Carl Jung e a Existência de Espíritos
por Marcos Villas-Bôas
Em texto
anterior, citamos Carl Jung como um médium que passava por inúmeros fenômenos
espirituais e que documentou alguns deles no seu último livro: Memórias, Sonhos
e Reflexões.
Leitores do
blog que estão entre os mais incrédulos reclamaram do fato de o livro não ter
sido citado, mas estava, sim, referido, desde a primeira versão publicada, ao
final da transcrição de um trecho dele. Parece que, quando não se quer enxergar
(aceitar) algo, até a visão física fica abalada e termina-se não enxergando bem
(em sentido estrito).
Como Jung é
um nome mais conhecido fora do meio científico, parece que esses incrédulos se
assustaram com o peso dele em favor da existência dos Espíritos. Dedicaremos,
então, um texto inteiro ao livro dele, uma homenagem a esses nossos leitores,
tão ou mais importantes do que os mais crédulos ou menos incrédulos. Seus
comentários, por sinal, quando não nos divertem pela graça, ajudam a focar nos
pontos de maior dúvida deles, sendo muito bem vindos.
Jung abre um
capítulo chamado “Sobre a vida depois da morte” e inicia dizendo que sua obra
em geral está permeada pela sua tentativa de dar explicação às “interferências
entre o ‘além’ e o ‘aquém’” (p. 27). Segundo ele, não seria possível
propriamente explicar a sobrevivência após a vida, então ele iria “mitologizar”
(p. 28).
Pouparemos
os incrédulos das repetições das críticas. Eles desviam dos fatos trazidos nos
textos para se apegarem a suas visões espremidas da ciência e afirmarem que
nada neles é científico, que não há prova científica etc. Observem que o mais
importante aqui não é necessariamente convencer ninguém, apesar de que,
normalmente, quando se escreve sobre um tema, se pretende convencer o leitor de
algo.
O mais
relevante é expor conhecimento sobre os Espíritos de uma forma crítica,
trazendo grandes pensadores da ciência e permitindo que mais pessoas, dispondo
desse conhecimento, possam, quando necessário, pedir ajuda, pois o objetivo
principal do Espiritismo é o amor, a caridade para com o próximo, mesmo quando
esse próximo seja um crítico insistente e deseducado. Incrédulos que passam um
dia inteiro escrevendo inúmeras críticas sobre o mesmo texto, muitas vezes
grosseiras, por exemplo, são grandes candidatos a necessitarem de atendimento
espiritual.
Esses
parênteses são para dizer que Jung afirma repetidamente acreditar na existência
de Espíritos e conta fenômenos contundentes, alguns brevemente narrados aqui,
porém ele, por receio do meio científico da sua época, prefere colocar tudo num
tom de narrativa de “Memórias, Sonhos e Reflexões”, título do livro. Repita-se:
importa, acima de tudo, que ele atesta a existência dos Espíritos. Sobre haver
prova ou não, científica ou não, essa é uma questão muito mais conceitual e
subjetiva, como já explicamos em textos anteriores.
Para os
incrédulos que usam a artimanha materialista de afirmar que haverá prova
científica apenas quando se demonstrar casos de peso, medição etc. em
laboratório, se não serviram ainda as experiências de Camille Flammarion,
aguardem até tratarmos dos testes do gênio científico William Crookes. A esses
incrédulos, no momento, deixamos a crítica de Jung:
“A razão
crítica parece ter há pouco eliminado, juntamente com numerosas outras representações
míticas, também a ideia de uma vida após a morte. Essa eliminação foi possível
porque os homens, hoje, se identificam frequentemente apenas com a consciência
e imaginam ser apenas aquilo que conhecem de si próprios. Ora, todo homem que
de leve suspeita o que seja a psicologia poderá facilmente imaginar que este
saber é muito limitado. O racionalismo e a doutrinação são doenças do nosso
tempo; pretendem ter resposta para tudo. Entretanto, muitas descobertas que
consideramos impossíveis – quando nos colocamos de um ângulo limitado – serão
ainda feitas” (p. 28-29).
Como se
nota, cauteloso, mas certo do que estava por relatar, Jung critica aqueles que
pensam tudo saber, que supõem ser a ciência um círculo já fechado de ideias e
carente apenas de algum aprofundamento. A falta de intuição e de abertura para
o que se chama de metafísico, mas que é físico, é uma das características mais
marcantes em pensadores que cometem muitos erros, como muitos da Economia, que
não seria uma ciência na concepção dos materialistas.
Como diz o
Espírito Joanna de Angelis, guia do seu médium psicógrafo Divaldo Franco, muito
interessado na obra de Jung, o século XXI será o de religação entre ciência e
religião, de absorção por aquela de boa parte daquilo que se pensava ser apenas
objeto desta, e vice-versa. A fé deve ser raciocinada, deve estar de acordo com
a razão, mantendo coerência com o que diz a ciência.
“Afinal, a
ciência não tem sido propriamente criadora de nada, porquanto tudo aquilo que
apresenta de alguma forma é cópia imperfeita do que observam os cientistas nos
painéis grandiosos da Criação.
Lentamente,
mas com segurança, os fatos que antes eram presunçosamente ignorados começaram
a chamar a atenção de tal forma, que outra alternativa não tem havido senão a de
examiná-los, estudá-los e concluir pela realidade do fenômeno imortalista, pela
preexistência e sobrevivência do Espírito à morte, pela ordem universal criada
por Deus e pelo sentido ético-moral de fundamental importância para a
existência feliz” (Dias Gloriosos, p. 9).
“Os
cientistas do passado, na sua ingenuidade, possuíam respostas rápidas para
quase todas as interrogações que lhe eram apresentadas, nem sempre, porém,
correspondendo à realidade dos fatos. A medida que a percepção do Universo se
dilatou e as sondas penetraram na intimidade das partículas atômicas e
subatômicas, mais difíceis se tornaram a compreensão e utilização racional das
suas possibilidades quase infinitas” (Dias Gloriosos, p. 12).
“A física
quântica já desmistificou a matéria, avançando gloriosamente para a energia,
alcançando as tecelagens sutis do Espírito, que é o princípio inteligente do
Universo, quase logrando identificar o mundo causal de onde tudo procede” (Dias
Gloriosos, p. 13).
“Chega
lentamente o momento em que a Ciência e a Religião dar-se-ão as mãos,
completando-se mutuamente, apoiadas nos fatos, na razão e na lógica que deverão
ser o sustentáculo de ambas, avançando velozmente na conquista de mais
profundos valores e interpretações a respeito da vida e do Infinito” (Dias
Gloriosos, p. 14).
Como bem
lembra Joanna de Angelis, Espírito que parece ter sido Clara de Assis e Joana
Angélica, a ciência não se restringe a experimentos sobre a matéria, mas
qualquer círculo de conhecimento baseado em princípios e métodos próprios, que
esteja pautado “nos fatos, na razão e na lógica”. Não fosse assim, como já dito
anteriormente, as Ciências Sociais não seriam consideradas ciências, a não ser,
talvez, pela parte em que se pusesse pessoas em laboratório e se analisasse
suas comunicações.
Voltemos,
enfim, às experiências de Jung. Ao longo das páginas 34 e seguintes, ele conta
casos de premonição, mas esses, ainda que curiosíssimos, não são suficientes
para satisfazer os curiosos que leem este blog por conta dos Espíritos.
Segue uma das
experiência de Jung, que ainda não é a mais marcante:
“Tive outra
experiência sobre a evolução da alma após a morte quando – quase um ano depois
do falecimento de minha mulher – acordei repentinamente uma noite e soube que
fora até onde ela estava, no sul da França, na Provença, onde tínhamos passado
um dia inteiro juntos. Ela fazia nessa região estudos sobre o Graal. Isso me
pareceu muito significativo, porque ela havia morrido antes de terminar o
trabalho que empreendera sobre esse assunto.
A explicação,
a partir do que se tratava – a saber, que minha anima não tinha
terminado o trabalho a ela imposto – nada me esclareceu; porque sabia muito bem
que não tinha ainda terminado minha tarefa. Mas a ideia que após sua morte
minha mulher trabalhava para continuar seu desenvolvimento espiritual – como
quer que se conceba esta ideia – me pareceu plena de sentido e, por isso, esse
sonho me foi bastante apaziguador” (p. 49).
É muito
interessante como Jung trabalha ideias depois mais claramente explicadas nos
livros espíritas, como nas obras de André Luiz psicografadas por Chico Xavier,
nas quais ele explica que o homem encarna na Terra para “expandir” a sua
consciência, para aprender, progredir, mas essa tarefa continua também no mundo
espiritual. Acontece que, mesmo semelhantes, cada dimensão tem suas
características específicas e, portanto, seu próprio poder de aprendizagem.
Ainda segundo Jung:
“O grau de
consciência atingido, qualquer que seja ele, constitui, ao que me parece, o
limite superior do conhecimento ao qual os mortos podem aceder. Daí a grande
significação da vida terrestre e o valor considerável daquilo que o homem leva
daqui ‘para o outro lado’ no momento de sua morte. É somente aqui, na vida
terrestre, em que se chocam os contrários, que o nível de consciência pode
elevar-se. Essa parece ser a tarefa metafísica do homem, mas sem mythologein
(“mitologizar”) apenas pode cumpri-la parcialmente” (p. 53).
Numa altura
dessas, os mais incrédulos já perderam toda a admiração que tinham por Jung.
Ele deixou de ser o gênio que era e se transformou num maluco que acredita ter
contatos espirituais. Ao menos, para esses, ele admite que não pode constituir
prova científica a partir dessas experiências:
“Apesar de
não ser possível apresentar uma prova válida no que diz respeito à
sobrevivência da alma depois da morte, há fatos que dão o que pensar. Considero
tais fatos como indicações sem ter a audácia, no entanto, de conferir-lhes o
valor de conhecimento” (p. 54).
Vamos,
então, ao fato espiritual que nos pareceu mais interessante:
“Uma noite
eu não conseguia dormir e pensava na morte repentina de um amigo, enterrado no
dia anterior. Sua morte me preocupava muito. Subitamente tive a impressão de
que ele estava no meu quarto, ao pé de minha cama e que me pedia que fosse com
ele. Não julgava tratar-se de uma aparição; pelo contrário, formara do morto
uma imagem visual interior e tomei-a por fantasia. Mas, honestamente, foi-me
necessário perguntar: ‘Que prova tenho de que se trata de uma fantasia? E se
não for? Caso meu amigo esteja presente, não seria inconveniência de minha
parte tomá-lo por uma figura imaginária?’ Mas também não tinha qualquer prova
para acreditar que ele estivesse realmente diante de mim. Então disse a mim
mesmo: ‘Em lugar de considerar que se trata apenas de uma fantasia, posso, da
mesma maneira, aceitá-lo como se fora uma aparição, pelo menos para ver o que
disso resultaria’. No mesmo momento em que tive esse pensamento, ele se dirigiu
para a porta e fez que eu entrasse no jogo. Isso certamente não estava
previsto. Foi-me então necessário fortalecer a argumentação. Então somente o
segui em imaginação.
Ele me
conduziu para fora de casa, ao jardim, à rua e finalmente à sua própria casa.
(Na realidade apenas algumas centenas de metros a separavam da minha). Entrei,
introduziu-me em seguida em seu escritório e, subindo num tamborete, indicou-me
o segundo volume de uma série de cinco, encadernados em vermelho; eles se
encontravam muito alto na segunda prateleira. Então a visão se dissipou. Não
conhecia sua biblioteca e ignorava que livros possuía. Por outro lado, não
poderia de onde estava ler os títulos dos volumes que indicara, pois se
encontravam na prateleira superior.
Esse fato me
pareceu tão estranho que, na manhã seguinte, fui à casa da viúva e pedi autorização
para entrar na biblioteca do meu falecido amigo para uma verificação.
Realmente, havia debaixo da prateleira vista em minha imaginação, um tamborete
e, já de longe, percebi os cinco volumes encadernados em vermelho. Subi no
tamborete para ler os títulos. Eram traduções dos romances de Zola. O título do
segundo era: O Legado de uma morta. Se o conteúdo me pareceu desprovido de
interesse, o título era, por outro lado, muito significativo pela relação com o
que se passara”.
Como Jung,
que nunca havia estado na biblioteca do amigo, teria visto o tamborete e a
coleção de livros vermelhos? O incrédulo, do alto do seu orgulho e da sua
arrogância, já encontrou diversas explicações neste momento, como o fato de
Jung ter ido lá antes enquanto seu amigo estava vivo e não se lembrar, pois
julga o gênio da Psicologia um bobo, um ingênuo, enquanto ele próprio seria um
sóbrio, inteligente e compenetrado, aquele que não se abala por
fantasias.
As
experiências contadas por Jung são repetidas, marcantes e ganham certa
sistematização dentro do pensamento dele. A literatura espírita veio explicar
mais tarde muito do que aconteceu com Jung ao tratar de desdobramentos do
Espírito em relação ao corpo físico, seja no sono, seja acordado, assim como a
literatura espiritual não propriamente espírita, a exemplo daquela sobre
projeção astral.
Waldo
Vieira, médium espetacular que trabalhou com Chico Xavier por um tempo e depois
seguiu caminho próprio, tem obras magníficas sobre experiências semelhantes às
de Jung e com um viés científico interessante.
Jung não
conhecia essa literatura e, provavelmente, também não conhecia as experiências
realizadas antes mesmo que ele escrevesse o livro aqui em análise. Por isso, a
cautela dele ao tratar do tema sob um ponto de vista científico, que não o
impediu, contudo, de afirmar categoricamente a possibilidade de comunicações
entre o consciente e o mundo espiritual a partir do nosso inconsciente.
Encerremos, então, com esse seu entendimento:
“Em
decorrência de sua relatividade espaço-tempo, o inconsciente tem melhores
fontes de informação que a consciência, a qual apenas dispõe de percepções
sensoriais. Por esse motivo, estamos reduzidos, no que se relaciona com o mito
de uma vida post-mortem, às escassas alusões do sonho e a outras
manifestações espontâneas do inconsciente. Não podemos, já dissemos, outorgar a
essas indicações o valor de conhecimentos ou de provas; mas elas podem servir
de base adequada para amplificações míticas; elas permitem ao intelecto
indagador esse âmbito de possibilidades absolutamente necessárias à sua
atividade vital. Não havendo o mundo intermediário da fantasia mítica, o
espírito fica ameaçado de congelar-se no doutrinarismo. Mas, inversamente, o
interesse por tais germes míticos constitui um perigo para espíritos fracos e
sugestionáveis, que poderão tomar esses pressentimentos por conhecimentos e
hipostasiar fantasmas” (p. 63).
Enfim, nem
tanto à incredulidade, nem tanto à credulidade. Ciência com abertura ao novo e
fé pautada na ciência, eis o nosso objeto neste blog.
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