Ódio, Intolerância e Racismo
Vivemos um
dos momentos mais conturbados da história da humanidade. Um período parecido
com o que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, em que nacionalismos e
separatismos, bem como conflitos que opunham etnias e religiões, mascaravam as
verdadeiras razões políticas e econômicas subjacentes àquela época -como a
crise da Bolsa de Valores, de 1929, e a Grande Depressão. Cenários como esses
propiciam e potencializam sentimentos de xenofobia, ódio, intolerância e
racismo.
No âmbito
internacional, as diferenças religiosas têm exacerbado o preconceito em relação
aos muçulmanos, induzindo-se a crer que todo o adepto da religião islâmica tem
a responsabilidade por ataques terroristas causados por uma minoria radical sem
nenhum princípio ético e humanitário, base fundamental de qualquer doutrina
religiosa. Exemplo recente é a intensificação do conflito das duas potências
petrolíferas no Oriente Médio -Irã e Arábia Saudita- tencionando ainda mais uma
região marcada por confrontos de origem religiosa.
A
intolerância religiosa e o racismo motivaram e foram pano de fundo para quase
todos os conflitos armados que ocorreram no século 20. A morte de mais de seis
milhões de judeus, no período sinistro e obscuro da ascensão do nazismo, que
perdurou por mais de uma década na Alemanha, é um exemplo claro desse fenômeno.
Historicamente,
o Brasil não ficou ao largo desse processo de radicalização e intolerância
religiosa. No momento em que o fascismo aterrorizava a Europa, movimentos como
o integralismo, que pregava o racismo, ganhava força entre nós. É só lembrar
que o candomblé e até mesmo a capoeira, com seus batuques e cantigas, eram proibidos
no Brasil até meados do século 20.
Nosso país é
dos locais que apresentam a maior diversidade de credos do mundo. Abriga
diferentes comunidades religiosas e culturais e é considerado a maior nação
espírita e católica do planeta, com a presença de diversas instituições
ecumênicas. Aparentemente “pacífico”, o Brasil é constitucionalmente laico, sem
religião oficial, o que garante a seus cidadãos a liberdade de crença e de
expressão.
Ao mesmo
tempo, é possível afirmar, contraditoriamente, que, com o aumento da
diversidade religiosa, aqui verifica-se o agravamento da intolerância e do
racismo. O problema se revela frequente, com relatos de destruição de imagens
de orixás, símbolos do candomblé ou de imagens de santos católicos.
Trajar
roupas brancas como nos rituais ancestrais às sextas-feiras, como símbolo de
quem cultua religião de matriz africana, é visto hoje em certos ambientes em
nosso território como uma ofensa. Alguns programas de televisão tratam
abertamente as religiões de matriz africana como seitas satânicas do mal.
Também têm
sido cada vez mais frequentes os casos de queima de terreiros de candomblé e os
relatos de mães de santo que sofrem pequenos atentados a seus seguidores, como
o esvaziamento dos pneus de carros estacionados nas proximidades de seus
terreiros. É comum, igualmente, a depredação de capelas católicas, sobretudo as
localizadas em áreas isoladas, à beira das estradas. No entanto, há pouca
reação contra esse tipo de atentado e discriminação.
Nos últimos
meses, a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo
(SMPIR) registrou aumento significativo do volume de denúncias de atos de
intolerância contra crenças de matriz africana, sendo superado apenas pelos
registros de práticas de discriminação em escolas. Pior ainda quando as duas
coisas vêm juntas: crianças são discriminadas no ambiente escolar pelas suas
vestimentas ou religiões (candomblé, islamismo ou judaísmo). Muitos casos nem
sequer chegam ao conhecimento do poder público.
A
intolerância religiosa é um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade
humana. E o país, que abriga uma das maiores diversidades religiosa do mundo,
tem a obrigação de ser verdadeiramente um exemplo de paz nessa questão.
Maurício
Pestana, 51 anos, é secretário municipal da Igualdade Racial de São Paulo,
jornalista e publicitário
Imagem: Marco A. C.
Neves
Nenhum comentário:
Postar um comentário