Compaixão e processo econômico:
“O que eu faço com a minha vida?”
Transcrição parcial para que mais pessoas
ouçam a palestra “Conselhos budistas para tempos difíceis”, oferecida por Lama
Padma Samten dia 11 de setembro de 2016 no templo do CEBB Caminho do Meio
(Viamão, RS).
Além do processo econômico
“A compaixão é que sustenta o mundo, não o processo econômico. Nesse
momento estamos nessa bolha: nós acreditamos que o processo econômico é a base
do mundo, mas não é. A base do mundo é nossa capacidade de nos interessarmos
uns pelos outros. Isso é o que faz as coisas se ampliarem e melhorarem, isso é
o que sustenta as coisas. Sua Santidade o Dalai Lama diz que cada um de nós foi
sustentado sem nenhuma expectativa de retorno. Nós fomos cuidados, isso não é
uma atividade econômica. Quando as coisas afundam, surgem catástrofes e grandes
dificuldades, como é que resolvemos? Surgem muitos voluntários, as pessoas se
autoorganizam e fazem tudo melhorar. Isso é o que sustenta o funcionamento do
mundo.
Quando os pais e mães não conseguem cuidar de seus filhos, aparece alguém
para cuidar. Quando não aparece, surgem obstáculos — e esse é um outro ponto
muito importante. Por exemplo, agora nós estamos vivendo o que eu considero uma
incompreensão toda essa violência urbana que estamos vivendo. Pensamos que são
as pessoas, continuamos com a visão de criminalizar um a um. É como se estivéssemos
em uma epidemia, mas tirando cada pessoa doente, sem nos darmos conta de que é
uma epidemia. […]
Nós precisamos de mais antropólogos estudando essas populações: o que
está acontecendo? Por que tantos jovens estão agindo assim? A noção individual
é assim: “Esses jovens não são boas pessoas”. Nós temos o processo econômico,
que nós chamamos do processo normal, e nós temos as pessoas excluídas do
processo econômico. Nós estamos tão presos a essa visão de acreditar que a
única solução é a inserção no processo econômico. Mas o processo econômico,
como ele se estabelece, não tem lugar para todos e nem é feito para isso. […]
Então nós imaginamos que o mundo vai se equilibrar porque pegamos uma
porção de pessoas com visões sectárias que puxam tudo para si. Isso não vai dar
certo. O que é o processo econômico? Um monte de gente puxando tudo para si.
Esse processo não resolve.
Quem estuda a economia do sistema capitalista sabe que existe sempre uma
bolsa grande de seres excluídos do processo econômico. Mas, na forma em que
estamos olhando hoje, os excluídos do processo econômico estão excluídos da
vida, estão excluídos do mundo, eles não tem lugar, porque o mundo se confunde
com o processo econômico. E esse é um problema, porque o mundo é alguma coisa
muito mais ampla do que o processo econômico, mas hoje nós os fundimos. Nós
fomos colonizados pela visão econômica, então essas pessoas não têm lugar. […]
Na medida em que nós vemos uma dificuldade do processo econômico de
absorver as pessoas, os jovens (especialmente a partir da crise de 2008 na
Europa e nos EUA) se sentem excedentes e calculam que talvez nessa vida eles
não venham a trabalhar de modo formal. E aí vem a pergunta: “O que eu faço com
a minha vida?”. Esse é uma boa pergunta. Considero uma pergunta essencial.
A dificuldade que nós estamos vivendo vem pela predominância da visão
econômica como algo que resolve a nossa vida. Ou seja, nossa vida é assim: ter
um emprego, poder comprar as coisas que a gente quer, poder viver mais ou menos
como a gente quer e ter uma visão de futuro para outras coisas que a gente vai
comprar… Isso não é a vida! Mas ela se torna. E então a falência desse processo
vem com esse tipo de crise, com esse conflito. […]
Estamos em um ponto de desatrelar o processo econômico do processo
social, do destino político, da vida da população: o que nós fazemos com as
crianças, como podemos andar? O processo econômico não vai dar conta disso, até
mesmo por razões ambientais. […]
Então as pessoas começam a se organizar. Começam a surgir o movimento das
comunidades, eles se aproximam da natureza, tentam se juntar para gerar outros
objetivos e viver a vida de um outro jeito — processos que não deveríamos ter
abandonado. O processo econômico é um ornamento, uma construção dentro de uma
coisa mais ampla. Mas nós não deveríamos abdicar da nossa vida para isso. Então
imagino que estejamos vivendo nesse tempo. Nosso desafio é esse: como podemos
viver de modo mais amplo?”
Dentro de um grande jardim de mundos
“A nossa vida emocional, de modo geral, está limitada a nossos ganhos e
perdas, na dependência de coisas favoráveis e desfavoráveis que acontecem
dentro de um jogo particular nosso, dentro de um tabuleiro particular. Essa
situação é muito frustrante. Nós temos muitas dificuldades andando assim.
Dentro de um âmbito fixado em que a nossa vantagem inclui desvantagem para os
outros, estamos sempre com problemas. Vocês olhem, esses ambientes são super
tensos.
Agora, é muito surpreendente a sabedoria da igualdade: ao entender os
outros em seus âmbitos, ao trazer benefícios, num certo momento a pessoa se
alegra. Ela fica feliz não só com o que acontece consigo, mas ela olha para os
outros, ela é próxima dos outros e se alegra com as coisas boas que está
acontecendo com os outros. Isso significa que nossa mente, que operava dentro
de uma bolha pequena, repentinamente transcende a bolha pequena e se torna
ampla. Nossa vida se amplia!
Quando a pessoa cuida dos outros com ação de poder, ação tranquilizadora,
ação incrementadora e ação irada, ela se alegra. Ela na verdade está dentro de
um grande jardim de mundos.
Isso é o que o Buda fazia o tempo todo. Ele andava pelos lugares e
encontrava as aldeias, encontrava os vários ambientes. Ele se defrontou com
conflitos de terra, conflitos de água… Naquele tempo já tinha isso: os
agricultores fazendo barragens e a água não chegava para os agricultores da
outra cidade, que já se preparava para invadir a outra… Como fazer essas coisas
andarem? O Buda foi se defrontando com esses ambientes.
Na verdade, nós não precisamos de uma forma de sustentar nossas vidas.
Nós precisamos gerar benefícios em todas as direções. Quanto mais claro for
isso, melhor. Gerar benefícios inclui entender o outro no mundo dele, inclui
não se abalar com as situações, acalmar os seres de tal modo que eles possam
ver de uma forma mais clara e nítida, irrigar suas qualidades positivas e
evitar que eles façam bobagens.”
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