Moralidade e
Intelectualidade na Ciência Espírita
Em texto anterior publicado aqui no Jornal GGN, defendeu-se
que o pilar científico do Espiritismo precisa ser mais bem desenvolvido para
que possa suportar racionalmente os ensinamentos morais. Não se trata apenas de
provar com mais clareza a existência de espíritos, para, assim, convencer mais
pessoas a buscarem compreender as suas lições morais, mas permitir que os
próprios espíritas entendam melhor como aplicar as leis divinas na prática.
Como qualquer lei, a chamada lei divina (ou lei da
natureza) precisa ser interpretada e aplicada pelos humanos, e, assim como no
caso das leis jurídicas humanas, é preciso entender como se dão esses processos
extremamente complexos.
É provável, por exemplo, que muitos pensem estar
seguindo com rigor os princípios de amor, humildade e de caridade do
Espiritismo, mas, no modo de ver do juiz, que serão as suas próprias
consciências libertas após o desencarne, e de Deus, essa inteligência que
determina as consequências cármicas das ações, eles estejam, na verdade, bem
longe do que se pede.
Se partirmos do pressuposto de que, como afirmado no
item 55 de o Livro do Espíritos juntamente com
o capítulo III do Evangelho segundo o Espiritismo, existem 5
estágios de mundo em progressão e que estamos ainda no final do segundo, isso
quer dizer que sequer chegamos ao meio do percurso, ou seja, somos espíritos
adolescentes, que atingiremos o início de maturidade provavelmente nos séculos
vindouros.
Vale lembrar que o 5o estágio dos mundos
é o de espíritos puros, que, portanto, não reencarnam mais, exceto no caso de
missões muito especiais. Portanto, há, de fato, 4 estágios de mundos encarnados
e 1 estágio de mundo exclusivamente espiritual. Nessa escala de 4 estágios, nós
estaríamos migrando agora da segunda para a terceira, então estamos mais ou
menos bem no meio dessa escala de progressão.
Deste modo, as chances de que nossas conclusões de
agora precisem ser quase todas remodeladas no futuro são bem grandes, pois a
maioria dos terráqueos ainda têm mais tempo de encarnação no futuro do que os
milhares de anos já vividos até hoje.
Isso leva a crer que uma das conclusões mais seguras
a que já se chegou na Terra e capaz de revelar a inteligência de um espírito, o
que só poderia vir de uma das mais brilhantes consciências que por aqui passou,
sobretudo por ter acontecido há mais de 2 mil anos, é a de que nada sabemos e
que, portanto, devemos estar buscando incessantemente agregar à nossa
consciência mais conhecimento moral/emocional e intelectual.
Um dos principais objetivos do ser humano é crescer
em intelectualidade, passo fundamental para que cresça em moralidade, e
vice-versa. A intelectualidade não serve apenas como supedâneo da moralidade
que é, mas ela, como aspecto isolado, tem função importante, na medida em que
espíritos superiores precisam ser guias de outros, assumem posições de
administração de cidades, estados, países, planetas etc.
Para ascender, é preciso, portanto, se esforçar para
aprender. Segundo o item 192 de O Livro dos Espíritos, mesmo o mais moralmente
elevado, precisará continuar encarnando para evoluir intelectualmente, caso
esse aspecto não tenha acompanhado o passo do outro:
“Aliás, o Espírito deve avançar em ciência e em
moralidade; e, se ele não progride senão num sentido, é necessário que progrida
também no outro para alcançar o alto da escala. Todavia, quanto mais o homem
avança na sua vida atual, menos as provas seguintes são longas e penosas”.
Isso não quer dizer que o caminho é apenas o sujeito
estudar ao máximo seus temas de engenharia da faculdade ou buscar reunir
conhecimento sobre as mais diferentes ciências, pois o mais relevante é que a
aplicação desse conhecimento sirva para que ele realize a reestruturação dos
seus padrões ainda atrasados e que, assim, possa também ajudar os demais.
Nesse sentido, acumular bagagem teórico-científica e
filosófica é muito útil, mas especialmente quando ela se ligar a questões do
espírito, motivo pelo qual estudar profundamente o Espiritismo e outras
doutrinas espiritualistas, sob as suas três vertentes (científica, filosófica e
moral ou religiosa), é de grande relevância para o progresso.
Assim como a diferenciação entre crescimento moral e
intelectual é feita para efeitos de mais fácil compreensão, pode-se separar o
crescimento em intelectualidade do crescimento em sabedoria apenas para fins
didáticos. Aqueles que nascem com poucas condições financeiras, não recebem
grande estudo, mas se mostram muito sábios já adquiriram intelectualidade em
outras reencarnações e foram capazes de solidificar padrões morais e
intelectuais.
“Passando deste mundo para outro, o Espírito
conserva a inteligência que tinha aqui? - Sem dúvida, a inteligência não se
perde, mas ele pode não dispor dos mesmos meios para manifestá-la, dependendo
isso da sua superioridade e das condições do corpo que tomar.”
Os espíritos dizem, portanto, que carregamos conosco
a sabedoria, os avanços de intelectualidade e moralidade que tivemos, mas, a
depender do corpo que tomarmos na encarnação seguinte, a manifestação deles
poderá vir de diferentes formas.
As características morais, intelectuais e físicas
dos humanos são resultado, em suma, de três origens: genótipo, fenótipo e “pneumótipo”.
Genótipo (do grego genos = originar + typos = característico) e fenótipo (do
grego phenos = evidente + typos + característico) são termos conhecidos da
Biologia. O primeiro significa a composição genética que determina o fenótipo e
este refere-se às características decorrentes do meio em que se vive, de modo
que indivíduos com o mesmo genótipo nem sempre terão exatamente o mesmo
fenótipo.
Falta na Biologia compreender que o ser humano é
definido pelo espírito que encarna no corpo. Daí criamos o neologismo
“pneumótipo”, do grego “pneuma”, que significa sopro, vento, mas era
frequentemente utilizado, inclusive na Bíblia, para referir à ideia que se
entende hoje pelo termo “espírito”.
Além dos genes e do meio, somos completamente
definidos pelo nosso espírito. Daí porque a Medicina, a Psicologia e outras
ciências não conseguem compreender minimamente dezenas de doenças humanas, nem
acham curas para elas, ainda que alguns venham obtendo avanços por meio do
emprego de conhecimento espiritual em tratamentos, como no caso do Reiki, da
Yoga, da meditação, das orações etc.
Chico Xavier não passou dos estudos primários, mas
psicografou dezenas de livros, em muitas línguas, porque tinha conhecimento
intelectual acumulado de encarnações passadas, o que permitiu aos espíritos
conseguirem transmitir aqueles ensinamentos por meio dele.
Francisco de Assis, conforme o livro do Espírito
Miramez que leva o seu nome, psicografado por João Nunes Maia, era a
reencarnação de João Evangelista, um dos mais avançados apóstolos de Jesus.
Ainda no século I, ele já realizava milagres, como conversar com animais e ser
jogado em uma bacia de óleo quente, mas sair vivo.
Apesar de ter vivido na pobreza por opção própria
boa parte da vida, após nascer em família rica, Francisco de Assis era
extremamente sábio, pois tinha acumulado muito conhecimento no passado, mas
também porque vivia a dialogar e refletir com os demais freis sobre os
problemas da vida.
No mesmo livro mencionado, é atribuída a Francisco
de Assis explicação importantíssima sobre a instrução, após questionado sobre o
tema:
“- Frei Bernardo, a instrução, na acepção da
palavra, nos conceitos espirituais, são acúmulos de experiências nos arquivos
da alma. Quem não se instrui, não acompanha o progresso, que certamente é força
de Deus nos caminhos dos homens. Aprender, meu filho, é grande benção que nos
ajuda a libertar o coração das trevas, pois a instrução repele, senão desfaz a
ignorância, ampliando os sentimentos em todos os rumos.”
Esse o argumento principal deste texto e do último:
a instrução amplia os próprios sentimentos. O aumento de experiências e de
compreensão das coisas, como dos sentimentos, ajuda na elevação da moral. É por
isso que, em diversas partes das obras espíritas, estão colocados o avanço
moral primeiro e, logo em seguida, inter-relacionado com ele, o intelectual. O
principal é amar, mas, só se pode amar com plenitude na medida em que se
conheça intelectualmente bem sobre as coisas.
Isso nos leva a questionar sobre quanto tempo
estamos dispondo para o aperfeiçoamento espiritual. Muitos acreditam, por
exemplo, que compreendem bem o amor, a humildade e a caridade, mas estão
enganados. Acreditam que já estariam abençoados pelo fato de irem à igreja ou
ao centro espírita um, dois ou mais dias na semana.
Quanto tempo estamos verdadeiramente dedicando a
reestruturar os nossos padrões? Se dormimos 8 horas por dia, trabalhamos 8
horas por dia, comemos, nos transportamos etc., quanto tempo é dedicado a
compreender o mundo pelos olhos do espírito, do amor?
A compreensão da lei divina depende de uma busca
constante; vai se aperfeiçoando dia a dia, por meio das experiências boas e
ruins. Dentro dessas experiências, tem papel fundamental buscar entender, por
exemplo, o que são sentimentos e como manifestá-los em cada situação para nos
sentirmos mais felizes fazendo os outros mais felizes, o que envolve não
exagerar na manifestação dos sentimentos, comportar os seus conflitos e tantas
outras questões.
Cite-se um exemplo trazido por Haroldo Dutra Dias em
uma das suas melhores palestras[5] e o
trabalhemos um pouco mais. Sabemos, de fato, o que é humildade? Muitos a confundem
com ser medíocre ou ignorante, com passar despercebido, com não se manifestar,
com se vestir de forma simples etc. Algumas dessas podem ser manifestações de
uma pessoa humilde, mas não representam o âmago da humildade.
Segundo Haroldo, “humilde é aquele que sabe o que
não tem”. Humildade é reconhecer sempre que ainda há aquilo que aprender, que
todos erramos (e muito!), que estamos em progresso, apesar dos diferentes
estágios. Isso nos torna ávidos por conhecimento e nos faz compreender que os
ignorantes chegarão em estágios mais avançados mais cedo ou mais tarde. Por
sinal, todos nós ignoramos algo e alguém pode ser sábio sob determinado aspecto
e ignorante em muitos outros.
Na visão de espíritos elevados, os humanos não são,
portanto, avaliados como melhores ou piores, como se faz no estágio humano
encarnado, ainda atrasado. Todos são vistos como seres em diferentes etapas do
progresso, devendo ser, os mais ignorantes, alvos de ajuda dos mais preparados,
e não de desprezo.
Essa ideia leva à de que quem sabe mais não deve se
esconder para ser humilde, mas sim ensinar. Isso não quer dizer que ele deva
agredir as consciências dos demais, cabendo instruí-los sem fazê-los sentir
inferiores, o que não é nada fácil e depende também da evolução moral daquele que
é ensinado, pois todo sentimento se manifesta dentro de uma relação entre duas
pessoas e muito do que sentimos de negativo nos outros é apenas manifestação da
nossa própria negatividade.
Um ponto interessante é notar que muitos dos
sujeitos ignorantes, se forem bem orgulhosos, acharão que todos os que sabem
mais do que eles são orgulhosos, simplesmente porque a ideia de alguém saber
mais do que ele já fere o seu orgulho. É assim que começam as brigas e a
agressividade.
O sujeito que sabe menos precisa ser humilde para
querer aprender e o sujeito que sabe mais precisa ser humilde para ensinar sem
ferir o orgulho do outro, o que nem sempre conseguirá, e ele não
necessariamente será o orgulhoso por isso. Nesses casos, não conseguindo
estabelecer diálogo com o orgulhoso, pode ser melhor se afastar.
Nota-se, assim, a complexidade que é se relacionar
nesse estágio atual de avanço moral e intelectual humano. Somos provados a todo
momento e, se não tivermos sabedoria, consubstanciada aqui em paz de espírito,
sofremos muito, às vezes por erros nossos, às vezes por erros dos outros, às
vezes por erros dos dois lado, até que aprendamos tão intimamente a ponto de
termos os padrões reformados.
Não devemos nos culpar, nem culpar uns aos outros.
Se lembrarmos do que dito há pouco, pelo olhar espiritual, estamos todos
aprendendo. Devemos tolerar, o que não significa que precisemos ser masoquistas
e aguentar alguém que nos faz sofrer sob qualquer circunstância.
Um ponto crucial, mas não percebido pela maioria, é
o de que, enquanto sujeitos encarnados, pensamos influenciados pela cultura,
pelo conhecimento que circula aqui nessa terceira dimensão espiritual, densa,
com a qual se está acostumado e que nos determina a moralidade e a
intelectualidade. No entanto, a racionalidade humana, que influenciará os seus
sentimentos e a forma de manifestação, precisa ser reestruturada para que tenha
como perspectiva as dimensões espirituais mais altas.
É por isso que Jesus, o Cristo, falava o tempo todo
que deveríamos encontrar a Verdade, que deveríamos buscá-la nele. Isso
significa que devemos encontrar as respostas que procuramos no plano dele,
crístico, do qual ainda estamos muito distantes. Sendo assim, a tarefa deve ser
a de libertarmos a consciência para fora do nosso corpo, das imposições da
nossa cultura, para que, por meio de muito estudo e prática, possamos tentar
raciocinar o mais próximo possível da perspectiva de Jesus.
O problema é que essa tarefa é extremamente
complexa. Pede-se que, num estágio ainda intermediário, ou ainda um pouco antes
disso, de evolução, pensemos com a perspectiva do espírito mais elevado do
planeta.
É claro que Jesus sabe ser isso impossível no
momento, mas o raciocínio humano é pautado em princípios, ou seja, busca por
estados ideais de coisas que se almeja para tornar possível se aproximar deles,
mesmo sabendo da impossibilidade de alcançá-los, ao menos naquele estágio de
evolução.
Por tal razão, muitos dos que conseguem avançar mais
o fazem por estabelecerem como meta o estágio mais alto possível, ainda que
saibam ser impossível ou quase impossível alcançá-lo.
A tarefa do ser humano é, portanto, pautar sua vida
o máximo possível na perspectiva crística, sem se desesperar para alcançar
estágios altos o mais rápido possível. Daí se nota, mais uma vez, que todas as
tomadas de decisão precisam ser pautadas em um grande equilíbrio em meio a
cenários paradoxais, algo que se atinge com um bom crescimento da moralidade e
da intelectualidade, juntas, facetas de um mesmo conhecimento humano.
É claro que nem sempre uma faceta acompanha a outra
e o espírito pode avançar bem mais em apenas uma delas, mas isso não é o
desejável e, provavelmente, termina criando dificuldades no progresso dele.
Na medida em que vão se tornando evoluídos, os
humanos querem raciocinar a sua fé, conforme dito no Capítulo XXIV do Evangelho
segundo o Espiritismo, “e é então que não se deve colocar a candeia sob o
alqueire, porque sem a luz da razão, a fé se enfraquece”. A Ciência
Espírita é a “luz da razão”, é o conhecimento que pode elevar os humanos e
retirá-los do atual caminho de guerras, conflitos, crises e sofrimento.
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