A caridade sob o olhar dos Espíritos
por Marcos Villas-Bôas
disse, numa nota publicada ao final do item XXVIII das mensagens dos Espíritos
publicadas ao final de O Livro dos Médiuns, na página 564, no caso da versão
utilizada pelo autor, que:
“A melhor
garantia de que um princípio é a expressão da verdade se encontra em ser
ensinado e revelado por diferentes Espíritos, com o concurso de médiuns
diversos, desconhecidos uns dos outros e em lugares vários, e em ser, ao
demais, confirmado pela razão e sancionado pela adesão do maior número”.
Com
brilhante mente filosófico-científica, que, segundo alguns Espíritos contam,
chegou a visitar o Planeta Júpiter em sua preparação antes de encarnar, havendo
mantido contato com a civilização de intelectualidade e ciência mais
desenolvida em todo o nosso Sistema Solar, Kardec sabia do risco de os
Espíritos estarem errados, propositalmente ou não, e de o médium interferir na
mensagem, propositalmente ou não. Assim, para ele, apenas com respostas
repetidas num mesmo sentido, via diferentes médiuns, que não se conhecessem
entre si, poder-se-ia ter maior confiança na veracidade delas.
O que Kardec
parecia saber, mas que não guiava claramente o seu pensamento, era o fato de
que cada perspectiva é uma verdade subjetiva, relativa, ou, em outras palavras,
que não existe uma única verdade, mas diversos pontos de vista sobre ela.
Kardec viveu
no centro do Iluminismo, da busca pela verdade por meio da razão e da lógica
formal. É sempre bom ter isso em mente, lembrando que, apesar de brilhante, o
codificador do Espiritismo era ser humano, falho como todos eles, o que ele
mesmo admitia, e submetido ao contexto da sua época. Deste modo, é natural que
o seu pensamento precise ser complementado, atualizado e até corrigido, e ele
mesmo admitia isso.
O programa
Diálogos com os Espíritos, produzido por Jefferson Viscardi, cujos vídeos
publicados no Youtube já chegam a 666, fornece essa possibilidade de estudo
defendida e empregada por Kardec, com apenas alguns cliques e algum tempo
disponível. Muitos espiritualistas ainda não se deram conta da importância
desse trabalho e do potencial de conhecimento que há ali para o progresso de
cada ser.
Citemos,
para efeito de compreender como os Diálogos com os Espíritos podem nos ajudar,
um exemplo de tema importantíssimo nas religiões, filosofias espiritualistas e
na própria vida humana, que é, como muitos outros, ainda pouco compreendido: a
caridade. Quando se fala nessa palavra, pensa-se logo em dar esmolas a alguém,
em prestar alguma ajuda, mas essa é apenas uma residual manifestação de caridade,
e isso só quando feita com real espírito de caridade.
Diversos
diálogos realizados por Jefferson, com diferentes Espíritos, por meio de
médiuns distintos e que não se conhecem, revelam que, na visão da
Espiritualidade mais evoluída, a caridade é um estado de emanação ou vibração
de energia positiva, e não a limitada prestação de ajuda propriamente dita.
Sobre essa
concepção de caridade, dentre vários outros, vale a pena assistir ao diálogo
gravado com um dos Espíritos da falange umbandista de pretos velhos intitulada
“José da Caridade”, quem afirmou ter nascido em Itabuna, na Bahia, em sua
última encarnação, quando se chamava Antônio:
Importante
aqui abrir parênteses para esclarecer algo que pode ajudar as pessoas a se
destituírem de preconceitos. O Espírito em questão lembra que entre os pretos
velhos, assim como entre os caboclos, não necessariamente os Espíritos que
fazem parte das falanges foram pretos ou chegaram a ser velhos na última
encarnação. Trata-se apenas de um arquétipo criado para realizar o trabalho
dentro da Umbanda.
As lendas
contadas sobre as entidades são parte do lado místico da Umbanda, que tantas
pessoas atrai, mas é preciso ter clareza que as entidades não poderiam se
manifestar por incorporação pelo país todo, muitas vezes ao mesmo tempo, se
fossem apenas um único Espírito. É possível até irradiar para diferentes seres
e ter ubiquidade, mas, para incorporar, é preciso ter contato presencial de
perispírito com perispírito, como explicam alguns dos Diálogos com os
Espíritos.
Cada
entidade é um arquétipo, com um nome, que define uma enorme falange de
Espíritos, conforme explica o Espírito que se autodenomina no plano astral Mago
Cryptrus, mas que atua como um componente da falange Zé Pelintra: No vídeo, Cryptrus explica que
somente a equipe dele de Zé Pelintra tem cerca de quatrocentos Espíritos, mas
que a falange total é muito maior, o que indica ser composta por milhares de
Espíritos. Ele explica, inclusive, como eles atuam juntos em trabalhos em todos
os locais do planeta, e não apenas no Brasil. Sobre a caridade, Cryptrus tem
uma posição muito semelhante à de José da Caridade. Recomendamos fortemente
conferir os vídeos com cuidado.
Para esses
Espíritos sábios, praticar a caridade é deixar que a essência divina dentro de
cada um emane com mais força, vibrando em amor incondicional. Isso não quer
dizer que, para ser caridoso, é preciso ser Jesus ou Buda, pois há diversos
graus de caridade. No entanto, é bom compreender que ela é algo feito a cada
milésimo de segundo, mesmo que apenas por ser e vibrar energia positiva para o
mundo de modo a melhorar o estado dele.
Aquele que
realiza, por exemplo, trabalhos de prestação caritativa, mas tem pensamentos
ruins na maior parte do tempo estará lançando, na maior parte do tempo, sobre o
planeta e os seres nele viventes vibração negativa. A caridade é, portanto,
mais profunda do que se pensa e tem a ver com o controle do ego, com o
despertamento da consciência, com a “desmaterialização do indivíduo”, que passa
a vibrar mais amor, um sentimento não necessariamente direcionado a uma pessoa.
O
Espiritismo repete muito a importância da caridade para o progresso moral do
indivíduo, mas, como tudo, as mensagens espíritas estão sujeitas a
interpretações e, além disso, o seu conteúdo decorre do contexto da época e
fins que estavam por detrás da sua veiculação.
A
codificação Espírita veio com ensinamentos iniciais, básicos, sobre a
Espiritualidade. Ela não podia explicar todas as coisas do cosmo, sob todas as
perspectivas existentes, até porque muito não seria compreendido àquela época
ou mesmo hoje, sem que houvesse informações complementares disponíveis.
No que toca
à moral, o Espiritismo se focou muito em destacar a sua importância, em
relembrar os ensinamentos de Jesus, pregando o amor, a fraternidade, a
humildade, a caridade e assim por diante. A questão é que, no nosso mental
humano ainda pouco desenvolvido, a caridade foi e ainda é frequentemente vista
como uma tábua de salvação, concepção que decorre do raciocínio causal linear
predominante na Humanidade.
Muitos
interpretaram que, fazendo alguns trabalhos prestativos ao próximo, estariam
automaticamente alçados moralmente e mais próximos de chegaram ao Céu, de se
tornarem santos, o que não necessariamente é verdade. Alguém pode realizar
trabalhos desse tipo e, mesmo assim, assassinar uma pessoa passionalmente por
traição e depois se suicidar. Será que esse indivíduo, ainda assim, iria para
um lugar bom após o desencarne?
Isso não
quer dizer que o que fez para o próximo, de coração, sem buscar reconhecimento,
não conte em seu favor e não tenha lhe ajudado a progredir em alguma medida.
Utilizamos
esse exemplo drástico para deixar claro o queremos dizer, mas é possível citar
outros infinitos exemplos que acontecem todos os dias. O primeiro passo para
tratar desse tema é ser caridoso, ou seja, é não assumir a posição de
julgamento. Quantos humanos bons já não cometeram atos violentos em outras
vidas, ou até mesmo nesta, por ciúmes ou por ser traído?
Mesmo
indivíduos tidos por predominantemente bons estão sujeitos a isso se forem
apegados demais ao parceiro e se forem ou estiverem desequilibrados
emocionalmente. Todo tipo de situação é passível de acontecer. Os humanos
encarnados na Terra, mesmo missionários muito evoluídos, têm dentro de si
trevas e luz, salvo a existência de algum anjo encarnado, Espírito perfeito,
que desconheçamos.
Sobre esse
ponto, é preciso assistir a vários Diálogos com os Espíritos, como aquele com
um dos exus Guardião da Meia Noite, que explica não haver linearidade, como indica
O Livro dos Espíritos, no progresso. Da interpretação mais óbvia e
corriqueiramente realizada do livro, depreende-se que os Espíritos vão
evoluindo e subindo naquela escala de Espíritos inferiores, superiores e
perfeitos, não havendo como cair, mas não é assim:
sse exu
explica que, quanto mais nas trevas está o Espírito, mais aptidão para luz ele
tem. Isso se dá provavelmente porque os Espíritos mais trevosos são os que têm
mais experiência, mais poder sobre os demais, mais conhecimento sobre manipulação
de energias etc. Um grande líder de uma facção criminosa encarnada seria, por
exemplo, provavelmente um grande empresário da caridade, pois muitas das
qualidades necessárias a se chegar ao topo de liderança e obter sucesso num
complexo empreendimento do mal são semelhantes às requeridas para se fazer o
mesmo no bem.
Do mesmo
modo, um Espírito muito evoluído, como um anjo, que decide se revoltar contra a
Lei Divina, contra o governo de Jesus, termina tendo uma queda gigantesca e
tende a partir da sétima e última dimensão (ou densidade) de luz para a sétima
e última dimensão das trevas, como é o caso do conhecido maioral de lá.
Os Diálogos
com os Espíritos mostram, portanto, que o mundo espiritual é infinitamente mais
complexo do que se pode depreender da excelente codificação de Kardec, o que em
nada lhe diminui quando se entende que algo infinitamente complexo não pode ser
explicado em alguns livros, muito menos o poderia no século XIX ou mesmo com os
livros de Chico Xavier publicados no século XX, antes que houvesse alguns
avanços científicos, filosóficos, tecnológicos e nos contatos com os Espíritos.
O processo
de compreensão mais ampla do cosmo, passando pelo entendimento de como funciona
o plano espiritual, as relações entre os Espíritos, seu progresso ou queda
etc., é longo, contínuo e progressivo. É necessário muito estudo para que não
se caia em erros que podem confundir bastante a consciência e empurrar as
pessoas a comportamentos contrários ao seu progresso moral sob a crença de
estarem por meio deles progredindo.
A caridade
exige um estado de paz de espírito, amor incondicional para consigo
primeiramente, algo necessário para adquirir esse estado, e, ao mesmo tempo,
tão importante quanto, amor para com o próximo na mesma medida do amor para
consigo.
A caridade
pode ser feita por um olhar, por pequenos gestos, por palavras simples, pelo
silêncio ao não julgar. Ela é muito mais ampla do que a prestação de ajuda,
como esmolas. Está muito relacionada ao autoconhecimento e ao conhecimento dos
outros, com grande compreensão e indulgência para com os próprios defeitos e
com aqueles dos outros.
Nessa linha,
uma das maiores caridades é ajudar o outro a conquistar esse estado de espírito
de caridade e amor incondicional, é ajudar na transformação do Espírito, não
apenas amenizando a dor de alguém.
Não adianta
prestar ajuda se a própria pessoa caridosa não se ajuda primeiro, mas não se
pode esperar ser santo para começar a ajudar. Mais uma vez, é preciso fugir ao
raciocínio linear e perceber que a evolução para consigo e para com o próximo
devem ser realizadas ao mesmo tempo, mas compreender isso leva à conclusão de
que é preciso dedicar tempo aos dois, procurando sempre se melhorar e melhorar
a situação daqueles a nossa volta, sobretudo dos que mais necessitam.
Com a
quantidade de informações hoje disponíveis, de locais de prestação de ajuda ao
próximo e de técnicas para nos melhorarmos e melhorarmos a situação do próximo,
apenas não realiza esse trabalho quem não entendeu ainda a sua importância ou
quem não quer, o que se deve respeitar.
Para
finalizar, segue mais um diálogo brilhante, no qual o mesmo Zé Pelintra
referido acima, chamado também de Mago Cryptrus, explica que o ser humano deve
buscar a paz de Espírito própria e deixar o outro com a paz dele. Ele diz que
não é religioso, que é espiritualizado, mas que existem Espíritos até
superiores a ele que têm uma visão mais religiosa das coisas e que ele
obviamente não critica isso:
Na mesma
linha do outro vídeo citado, Cryptrus diz que o “homem de boa vontade” é aquele
que busca a sua própria paz interior sem precisar corromper a paz alheia. Mas,
isso significaria que ninguém deve criticar outras pessoas ou suas ideias? Esse
tema, igualmente complexo e inter-relacionado com a caridade, será objeto de
texto futuro.
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