O Bispo e os Espíritos
- Papai,
acabo de tomar uma dose de LSD. Será que você quer sentar-se comigo e me guiar
na minha "viagem"?
A pergunta
era dirigida ao famoso Bispo da Califórnia, James A. Pike, do ramo americano da
Igreja Anglicana. Não havia outra coisa a fazer senão ajudar Jim na sua
aventura alucinante sob o efeito da droga. Não era mais segredo para o Bispo
que seu filho de 19 anos de idade há algum tempo vinha tomando drogas. Tudo
havia sido feito para subtrair o rapaz daquele pesadelo. No momento em que a
pergunta lhe foi dirigida, encontravam-se pai e filho na Inglaterra, afastados
do resto da família, que ficara nos Estados Unidos. Era uma tentativa a mais de
quebrar o hábito maldito de fugir à realidade que o jovem Pike adotara. Seu pai
já fizera todos os exames de consciência para procurar saber onde havia
falhado, passara por todas as aflições por ver assim truncado o destino do
filho para o qual certamente sonhara com realizações até mesmo superiores às
suas próprias.
A narrativa,
densa e dramática, duma sinceridade e franqueza comoventes, está no livro
intitulado "The Other Side" ("O Outro Lado"), publicado em
1968 nos Estados Unidos. O Bispo Pike morreu tragicamente no ano seguinte, quando
em viagem pela Terra Santa. A sua grande paixão era escrever sobre as origens
do Cristianismo. Foi uma figura eminente na sua Igreja. Dinâmico, muito
combativo e franco no expressar suas opiniões, teve problemas com colegas e
superiores mais ortodoxos que certa vez chegaram a julgá-lo por heresia.
Depois de
uma temporada em Londres, onde pai e filho conviveram por alguns meses, fazendo
intensos estudos universitários, resolveram regressar separadamente aos Estados
Unidos. O pai para participar de uma convenção de sua Igreja (depois retornaria
à Inglaterra) e o filho para matricular-se na Universidade de São Francisco.
Estava o
Bispo oficiando na sua igreja quando recebeu como uma punhalada a notícia de
que Jim suicidara-se num quarto de hotel em Nova Iorque.
A tragédia
atingiu em cheio aquele homem de sensibilidade e cultura, membro destacado de
uma organização religiosa que, no entanto, confessa que não tinha condições de
dar nenhum conforto à família "na base de uma crença na vida após a morte.
" Não será a única vez no livro que declara essa posição de descrença em
face da sobrevivência do espírito, a despeito de ser líder religioso de uma
extensa comunidade cristã. Já dissera páginas antes que "à falta de outra
evidência.., tinha de admitir, com toda a honestidade, que não dispunha de
dados suficientes sobre os quais pudesse basear uma afirmação de vida após a
morte".
Certamente
toda a estrutura do pensamento religioso que constituía objeto de sua vida e de
sua pregação, é baseada na crença de que nós sobrevivemos à morte do corpo, mas
crença não é evidência, e, para um espírito lúcido e habituado ao trato das ideias,
não basta a crença quando o homem confronta com o problema da morte.
Nessa
altura, porém, a dramática história do Bispo Pike estava apenas começando. De
volta à Inglaterra para dar prosseguimento aos seus estudos, levou seu capelão
David Barr e a Sra. Maren Bergrud, da Diocese da Califórnia, e que já uma vez o
ajudara a preparar um dos seus vários livros. Os três foram ocupar o mesmo apartamento
onde por algum tempo viveram Pike e o filho.
Uma noite,
ao entrarem em casa, encontraram, sobre o chão, dois cartões postais colocados
de modo a formarem um ângulo de 140 graus. (Mais tarde descobriu-se que a
posição dos cartões indicava - ou pelo menos coincidia com - a posição dos
ponteiros do relógio no momento em que Jim se suicidara). Naturalmente que Jim
tinha mania de cartões postais e a primeira coisa que fazia, ao chegar a uma
cidade em visita, era comprar alguns deles que, segundo o pai, jamais punha no
correio. Era estranho encontrar aqueles cartões, e a mulher que fazia a limpeza
do apartamento afirmou categoricamente que nada tinha a ver com eles. Era de
toda a confiança, honesta e muito cuidadosa em tudo quanto fazia. O incidente,
embora estranho, não tinha grande significação. Ou pelo menos assim pensaram
todos e Pike confessa que "jamais nos ocorreu que ele (Jim) poderia, de
alguma forma, estar relacionado com os cartões".
Na
terça-feira, 22 de Fevereiro, outro estranho acontecimento: a Sra. Bergrud
apareceu de manhã para o café com parte de seus cabelos queimados. A surpresa
foi grande e geral, inclusive dela mesma que ainda não dera pelo fato. Uma
mecha na altura da testa fora queimada em linha reta, ficando com as pontas
pretas, mas nenhum sinal havia de queimadura na pele. Mistério.
Na manhã
seguinte novas porções do cabelo da Sra. Bergrud apareceram também queimadas.
Depois de muita especulação, ela parecia conformada e disse:
- Bem,
algumas pessoas não gostavam de meu cabelo em franjinhas mesmo; por isso talvez
seja melhor assim como está.
A frase
sacudiu Pike, pois ele se lembrou perfeitamente de Jim comentando com ele certa
vez que não gostava das franjinhas de Maren e chegara mesmo a propor a ela que
as cortasse.
Dias depois,
a Sra. Bergrud amanheceu com ferimentos sérios nas mãos. Parecia que um
instrumento perfurante havia sido introduzido sob suas unhas. Uma estava
quebrada e realmente caiu mais tarde; outra não se quebrara, mas a carne sob
ela estava ferida.
Na discussão
que se seguiu e na preocupação com os curativos, não observaram senão depois
que o resto das franjinhas da Sra. Bergrud tinha desaparecido!
Eram apenas
os primeiros fenômenos, as primeiras manifestações evidentes de um Espírito em
desespero e confusão, tentando transmitir, a pessoas inteiramente despreparadas
para o problema, sinais de sua sobrevivência.
- Eu apenas
gostaria - diz o Bispo aos seus amigos - de compreender o que está acontecendo
aqui.
No meio da
conversa que se seguiu, descobriram que o próprio Bispo - ao que tudo indica
para nós espíritas - tinha servido de médium a uma manifestação do Espírito do
filho.
Para grande
surpresa sua e de seus amigos, não se lembrava absolutamente de nada do que
dissera em estado de transe, mas os pensamentos expressos foram muito chocantes
para os que ouviram as palavras pronunciadas, pois revelavam atitudes mentais
inteiramente diferentes das habituais no Bispo. Segundo lhe contaram, Pike,
depois de deitar-se à noite, sentara-se na cama e começara a falar daquela maneira
estranha, como se estivesse monologando. Não seria difícil reconhecer naquelas
palavras a expressão do pensamento de Jim e não do velho Pike, razão pela qual
a Sra. Bergrud ficou tão chocada ao ouvi-las pronunciadas pelo seu amigo, pois
desconhecia totalmente a origem e razão do fenômeno.
Pike começou
então a admitir a possibilidade de que aquela série de acontecimentos tivesse a
ver algo com o filho morto. Mas por onde começar a investigação cuidadosa e
consciente dos fatos? Nenhuma ideia, nenhum preparo, nenhuma orientação. Era um
Bispo protestante, dedicara toda a sua vida à Igreja e à sua teologia e
certamente sempre tivera o hábito de pôr de lado, sem exame, os fenômenos e as
referências que tivessem qualquer relação com o mundo dos Espíritos. Ouvira
falar, por exemplo, em "poltergeist", mas não tinha idéia precisa do
que fosse. Ao que se lembrava vagamente, a coisa tinha algo a ver com
distúrbios provocados pelo Espírito de uma pessoa morta na casa onde residira
em vida. Seria isso? Viu-se então, "pela primeira vez, diante da
possibilidade real de que a fonte de tudo quanto estava acontecendo poderia ser
o meu filho - morto, mas ainda vivo".
Esse ponto
era uma encruzilhada e não faltou ao Bispo Pike a coragem necessária para
seguir adiante, nas suas pesquisas, estranhas e desusadas pesquisas para um
"príncipe" da Igreja Reformada. Suas confissões são às vezes de
comovente sinceridade -: "Custei muito a acertar a possibilidade de que se
tratava de Jim, pois não acreditava que ele continuasse a viver". (Grifo
meu). E mais: nem Maren, sua secretária, nem David, seu capelão, acreditavam na
vida póstuma! "Contudo, diz Pike, não podíamos pensar em outra explicação
- resultado, que agora compreendo - da nossa ingenuidade e da falta de
sofisticação em relação a todo o campo dos fenômenos psíquicos".
A quem
recorrer numa emergência dessas? Lembrou-se então do Reverendo Pearce-Higgins
que entendia dessas coisas em virtude de suas experiências psíquicas e da sua
participação na organização de sua igreja que patrocina essas pesquisas.
E assim, na
manhã de 28 de Fevereiro, o Bispo Pike ligou para o Rev. Pearce-Higgins,
narrou-lhe os acontecimentos e pediu orientação.
Pearce-Higgins
explicou ao eminente amigo, neófito em coisas dessa natureza, que. havia duas
explicações plausíveis para os fenômenos: ou eram expressão de uma hostilidade
a alguém que viera ocupar a casa em que vivera o Espírito, ora desencarnado, ou
recursos para chamar a atenção de alguém. Em suma, para encurtar a história,
Pearce-Higgins marcou hora para o Bispo Pike com uma médium muito conhecida em
Londres, a Sra. Ena Twig, e, através dela, Pike pôde, afinal, conversar,
digamos assim, face a face com o filho morto.
Os
preconceitos do Bispo com relação à prática mediúnica começaram a cair.
Esperava encontrar, na casa da Sra. Twig, cortinas pesadas, abajures de seda
com babados, ornamentos exóticos e uma semiobscuridade atravancada de objetos e
móveis; enfim, a caricatura cinematográfica e anedótica da mediunidade. Ao
contrário, o cômodo era tão simples e comum que, ao escrever seu livro, mais
tarde, ele nem se lembrava dos pormenores para descrevê-lo.
Seria
impraticável reproduzir toda a conversação e aquela natural aflição por dizer
muita coisa em poucas palavras, num espaço exíguo de tempo. E' fácil, porém,
imaginar a cena: de um lado da vida, o filho suicida, recém-retirado de uma
existência sem horizontes sob a terrível pressão das drogas; de outro lado, um
pai aflito, presenciando um fenômeno que lhe era inabitual e ao qual apenas
umas semanas antes jamais teria pensado em assistir, muito menos provocar.
A sessão
contou com a presença algo surpreendente do Espírito do eminente teólogo Paul
Tillich, amigo de Pike e que parecia estar ajudando Jim no mundo espiritual. O
Bispo sentiu um verdadeiro choque emocional ao ser revelada a presença do seu
grande amigo, recentemente desencarnado. E ainda: como é que a médium poderia
saber que o novo livro de Pike, que estava sendo lançado naquele momento nos
Estados Unidos, tinha uma dedicatória a Paul Tillich?
- O rapaz -
disse Tillich - era um visionário, nascido fora de seu tempo. Encontrou uma
sociedade desconcertante, na qual a sensibilidade é classificada como fraqueza.
A uma
pergunta do Bispo sobre se seria boa coisa divulgar a realidade da
sobrevivência e da comunicabilidade, a resposta veio de Paul Tillich e muito
cautelosa:
- O fogo na
planície pode causar o caos se não for controlado. Trabalhe cuidadosamente, mas
conserve em mente as palavras -: "Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará!"
E nesse tom
terminou a primeira sessão mediúnica a que assistiu o Bispo James A. Pike.
Daí em
diante, atirou-se ele com disposição e inteligência ao estudo dos fenômenos, à
leitura de livros e aos contatos com quem pudesse instruí-lo sobre a matéria.
Voltaria a servir-se de médiuns, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos.
Sob estranhas condições, tal como previra o Espírito de seu filho, encontraria
nos Estados Unidos uma organização, também ligada à Igreja, que o ajudou nos
seus estudos.
E aqui
vemos, em toda a sua crua realidade, as dificuldades que enfrenta o
conhecimento da verdade que, segundo o Cristo, um dia nos libertará. Aquele
homem notável, Bispo de uma grande comunidade cristã, autor de livros de
sucesso na sua especialidade, pregador eminente de uma doutrina apoiada no
fato, básico da sobrevivência do Espírito humano, confessa não acreditar nessa ideia
e admite jamais ter lido um único livro ou ensaio que cuidasse de qualquer
aspecto da experiêncis psíquica, hoje tão amplamente divulgada.
O resto do livro
- e são ainda cerca de 200 páginas das 300 e tantas que o compõem - é uma
narrativa fiel, descrevendo passo a passo a longa e penosa busca da verdade
contida no fenômeno psíquico, tão familiar aos espíritas.
Sua primeira
surpresa foi a extraordinária quantidade de livros existentes sobre o assunto,
coisa que até então lhe passara inteiramente despercebida. Sua conclusão,
depois de muito estudar, meditar e assistir a manifestações de variada
natureza, se resume, em suas próprias palavras, da seguinte maneira:
"Minhas experiências pessoais, juntamente com os fatos que fui levado a
pesquisar como resultantes delas - tanto quanto as análises feitas por
cientistas respeitáveis nos seus campos de atividade que também dedicaram
cuidadosa atenção aos dados em mais de uma área psíquica - me habilitam a
afirmar a vida após a morte como coisa "natural" a esperar-se da
psique humana que parece estar desde já na vida eterna". Prossegue dizendo
que essa era uma afirmativa que ele não estivera em condições de fazer no seu
último livro. E mais: que as crenças suscitadas pela evidência dos fatos eram
poucas, na verdade, mas baseadas em fundações muito sadias e experimentais.
Deve
causar-nos verdadeira revolução interior descobrir que tudo aquilo quanto
serviu de base, à estrutura do nosso pensamento e da nossa vida, de repente não
serve mais. E que a nova verdade descoberta precisa ser meditada, encaixada no
arcabouço das nossas idéias e finalmente proclamada, num depoimento leal e
sincero. E' necessário abrir espaço para ela em nosso espírito e jogar fora as
velharias que o atravancam e obscurecem. Por isso, o Espírito do jovem Pike,
depois de aquietadas as suas angústias no novo plano de vida e certamente muito
ajudado pelos seus amigos. declarou através da mediunidade de George Daisley:
- Sinto-me
tão feliz ao verificar que você resolveu enfrentar o desafio... estimulando
outros a saírem em busca dos seus entes queridos. Diga-lhes para terem todo o
cuidado na verificação dos fatos.
E mais
adiante:
- Estou
esforçando-me duramente para aprender que estar morto é na realidade estar mais
vivo. É uma excelente ideia essa de narrar os fatos. Já há muito deveria ter
sido feito isso.
E, uma a
uma, começam a chegar as verdades que a Doutrina Espírita já nos ensinou há
tanto tempo. Por exemplo: numa tentativa de entrar em contacto com o Espírito
de Maren Bergrud, sua secretária, que também se suicidara, o Bispo é avisado de
que ela ainda está muito confusa e sem condições de falar. Os Espíritos estavam
cuidando dela com todo o afeto e atenção, mas Maren sofria bastante e estava
mergulhada num estado de grande confusão mental. "Isto era perturbador -
escreve Pike -, mas refletia o que eu aprendera ser comum: que aqueles que
morrem de morte violenta, ou que se suicidam, encontram maior dificuldade em
ajustarem-se do outro lado".
Ao cabo de
algum tempo e depois de um programa gravado para a televisão canadense com o
famoso médium Arthur Ford, a coisa explodiu na imprensa, como uma bomba, nas
manchetes escandalosas: O Bispo Pike afirmava ter conversado com o filho morto!
Como se fosse a maior novidade do mundo alguém conversar com Espíritos...
A reação de
amigos, conhecidos e desconhecidos, foi pronta e abundante. Cartas, telegramas
e telefonemas choviam sobre o Bispo. Uns para ajudar, para oferecer consolo,
sugestões, narrar fatos semelhantes; outros para dizer os maiores abusos e
impropérios. Um colega sacerdote escreveu um artigo para "provar" que
Pike não havia falado com o Espírito do filho e sim com o Demônio. Nesse artigo,
até mesmo fatos que eram do domínio público, porque haviam sido narrados pelos
jornais, estavam truncados. Uma lástima... Quem poderia, no entanto, convencer
um pai de que o Espírito com quem falou era do Demônio e não do seu filho? Não
conhecemos os modismos, as expressões, as tendências, as preferências e
antipatias dos nossos filhos?
Muitos
cristãos, comenta Pike, algo aturdido, não acreditam na comunicabilidade dos
Espíritos, mas aceitam a "ressurreição" do Cristo. Era de esperar-se,
prossegue, que esses cristãos acolhessem com enorme alegria a "prova de
que a sua fé não é em vão". Em lugar disso, a reação é predominantemente
negativa, cheia de paixão e intolerância.
Ao cabo
dessa longa e penosa aventura, o Bispo estava convencido da sobrevivência do
seu filho Jim. Muitas perguntas ainda lhe restavam sem respostas adequadas, mas
é de admitir-se que depois de uma vida dedicada aos dogmas e ao pensamento
ortodoxo que imobilizou em fórmulas o Cristianismo do Cristo, muita coisa
ficasse mesmo por compreender e aceitar. Agora, porém, o Bispo James A. Pike
também se encontra no mundo espiritual. Lá está, certamente, dando
prosseguimento aos seus estudos e pesquisas. Algum dia ele voltará como
Espírito manifestante ou reencarnado para contar o resto do seu drama. Vai ser
uma história muito conhecida de todos nós espíritas: a de que o Espírito
preexiste, sobrevive e reencarna-se. Que as leis de Deus são justas e
infalíveis e não eivadas de dogmatismos intolerantes. Que somos todos irmãos em
busca de luz e de paz.
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