Espiritismo é progressista, mas no Brasil espíritas são
conservadores
O
espiritismo no Brasil é conservador? O que ele fala sobre sexualidade,
problemas sociais, política, racismo, entre outros temas? Para Raphael Faé, 34
anos, editor do Jornal Crítica Espírita, o pensamento e as atitudes do
movimento espírita brasileiro não se coadunam com a essência libertária da
doutrina codificada no século 19. Ele foi o entrevistado da edição #33, do
Interdependente - música e conhecimento, veiculada no dia 3 de março, na
Universitária FM do Recife, e aqui, neste site. Além da conversa, durante o
programa foram tocadas músicas do Grupo Bem, Criolo, Lynyrd Skynyrd e Phillip
Glass.
Em 2013, Faé
e seu amigo de infância Felipe Sellin criaram o Grupo de Estudos Espíritas
Universitário e se reuniam, quinzenalmente, na Universidade Federal do Espírito
Santo. "A gente tinha a necessidade de fazer um espiritismo que dialogasse
com o mundo, de modo geral, com os temas da sociedade, com as correntes
filosóficas, e científicas atuais. Algo que saísse do “espíritas falando para
espíritas sobre o espiritismo'", recorda.
Mais:
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reagem a declarações do médium Divaldo Franco sobre estudos de gênero, Sérgio
Moro e outros temas
Com o
intuito de levar ao público o que era debatido nos encontros, reuniram os
artigos em um jornal e, em janeiro de 2015, a primeira edição do Crítica
Espírita foi publicada. O conteúdo vem de colaboradores convidados ou
voluntários e pode ser acessado no site
https://jornalcriticaespirita.wordpress.com/ . A diversidade de opiniões e de visões são
sempre bem-vindas no veículo, contanto que regras básicas de civilidade sejam
respeitadas.
Sob o
pseudônimo de Allan Kardec, o francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, discípulo
do reformador educacional Pestalozzi, codificou a doutrina espírita.
Influenciado pelo iluminismo, Kardec acolheu o progressismo como um dos pilares
do espiritismo. Tanto no quesito moral quanto no intelectual. A visão
progressista se pauta pela melhoria da condição e dos relacionamentos humanos,
alicerçada por ações econômicas e com apoio da ciência e da tecnologia.
No Brasil,
adeptos do espiritismo têm se pautado pelo conservadorismo, o qual se
caracteriza pela manutenção de padrões e estruturas sociais, tradições e
convenções. Como se explica tal paradoxo? Para Raphael Faé, é preciso
estabelecer a separação entre o espiritismo, enquanto filosofia e doutrina, do
movimento espírita brasileiro - que, nas palavras dele, é em boa parte,
extremamente conservador, quando não, reacionário mesmo. "Ele [o movimento]
flerta com a ditadura, gosta do pobre na pobreza, não quer ver transformações
sociais efetivas", critica.
Faé aponta o
espiritismo brasileiro como fenômeno de classe média, que por sua vez acaba por
projetar seus preconceitos, ódios, questões mal-resolvidas e medos numa
releitura distorcida. "Com isso, o espiritismo deixa então de ser uma
proposta de transformação do mundo, de fim das estruturas injustas da nossa
sociedade, para se tornar muitas vezes no justificador, no ratificador das
misérias do mundo", enfatiza.
Outro
equívoco do movimento no Brasil, observado por Raphel Faé, diz respeito à
crença de que espiritismo e política não dialogam. Utilizando o conceito de
política como organização social, ele afirma que a doutrina é essencialmente
política. "O espiritismo tem a prentensão de nos dar o modelo do que seria
uma sociedade boa, melhor, regenerada. E seu maior projeto político é a
regeneração planetária, é a transformação do planeta de provas e expiações para
um planeta de regeneração. Nesse sentido, espiritismo e política, na verdade,
tem tudo a ver", defende.
Sexualidade
e homossexualidade
De maneira
geral, o espiritismo diz que os espíritos não possuem sexo. Eles podem
reencarnar tanto em corpos femininos quanto em masculinos, o que lhes conferem
experiências e aprendizados em busca de aperfeiçoamento moral e intelectual.
"Agora, com relação à vivência da sexualidade, a espiritualidade, na obra
de Kardec, traz muito pouca informação, na verdade praticamente nada. Deixando
então no plano dos comportamentos em geral. Essa vivência não deve prejudicar
ao próximo, tem que ser justa, amorosa e fraterna, tem que ter conteúdo afetivo,
tem que ser positiva para as pessoas envolvidas nela, trazer crescimento para
as pessoas", discorre Faé.
Autores
espíritas, de acordo com Faé, têm veiculado posições calcadas mais em
preconceitos pessoais do que em embasamento teórico e científico, chegando ao
ponto de dizer que certas vivências sexuais deveriam ser evitadas, em especial
às relacionadas à homossexualidade. Neste caso, a pessoa homossexual deveria se
guiar por uma espécie de castidade, que a levaria a evitar sofrimentos e ser
mais feliz. "Porém, não há nada que corrobore isso dentro do
espiritismo", diz. Em momento algum, segundo ele, obras basilares do
espiritismo tratam do estabelecimento de comportamentos nas práticas sexuais.
"Elas devem ser baseadas no respeito e no amor ao próximo. Ponto. Mais do
que isso é opinião pessoal e invencionice das pessoas".
Para ouvir a
entrevista na integra click no link abaixo:
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