artigo que ele
publicou sobre o tema, como visto, por conta de um periódico ter exposto o fato
de que ele estaria investigando sobre o Espiritualismo, o que era – e ainda é,
em regra – muito mal visto no meio científico. Mesmo que hoje ainda exista
muito preconceito, naquela época o tema era incipiente e havia bem menos
estudiosos interessados nele.
Como muitos
outros cientistas sérios da época, a novidade dos fenômenos espirituais parecia
algo muito espetaculoso a Crookes e a falta de maior postura crítico-científica
dos espíritas o incomodava. Ele faz a seguinte crítica:
“The
pseudo-scientific spiritualist professes to know everything: no calculations
trouble his serenity, no hard experiments, no long laborious readings; no weary
attempts to make clear in words that which has rejoiced the heart and elevated
the mind.
[...] The
spiritualist tells of flowers with the fresh dew on them, of fruit, and living
objects being carried through closed windows, and even solid brick-walls. The
scientific investigator naturally asks that an additional weight (if it be
only the 1000th part of a grain) be deposited on one pan of
his balance when the case is locked. And the chemist asks for the 1000th of a
grain of arsenic to be carried through the sides of a glass tube in which pure
water is hermetically sealed.
The
spiritualist tells of manifestations of power, which would be equivalente to
many thousands of ‘foot-pounds’, taking place without known agency. The man of
science, believing firmly in the conversation of force, and that it is never
produced without a corresponding exhaustion of something to replace it, asks
for some exhibitions of power to be manifested in his laboratory, where he can
weigh, measure, and submit it to proper tests” (Researches in the Phenomena of
Spiritualism, p. 6-7).
Em tradução
livre:
“O
espiritualista pseudocientífico professa saber de tudo: nenhum cálculo perturba
sua serenidade, nenhum experimento difícil, sem longas leituras laboriosas; sem
cansativas tentativas de deixar claro em palavras que regozijem o coração e
elevem a mente.
[...] Os
espiritualistas falam de flores com o orvalho fresco sobre eles, de frutas e
objetos vivos sendo carregados por janelas fechadas e até por paredes sólidas.
O investigador científico naturalmente pede que um peso adicional (mesmo que
seja a milésima parte de um grão) seja depositado num prato da sua balança
quando a caixa estiver fechada. E o químico pede que o milésimo grão de
arsênico seja carregado pelos lados de um tubo de vidro no qual água pura está
hermeticamente selada.
Os
espiritualistas falam de manifestações de poder que seriam equivalentes a
muitos milhares de “libras” acontecendo sem agência conhecida. O homem da
ciência, acreditando firmemente na conservação da força, e que ela nunca é
produzida sem uma correspondente exaustão de algo para substituí-la, pede que
algumas exibições de poder sejam manifestadas em seu laboratório, onde ele pode
pesar, medir e submetê-la a testes próprios” (Pesquisas nos Fenômenos do
Espiritualismo, p. 6-7).
Crookes
revelou uma postura de cético, crítico e iniciante na matéria. Colocava no seu
pensamento a sua experiência de cientista natural, provavelmente não conhecia a
fundo as pesquisas de Kardec e claramente não considerava científico outro
método, senão o materialista, ou seja, o de pesar, medir e movimentar objetos
dentro de um laboratório físico-químico.
Como Kardec,
apesar de ter se graduado em Ciências e Letras, e feito doutorado em Medicina,
tinha uma perspectiva mais pautada em Letras, Educação, Pedagogia, Metodologia
e Filosofia, seus métodos não agradavam, em regra, os físicos e químicos da
época, que apenas consideravam ciência aquilo que saía de dentro dos
laboratórios com tubos de ensaio e balanças.
Essa visão
materialista, para a época, era ainda perfeitamente compreensível; no entanto,
nos dias atuais, mostra profunda ignorância científica, pois a diversificação
das ciências e o avanço nos estudos de Metodologia e Epistemologia mostraram
que há muitos variados métodos científicos e formas de conhecimento aceitas
pela ciência.
Neste texto,
não haverá espaço para aprofundar na incrível evolução das investigações de
Crookes, que mereciam ser retratadas em um filme, mas, no próximo, trataremos
delas com detalhes. De um dos cientistas mais respeitados do mundo à época, de
um gênio descobridor, ele passou a ser motivo de chacota simplesmente porque
expôs fenômenos reais, físicos, porém desconhecidos e temidos pela maioria dos
cientistas.
O seu livro
conta pequenos detalhes dos múltiplos experimentos que realizou, trazendo,
dentre outras informações, desenhos e relatos de testemunhas. Chegaremos lá.
Por enquanto, fiquemos com o seguinte relato:
“Among the
remarkable phenomena which occur under Mr. Home’s influence, the most striking,
as well as the most easily tested with scientific accuracy, are - (1) the
alteration in the weight of bodies, and (2) the playing of tunes upon musical
instruments (generally an accordion, for convenience of portability) without
direct human intervention, under conditions rendering contact or connection
with the keys impossible. Not until I had witnessed these facts some half-dozen
times, and scrutinized them with all the critical acumen I possess, did I
become convinced of their objective reality. Still, desiring to place the
matter beyond the shaddow of doubt, I invited Mr. Home on several ocasions to
come to my own house, where, in the presence of a few scientific enquirers,
these phenomena could be submitted to crucial experiments.
[...] I
confess I am surprised and pained at the timidity or apathy shown by scientific
men in reference to this subject [...], but I soon found that to obtain a
scientific committe for the investigation of this class of facts was out of
question, and that I must be content to rely on my own endeavours, aided by the
co-operation from time to time of a few scientific and learned friends who were
willing to join in the inquiry.
Em tradução
livre:
“Dentre os
fenômenos marcantes que ocorrem sob a influência do Sr. Home, os mais
arrebatadores, como também os mais facilmente testados cientificamente com
precisão, são: (1) a alteração no peso de corpos e (2) tocar notas em
instrumentos musicais (geralmente um acordeon, por conveniência de
portabilidade) sem intervenção humana direta, sob condições que tornam
impossível o contato ou a conexão com as notas. Não antes de testemunhar esses
fatos ao menos meia dúzia de vezes e de os ter escrutinizado com toda a
perspicácia que eu possuo, eu fiquei convencido da sua realidade objetiva.
Ainda, desejando colocar o assunto fora de dúvida, eu convidei o Sr. Home em
várias ocasiões para vir a minha casa, onde, na presença de alguns
investigadores científicos, esses fenômenos poderiam ser submetidos a
experimentos cruciais.
[...] Eu
confesso que estou surpreso e dolorido pela timidez e apatia mostrada pelos
homens científicos em referência ao assunto [...], mas eu logo descobri que
obter um comitê científico para a investigação dessa classe de fatos estava
fora de questão e que eu devo estar contente de contar com os meus próprios
esforços, adicionados pela cooperação, de tempo em tempo, de alguns amigos
científicos e preparados que estavam dispostos a se juntar à pesquisa”.
A leitura
dos artigos de Crookes revelam um cientista crítico, cético, perspicaz, que
envidou seus esforços para realizar experimentos repetidos sobre os fenômenos e
que, somente a partir daí, passou a acreditar neles.
Alguns leitores
do blog perguntavam porque os Espíritos apenas levantavam mesas, e não tocavam
instrumentos, por exemplo. Bom, está aí a resposta: eles tocam instrumentos e
podem fazer mais uma porção de coisas, que ficaram comprovadas na investigação
de Crookes.
Se não houve
larga repetição dos experimentos, apesar de que, como visto e como veremos,
testes semelhantes foram feitos por Flammarion, Richet, Delanne e outros, é
porque muitos cientistas não se interessam pelo tema. Alguns têm medo; outros
acham preconcebidamente tudo fantasioso demais, mesmo antes de investigarem;
muitos têm receio de “sujar” sua carreira científica e apenas estão preocupados
com pesquisas que lhes darão retorno financeiro em curto a médio prazo; etc.
Como temos
dito aqui, a existência de Espíritos está cientificamente comprovada há mais de
100 anos, porém, certamente, com o enorme avanço tecnológico das últimas
décadas, ficará ainda mais fácil realizar essa comprovação nos próximos anos.
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