quinta-feira, 15 de junho de 2017

Luiza


Luiza




Esta é uma história verídica. Conheci Luiza no “Talavera Bruce”, um dos estabelecimentos penais para ré educandas do Rio de Janeiro. Íamos em grupos nos diversos pavilhões cumprir nossa tarefa de levar o conhecimento do Evangelho às detentas. Três pessoas em cada setor, porque elas têm necessidade de falar e gostam de falar e serem ouvidas; uma forma de desabafar o sofrimento.
 Luiza se destacava. Gritava, gritava para todos que era inocente, que não matara Rosinha.
“Imagine, logo a Rosinha que era meu anjo pequenino!” E, dirigindo-se ao nosso grupo, mãos postas para o Céu, exclamava:
- “Fala, Rosinha, eu te matei? Se o Espírito não morre, se nós voltamos, como dizem os espíritas, fala para eles, Rosinha, que eu não te matei! Você sabe que não, Rosinha!”  
E chorava, chorava horas seguidas sem parar.
 Sua história é uma história de amor. Luiza vivia só, com pequena pensão deixada pelo seu pai. Não pensou em se casar. Um dia achou que poderia criar uma criança pobre. E encontrou uma cheia de feridas, pele e osso, às portas da morte, parecendo uma boneca de lixo...
Apanhou-a, tratou-a, deu-lhe tudo de bom: alimentação, tratamento médico, educação, religião também. Considerava-se a mais feliz das criaturas. Tudo dando certo. Na escola, Rosinha fez o primário, dando à Luiza o orgulho de qualquer mãe.
 Mas... Quando Rosinha foi para o ginásio, a convivência com outras meninas que não tiveram educação tão primorosa, ela alterou o caráter e começou a imitar os maus comportamentos. É a fase da imitação que ocorre com muitos colegiais. Pena é que quase sempre, no mau sentido...
 Luiza notou e iniciou a fase de conselhos, mostrando os erros e observando que iriam prejudicar a menina mais tarde. Rosinha se modificava dia a dia. Parecia outra. Chegava em casa tarde. “Estava com a turma!”
 Uma noite, Rosinha não voltou para casa. Pela manhã, olhos inchados de tanto chorar, Luiza olhou tristemente a cama vazia. Abriu a porta da rua e deparou com o corpo de Rosinha, morta na varanda. Foi incriminada. E condenada.
Por isso Luiza na cadeia era uma desesperada. Gritava inocência. Eram tão insuportáveis os seus gritos que chegou a ser internada na “cela surda”, onde sofria horrivelmente.
 Nunca mais vi Luiza. Passaram-se cinco anos. Um dia, meu marido e eu estávamos veraneando numa praia das baixada Santista, quando de repente, vi uma moça sentada na areia que se parecia com Luiza. Aproximei-me. Reconheci-a. Ela também me reconheceu. E exultou de alegria. “Que bom vê-la de novo!” – Disse.
- Conte-me, Luiza, como foi a sua vida, com tanto sofrimento?
 - “estou feliz! Aquela casa ali é nossa. Depois iremos lá.”
- “Nossa... De quem, Luiza?”
-“Meu marido e eu e aquelas três menininhas que estão brincando na areia. Elas têm dois, três e cinco anos.
Nós as adotamos. Estavam num casebre; os pais morreram numa enchente...”
 Fiquei perplexa. Depois de sofrer tanto por ter adotado uma menina, agora adotara mais três. Luiza acrescentou:
 “Lá na prisão, conheci um advogado solteirão, cansado de farras. Só pensava em largar tudo para descansar.
Casamos, somos felizes e adotamos aquelas três.
 E Luiza recordou os encontros da Instituição Espírita Cooperadoras do Bem Amélia Boudet. “As aulas de Espiritismo mostraram novos caminhos para minha vida. Foi só segui-los”. Disse ainda que, era a “cabeça dos motins” na penitenciaria. Depois, era a que impedia as reeducadas de promoverem arruaça.
 Claro que os nomes dos personagens desta história são fictícios. Mas os fatos são verdadeiros. São resultantes da ação abnegada dos expositores da Doutrina Espírita com o amparo, sempre generoso, da Espiritualidade.

Idalina A. Mattos ( Extraído do SEI – 1078/1988)

Fonte: Jornal A caridade de Junho de 1996
Imagem: Marco A. C. Neves




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