O cartão que faltava
É a terceira vez que relato esta história que consta do meu primeiro livro "Começa Assim", hoje esgotado. Conto-a novamente para responder a uma mãe, compreensivelmente desesperada com a perda de um filho jovem num desastre de moto. Creio ser esta a maior dor do ser humano. É uma tentativa de passar-lhe algum consolo.
O fato ocorreu com alguém muito próximo a mim, um homem, então na faixa dos 60, acima de qualquer suspeita em termos éticos, mas bastante descrente, embora curioso em questões espirituais. Ele era sempre convidado por um colega de trabalho, para assistir a uma reunião espírita vespertina, mesa branca, que acontecia aos sábados na sala de jantar de sua casa, em São Paulo. Numa tarde gelada de junho, contrariando seu comodismo, resolveu ir, de repente, surpreendendo os familiares. Justo num dia chuvoso e frio? Nem ele sabia o porquê da resolução intempestiva.
Chegou atrasado porque fora de Expresso Luxo e não calculou o horário. Sentou-se no fundo da sala para não atrapalhar a concentração. Percebeu logo que se tratava de um encontro sério de pessoas que acreditavam na proposta kardecista. A reunião já estava quase no fim quando uma senhora que psicografava perguntou "quem é fulano?". Levou um susto quando ouviu seu nome mencionado. "Tenho uma mensagem para o senhor: rosas para você mamãe, um beijo, Bebel". Do susto passou para o aturdimento: que mensagem seria aquela? Não conhecia nenhuma Bebel e nem entendia a expressão cifrada. Antes de sair alguém lhe entregou a frase escrita num cartão.
Eram sete da noite e o senhor subiu a Av. Paulista à procura de um táxi. Num lance, sem que estivesse pensando nisso, veio-lhe à mente um amigo que morava na Alameda Eugênio de Lima e que não via há vinte anos pelo menos. Contrariando seus hábitos recolhidos resolveu visitá-lo - será que ainda moraria na mesma casa? - e quando se deu conta, tocava a campainha.
Foi recebido com alegria e surpresa; ele e a esposa o fizeram ficar para jantar. Ao saírem da mesa, depois de deliciosas recordações dos velhos tempos, a anfitriã pediu licença para buscar o cafezinho. Foi quando o amigo abaixou a voz e sussurrou-lhe "você nem imagina o bem que nos fez vindo aqui hoje; é aniversário da Silvia (a esposa), mas ela nem mencionou. Com certeza você não soube que a nossa única filha, além dos dois homens, Isabel, morreu num acidente de carro há onze meses. Mesmo casada, morava aqui do lado. Parece que ainda estou vendo a nossa filha entrar por essa porta como fazia todos os anos trazendo rosas vermelhas, as preferidas da mãe e cantando alto o parabéns a você mamãe"
Ele entendeu tudo e com muita emoção relatou ao pai, que não conseguiu conter o choro. Foi uma situação intensa. Tanto é que ele nem quis esperar a volta da senhora. Saiu rápido deixando o momento íntimo para o casal, já que havia sido apenas o veículo portador. Ao sair e passar próximo à mesa em que estava um vaso de rosas, compradas pelo amigo para animar a esposa, tirou o cartão do bolso e deixou-o ao lado. Era o que faltava fazer.
Luiz Alca de Sant' Anna
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