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Anos de Sombras
“Todo pedido de perdão é um grande começo”
Paulo Roberto Viola (Para a Revista ESPÍRITA ALÉM
DA VIDA)
O Santo Ofício da Inquisição, o Espiritismo
perdoa? Os seis séculos de Inquisição, que tanto abalaram e enegreceram o
Planeta, não podem, de sã consciência, ser considerados um libelo contra a
prestigiosa instituição Igreja Católica Romana, pois os desvios históricos
ocorridos, por mais terríveis que tenham sido, não devem comprometer toda uma
organização, mas, sim, os seus efetivos responsáveis, seres humanos frágeis e
pecadores, sempre capazes de façanhas inimagináveis... para o bem ou para o
mal. Afinal, essa mesma Igreja Católica que viveu as barbaridades da Inquisição
praticadas pela Corte indecorosa de Papas perdulários e delinqüentes, como o
impiedoso Paulo IV, o anti-Papa Inocêncio 3º, o bon vivan Leão X e mais
recentemente o Papa Pio IX, foi a mesma que no curso do Cristianismo
acolheu notáveis como os Papas João XXIII e João Paulo 2º e trouxe tantas pegadas luminosas, como as do virtuoso de Assis, do venerável Bento, do
eremita Francisco de Paula, da madre Teresa de Calcutá, da carmelita descalça
Joanna de Ângelis, de Frei Luis, de
Teresa D’Ávila e de tantos outros. Com efeito, não teria sido por outra razão
que o ilustre escritor Hermínio Miranda, um dia, chegara a uma “agradável
conclusão”: “a Igreja é uma respeitabilíssima Instituição, com tantos virtuosos
históricos, que vem varando os séculos. Afinal,todos já integramos, alguma vez,
essa grande família, seja na infância, seja em encarnações anteriores” (do
livro "Francisco de Paula, o Eremita da Caridade").
O histórico resumido resumido da Inquisição
Como Nasceram as Sombras do “Santo Ofício”.
A legislação contra aqueles que não comungavam com
os princípios ortodoxos da Igreja Católica foi se tornando cada vez mais
radical através da História. Em 1184, o
Papa Lúcio 3º, formula um direito penal para punir indivíduos considerados
“hereges” (pessoas que pensavam, ou agiam, de forma conflitante com o que a
Igreja apregoava como verdade). Com base nesses postulados, autoridades e
leigos, ficaram obrigados a denunciar os hereges sob pena de confisco de suas
propriedades. Em 1199, o Papa Inocêncio 3º tipifica a heresia como crime de
lesa majestade, ou seja, um delito
contra a autoridade do monarca. Durante o pontificado de Inocêncio 3º as trevas
predominaram. Com um Exército de cerca de
trinta mil soldados, convocados por ele, dentre mercenários e vadios, o
sul da França foi invadido, instalando-se ali uma guerra que duraria quatro
décadas, morrendo um número inestimável de crianças e inocentes. Seu objetivo
era reconhecidamente político e não o de preservar a fé. Considera-se que foi
um dos Papas mais corruptos e voltados para os valores mundanos.
Posteriormente, em 1209, a História registra o
assassinato de 7.000 pessoas que foram queimadas vivas dentro de uma igreja
local, acusadas de heresia, na cidade de
Béziers, na França.
Mais adiante, o Papa Gregório IX, o mesmo que
canonizou Francisco de Assis, Santo Antonio de Pádua e São Domingos de Gusmão,
criou, em 1233, o Santo Ofício da Inquisição, através da Bula Licet ad
Capiendos, com o que pretendia reprimir as doutrinas heréticas, ou seja
qualquer movimento pensante que fosse
considerado afronta à visão oficial do
Catolicismo. Mediante essa Bula, Gregório confere aos dominicanos a tarefa de
erradicar a heresia. Do temido e sombrio documento, constou: “Onde quer que os
ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a
heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios
espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando,
em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição,
se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis".
Nascia ali, de forma institucionalizada e
escancarada, séculos de perseguição, interrogatórios e punições cruéis a quem
divergisse do pensamento religioso dominante, a temida Inquisição. Nesse mesmo
ano de 1233, Roberto el Bougre,
designado Inquisidor, promoveu saques e execuções em massa, e, após dois anos, foi promovido a responsável
pela Inquisição em toda a França. Em 1252, o Papa Inocêncio IV assinou a Bula
"Ad Extirpanda", que consagrou definitivamente o temido Tribunal
Eclesiástico da Inquisição, autorizando o uso da tortura e da barbárie. O Poder
institucional do Estado era obrigado a colaborar com esse Tribunal da Igreja.
Os inquisidores - pessoas encarregadas de investigar e denunciar os hereges –
desfrutavam de padrão cultural de excelência, pois eram doutores em Teologia,
Direito Canônico e Civil. Caso julgasse necessário, os inquisidores tinham o
poder de exigir que as autoridades civis, sob juramento, defendessem a Igreja
contra a maldade herética...
O padre Bernardo, jesuíta, foi um nome que muito
se destacou nessa ação inquisitorial inicial, por ser, como Inquisidor, na
Região francesa de Touluse, implacável com suas vítimas.
No início dos anos 1300, na pequenina aldeia de
Montaillon, no sul da França, vivia um povo que se cansava de pagar pesados
tributos e multas ao poder dominante da Igreja Católica. Por derradeiro, os
padres mais se preocupavam com a colheita de impostos do que outra coisa. Nesse
tempo a Igreja era considerada a guardiã da palavra de Deus. Em meio a esse
contexto, brotou uma semente reformista de reação, chamada catarismo, ou seja
um movimento religioso rebelde que foi imediatamente identificado pela Igreja
como herético. (Sobre os Cátaros o escritor espírita Hermínio Miranda escreveu
uma obra de grande sucesso editorial, denominado "Os Cátaros e a Igreja
Católica" – Editora Lachâtre).
O catarismo se espalhou, a ponto de ameaçar o
poder papal e nesse tempo qualquer afronta à Igreja era considerado um ataque
ao Governo que, por sua vez, protegia a
segurança dos Papas. Em Montaillon ficou muito conhecido um padre que se tornou
famoso na História por sua devassidão moral, pois escondia permanentes e
múltiplos amores nos recantos sombrios de sua paróquia sacerdotal. Padre Pierre
que vivia simpaticamente entre os Cátaros, um dia achou simplesmente, como
confidenciaria mais tarde, que estava perdendo seu poder sacerdotal na Região e
acabou traindo os habitantes da pequena aldeia, que tanto o estimavam, pois serviu de elo de comunicação para que a
impiedosa reação da Inquisição chegasse à Montaillon. Dezenas de famílias foram
condenadas e obrigadas a usar a cruz amarela que tanto denegria o usuário
condenado.
A ação sombria de Jaques Fournier na França
Em 1318, surge a figura sombria do padre Jacques
Fournier, que fora bem educado na Universidade de Paris, onde recebeu doutorado
em teologia, mas que, nem por isso, teria qualquer compaixão com quem
interpretasse o catolicismo diferente dele. Fournier acabou descobrindo que
Montaillon estava literalmente seduzida pelo pensamento herege e lá reabriu a
Inquisição. Intimou homens e mulheres aos interrogatórios cruéis. Os escribas
anotavam, com rigor, todos os depoimentos dos aldeões. A vida das pessoas era
invadida sem qualquer parcimônia. Beatrice, amante do padre Pierre, ficou
presa, à pão e água, na Torre da Aldeia.
E note-se que entre os Inquisidores de seu tempo,
Fournier foi considerado um dos mais complacentes, pois somente queimou cinco
hereges. Em 1327, esse Inquisidor se tornou Cardeal e, sete anos depois, foi
eleito Papa, tomando o nome de Bento XII. Sua obra maior: o suntuoso Grand
Palais.
Uma das vítimas de Fournier fora um coitado judeu
viajante , preso durante a noite sob os berros dos inquisidores: “sejam
batizados, ou mataremos imediatamente”. Claro, ele preferiu o batismo. Esse
judeu, inteligente e culto, fascinara
Fournier, com ele debatendo durante quase dois meses e tudo fazendo para
torná-lo cristão, mas o velho judeu preferiu permanecer como pensava. Fournier,
então, deu o ultimato. Converter-se, ou morrer, uma terrível palavra de ordem
que atravessou os séculos.
Em 1376, o
Inquisidor Nicolau Eymerich, formulou o
"Directorium Inquisitorum", que era o Manual dos Inquisidores, onde
constavam regras inenarráveis sob o ponto de vista de crueldade. O Manual
informava ao Inquisidor 50 artimanhas de que se valia o demônio para impedir o ato sexual, provocar impotência ou
ensejar praticas abortivas. De lá vieram inspirações as mais draconianas:
"És capaz de lembrar da tua confissão ontem, ou anteontem, sob tortura?
Então, agora, repete tudo com total liberdade". E a resposta era anotada.
Se o acusado não ratificasse a afirmação, era submetido a novas sessões de
tortura. As "bruxas", isto é, mulheres que não apresentavam boa
aparência, eram costumeiramente acusadas por todos os males que açoitavam a
Europa.
Em 1394, os padres já exigiam a conversão dos
judeus. No século XV, a comunidade
judaica vivia em guetos. Quando “convertidos”, passavam a incomodar os antigos
cristãos com seus prósperos negócios. Não havia quem entre os “convertidos” que
não fosse tomado de medo, pois temia sofrer qualquer tipo de discriminação e
violência.
O Santo Ofício na Espanha
Em 1478, os tempos já eram outros na Ibéria. A
Inquisição e suas filhas cruéis, a tortura e a morte, eram uma realidade na
Espanha, instituída por Bula do Papa Sixto IV.
O terror irradiava por todo canto e a tolerância desaparecera do cenário
espanhol. Fernando de Aragão e Isabel haviam se casado e, com isso, reuniram os
Reinos de Castella e Aragão. Eles não concordaram que a Inquisição espanhola
fosse administrada por Roma, pois nesse País os nomes eram apenas aprovados
pelo Papa, mas quem indicava era o monarca espanhol. Assim sendo, em 1483, Sixto IV nomeou o monge dominicano Tomás de
Torquemada para as funções de Inquisidor Mor de todos os territórios de
Fernando e Isabel. Esse dominicano era de uma crueldade sem limites. Estima-se
que ele torturou e condenou à fogueira aproximadamente dez mil pessoas.
Torquemada é considerado um dos grandes genocidas da Humanidade. Segundo fontes
históricas, o Papa Alexandre VI, pensou em destituí-lo de suas funções, mas
teria desistido por exclusiva consideração à corte espanhola.
O calvário da judia Cinta Cacavi e o assassinato
de um Inquisidor
A acusada, uma judia, fora denunciada por sete testemunhas. Era
considerada uma infiel. E, por isso, o inquisidor determinou sua tortura, que
era admitida como forma de obter confissão, desde que prevista pelo Manual da
Inquisição. Assim sendo, Cinta Cacavi foi queimada, com os pés amarrados, tendo
os inquisidores o cuidado de cobrir o crucifixo para “não assistir” (ou “não
ouvir”) os gritos de dor da sentenciada. A tortura foi tão cruel que a Corte
acabou ouvindo o que queria: “sou cristã”.
O clima de denuncismo imperava, com parentes e
vizinhos se acusando uns aos outros. Quando o fogo era aceso, tinha que arder
até que os judeus presentes estivessem todos mortos e não existisse mais
ninguém atacado pela “lepra da heresia”. Assim era o pensamento inquisitorial
dominante.
Em 1485, o inquisidor Pedro Arbus morreu
assassinado, justamente ele que fora declarado santo quatro séculos depois.
Pelo assassinato Arbus, depois de buscas e inquéritos implacáveis, mais de sessenta acusados foram condenados e
atirados à fogueira.
O caso do Frei dissidente Baldo Lupertino e do
Estudante de Pádua
A reação começava a se constituir espontaneamente.
O monge alemão Martín Lutero lançaria, mais em seguida, a Reforma Protestante,
desafiando o poder que emanava de Roma. O fascínio dos Papas pelos valores
transitórios do mundo e pela bonança financeira, indignavam o monge alemão. O
padre Baldo Lupertino, que era franciscano, também já demonstrava idéias independentes, que se
harmonizavam com os ideais de Lutero,
dizendo que o Papa era apenas o Pastor de sua própria Igreja. “Acredito
na verdade contida nas Escrituras, mas não na autoridade do Papa, que é um ser
humano como outro qualquer”.
Nesse tempo papas, cardeais e bispos viviam
cercados de luxo, mais preocupados em questões políticas e financeiras do que
nos verdadeiros valores espirituais.
Leão X assumira o seu Pontificado totalmente
seduzido pelos prazeres do mundo. “Uma vez que Deus nos conferiu o nosso
pontificado, vamos aproveitá-lo”, disse ele sem qualquer escrúpulo. Leão X
(1513/1521) dedicava seu tempo às artes, às festas, à caça e ao teatro. Sua
corte era abastecida por banquetes regados às melhores bebidas finas. As
delícias do mundo anestesiavam incontrolavelmente o poder daquele Pontífice.
Uma única preocupação marcaria seu reinado: a reforma da Catedral de São Pedro,
o projeto mais ambicioso de Leão X, que levaria a Igreja ao fundo do poço. Para
resolver a situação financeira difícil que criou, Leão X passou a vender
indulgências (perdão comprado pelos católicos medievais, que ficavam isentos
das penas temporais por pecados cometidos contra Deus).
A única providência desse Papa contra Lutero foi
simplesmente excomungá-lo, em 1521. Mas toda a devassidão moral que imperava na
Corte papal não era compartilhada pelo Bispo Giovanni Pietro Carafa, que fora
embaixador do Vaticano na Espanha, onde observou a eficiência da Inquisição
contra dissidentes, como Lutero. E passou,
em Roma, a sonhar com a mesma coisa. Assim sendo, Carafa passou a
liderar um grupo de monges que se voltaria contra Lutero e os inimigos da então
mais poderosa Religião da Terra.
Em 1529, a cidade de Veneza já estaria contaminada
pela disseminação da heresia protestante. O padre franciscano Baldo Lupertino
liderava a conspiração das idéias. Pregava para o público com independência, a
reforma, afirmando que ninguém precisava do clero para falar com Deus, pois
achava que esse contato deve ser direto. Sobre o sacramento da confissão,
dizia: “somente Deus perdoa e sem uma confissão sincera e arrependida a Ele, nenhuma confissão será válida, nem ao
Papa”. Por isso, esse prelado dissidente tornou-se o alvo da vingança do Bispo
Carafa. Por sua vez, outro reduto de hereges era a Universidade de Pádua,
próximo a Veneza, famosa pela liberdade das idéias e por seu primor acadêmico.
Não demorou muito e um participante da comunidade
denunciou Frei Lupertino em Roma. Nessa altura o Bispo Carafa já era Cardeal,
com grande prestígio no Vaticano. Valendo-se dessa condição, fez a cabeça do
Papa Paulo 3º, dizendo que era necessário exterminar a heresia protestante que
crescia incontrolavelmente. E seu remédio para salvar Roma e a Península
itálica não era outra: a Inquisição. E assim aconteceu com a construção de
câmaras de interrogatório e celas de prisão próprias dos processo
inquisitorial. Nem mesmo o pai de Carafa seria poupado, caso dele discordasse
na fé: “se ele se tornasse um herege, eu armaria a fogueira para dizimá-lo”,
dizia, sem escrúpulo, o impiedoso Cardeal. E a Inquisição tomava conta da
Península.
Em Veneza, o dissidente Frade Lupertino seria a primeira vítima do Cardeal Carafa. Preso,
foi levado ao Tribunal da Inquisição, em 1542, onde manteve as idéias
dissidentes que o fizeram réu. O enviado do Papa queria a execução exemplar do
acusado, amarrando-o na Praça de San Marco e queimando-o para que suas cinzas
fossem atiradas ao mar “pela honra e glória do Cristo”. Mas, para não ensejar
repercussão nos negócios da cidade, preferiu-se o aprisionamento de Frei
Lupertino por tempo indeterminado, permanecendo ele no cárcere por quatorze
anos, até que o Papa Paulo IV - nome que
o Cardeal Carafa assumiu ao ser eleito Pontífice – requereu a execução pública
do prelado, o que foi vetado pelas autoridades de Veneza, e, em conseqüência, o
padre acabou sendo atirado ao mar, às escondidas, na calada da noite, com uma
pedra amarrada ao pescoço.
Segundo confessou, “nem seu pai escaparia da
fogueira, caso fosse herege”.
Em 1555, o Inquisidor cardeal Carafa é, como dito
acima, proclamado Papa, com o nome de
Paulo IV. A Universidade de Pádua logo entrou na mira ensandecida do Pontífice,
que determinou a expulsão de todos os hereges. Um estudante de Direito, de
apenas 24 anos de idade, tornou-se também uma vítima derradeira, que bem
ilustra essa investida ação papal. Intimado,
o estudante compareceu ao Tribunal, onde manifestou em sua defesa o direito de
expressar livremente suas idéias, enquanto estudante universitário de Pádua. “A
Igreja se desvia da Verdade”, acusou ele, recusando-se a abjurar. Foi condenado
à prisão e, depois, executado publicamente na Piazza Navona, mergulhado num
barril de óleo fervendo, piche e água raz, onde sobreviveu por quinze minutos
sob sofrimento atroz.
As trevas da Inquisição em Portugal e no Brasil
A Inquisição foi instituída em Portugal no ano de
1536 e somente terminou em 1821. O primeiro auto-de-fé foi assinado em 20 de
setembro de 1540 na capital, Lisboa. Aproximadamente 70 mil portugueses foram
condenados pelo Tribunal do Santo Ofício. Destes, mais de trinta mil foram "purificados pelo fogo". Os
que não eram destinados à fogueira normalmente eram exportados para o Brasil-colônia, onde cumpriam pena.
Informam os historiadores que os Tribunais da
Inquisição nunca foram oficialmente instalados em terras brasileiras.
Entretanto, afirma-se que o clero detinha poderes inquisitoriais. Os vigários
fiscalizavam a população, informando para as autoridades eclesiásticas comportamentos considerados suspeitos de
heresia. Por sua vez, os bispos tinham autoridade para determinar prisões,
confiscar bens e transferir suspeitos de
heresia para julgamento em Lisboa. Segundo a historiadora Anita Novinsky, numa
entrevista que concedeu no Rio, “tivemos
um Tribunal do Santo Ofício, que atuou no Brasil durante 285 anos, sobre o qual
não conhecemos nada”.
A Inquisição na cruel perseguição aos judeus
Durante a atuação impiedosa do ex-cardeal Carafa,
depois Papa Paulo IV, considerava-se que “nenhum Tribunal trabalhava melhor
pela obra de Deus”, do que a Corte da
Inquisição.
Mas o fato é que Paulo IV também fora implacável com os judeus. A Bula papal que esse Pontífice emitiu, em 1555, instalou o desassossego e o pavor entre a
comunidade judaica, que passou a ser confinada em guetos, somente podendo sair
de lá com permissão especial. Milhares de manuscritos judaicos foram atirados à
fogueira. Qualquer livro hebraico estaria proibido. O Talmude (compilação de
leis judaicas) passou a ser considerado “livro perigoso”.
Mas como não há mal que não tenha fim, chegou o
dia 18 de agosto de 1559. Paulo IV se encontrava em seus últimos momentos no
Planeta. À meia-noite ele mandou chamar seus cardeais e a eles confiou o
prosseguimento da Santa Inquisição “em nome de Jesus Cristo”. Não obstante,
logo após seu último suspiro, a população de Roma invadiu eufórica as ruas da
Cidade Eterna para comemorar o fim do martírio imposto por aquele implacável
Pontífice. As prisões foram abertas e os condenados soltos.
Mas a sombra de Paulo IV ainda permaneceria viva por muito tempo, pois
deixara como seu legado uma lista de livros proibidos, que ficou conhecida como
Index Librorum Prohibitorum, (índice dos livros proibidos) criado “para evitar a corrupção dos fiéis”. E por
causa disso, os livros somente poderiam ser editados na Itália com aprovação
prévia. As idéias e informações eram restritas, mediante controle rígido do
pensamento.
Em 1606, quase toda a população de Veneza chegou a
ser excomungada pelo Papa, a evidenciar a expansão das doutrinas dissidentes.
Napoleão, o grande adversário da Inquisição
O Imperador francês Napoleão Bonaparte fora, com
efeito, o grande adversário dos papados inquisitoriais. Ele era o maior
defensor da separação entre a Igreja e o Estado. Ao conquistar o norte da
Itália, em 1796, Napoleão baixou atos determinando que os guetos judaicos
fossem imediatamente liberados e se tornassem livres. Em Madri, em 1808,
Napoleão extinguiu a Inquisição. Libertou homens e mulheres que estavam
acorrentadas, onde “só demônios poderiam gerar os instrumentos de tortura
encontrados”, como afirmou uma testemunha da época. Os documentos que
comprovavam os horrores da perseguição religiosa espanhola viriam a ser
examinados e organizados pelo Secretario Geral da Inquisição de Madri, servindo
de legítimo embasamento histórico.
Em 1810, os ideais de Napoleão no sentido de
submeter o poder papal a degradante humilhação estava próximo de tornar-se
realidade. Os documentos da Inquisição foram coletados, com ordem do Imperador
de seguir para Paris. Cerca de 3.000 caixotes contendo arquivos, sentenças, pronunciamentos
doutrinários e peças de interrogatório foram conduzidos para a capital da
França. Tais documentos eram a prova de que necessitava Napoleão para
desencantar os italianos diante da Igreja Católica e de seus Papados. Lá estava
o julgamento de Galileu com seu argumento impecável: “E se amanhã for
comprovado definitivamente que a Terra gira em torno do sol, como ficará a
posição atual da Igreja ?”
Mas o fato é que após a derrota de Napoleão veio a
reviravolta. Em 1814, na Espanha, quem acompanhou a França durante a ocupação
seria executado e os hereges teriam a língua perfurada por uma barra quente de
ferro, conforme anunciava a Corte. A vingança oficial grassava. Após a morte de
Napoleão, os Estados papais ainda mantiveram os horrores da Inquisição por mais quatro décadas.
O rumoroso caso do menino Edgardo Mortara que
precipitou o fim da Inquisição
O garoto Edgardo Mortara pertencia a uma família
judia e fora batizado secretamente por uma babá, à revelia dos pais. Os judeus
ainda viviam nessa época - a metade do
século XIX - em guetos e não lhes era
permitido freqüentar universidades, viajar, ou se relacionar com cristãos, tudo
segundo as leis do Santo Ofício. Em 24 de agosto de 1858, a polícia do Papa
seqüestrou o pequeno Edgardo Mortara porque ele se tornara “propriedade da
Igreja” visto que “uma norma papal fora descumprida”, segundo a justificativa
do Oficial responsável. O menino foi arrebatado da mão dos pais, passando o
Oficial condutor apenas um recibo, sem dizer para onde ele seria conduzido.
Nessa época eram comuns os seqüestros de crianças judiais pela polícia papal.
Depois de percorrer, em vão, uma longa via crucis, o pai do menino Momolo
Mortara teve seu apelo desesperado
atendido pelo Papa Pio IX e pode ver o filho, com restrições. Prometeram ao Sr.
Mortara o direito de viver com o filho se ele se “convertesse”. Mas Mortara
persistia em seu desespero. E não descansava, ganhando o caso espaço na
imprensa eletrônica do mundo, que estava
chegando.
O momento era grave para a História da Igreja,
pois o movimento pela unificação da Itália ganhava força. O Exercito austríaco,
que garantira a segurança do impérios papais durante dois séculos e meio,
viu-se obrigado a deixar a Itália. E a segurança de Pio IX e de sua Corte ficou
literalmente entregue à própria sorte.
Em 1860, o sacerdote inquisidor, padre Feletti,
que fora responsável pelo seqüestro do menino Edgardo Mortara, era preso pela
antiga polícia papal, agora fiel ao novo Governo civil. Feletti foi processado
por seu ato criminoso de seqüestro, mas, nem assim, o garoto foi devolvido. Pio IX, por sua vez, em carta
que endereçara ao jovem, tempos depois, diria, segundo registros históricos:
“Eu adquiri você em nome de Jesus Cristo, por um alto preço e ninguém
demonstrou preocupação comigo, pai de todos os fiéis...”
Em 1870, o Exercito italiano pôs fim aos reinos
papais, restringindo os domínios de Pio IX a 40 hectares de terra, onde estavam
os prédios do Vaticano. Não teria sido, pois, em vão que a Santa Sé relutou,
até 1929, para reconhecer a Itália como Estado soberano. E derradeiramente o
menino Mortara nunca mais voltaria para a família. Ele tentara insistentemente
convencer seu pai sobre “as verdades da Igreja”, tornando-se monge de uma
abadia belga, onde se entregou durante o resto de sua vida à oração e à
contemplação.
Se a Igreja Católica ganhara a batalha do menino
que seqüestrou das mãos dos pais, o mesmo não se poderia dizer a respeito da
rígida Doutrina que impôs como única e verdadeira do mundo, durante
aproximadamente quase 1000 anos. Os tempos novos chegaram e o mundo evoluiu,
não mais admitindo reinados religiosos que sejam considerados indevidamente
supremos donos da verdade.
E o fato é que o Santo Ofício da Inquisição, que no ano de 1908 foi transformado pela
Santa Sé em Congregação para a Doutrina da Fé, não mais ameaçaria a liberdade
de crença no mundo, hoje garantida por quase todas as Constituições dos Estados
modernos e livres. E, assim sendo, o ex-chefe desse Santo Ofício hoje
transformado, como dito, em Congregação
da Fé - o atual Papa Bento XVI - se
comprometeu a lutar pela união de todos os credos terrestres através do
Ecumenismo (união na convergência e respeito na divergência), um princípio
sagrado inaugurado pelo saudoso Pontífice João XXIII, o Papa que trouxe luzes sobre as trevas medievais.
E o Papa João Paulo 2º pediu “perdão a Deus e
desculpas ao mundo”
No ano de 2000, o falecido Papa João Paulo 2º,
falando como soberano Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, pediu
formalmente desculpas ao mundo num
evento penitencial solene e sincero. O Pontífice também pediu oficialmente
perdão a Deus, “em nome da Santa Igreja”, diante dos pecados cometidos pela
Instituição desde a sua fundação há dois
mil anos. E, mais adiante, João Paulo 2º pediria, também, desculpas ao mundo pelos “dramas relacionados com a Inquisição e
pelas feridas deixadas na memória”,
referindo-se à reminiscência coletiva
registrada depois daquele funesto e longo período histórico".
O gesto, sem precedentes na História da Igreja
Católica, ocorreu na Basílica de São
Pedro, em Roma, durante a Missa do primeiro domingo da Quaresma. Segundo a
imprensa da época, sete confissões de culpas foram formuladas por sete
dignitários da Cúria Romana, seguidas de sete pedidos de perdão pelo próprio Papa.
Também se registrou uma confissão
geral pelas culpas do passado e um
pedido formal de perdão pelos “erros cometidos a serviço da verdade por meio do
uso de métodos que não têm relação com a palavra do Senhor"; pela
separação dos cristãos; pelas perseguições impiedosas aos judeus; pelo
desrespeito às culturas e religiões de
todos os povos; e, finalmente, um mea culpa pelas longas e reconhecidas
violações dos direitos humanos..
"Porque, se perdoardes aos homens as suas
ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; 15 se, porém, não perdoardes
aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas
ofensas".(Mateus 6:14-15)
A posição do Espiritismo diante do pedido de
perdão do Papa
Entrevista com Jorge Andréa dos Santos: “Todo
pedido de perdão é um perdão e um grande começo”. A Revista Além da Vida foi
buscar no escritor, cientista e famoso expositor espírita, o médico psiquiatra
Jorge Andréa dos Santos, (90 anos) -
uma das maiores autoridades morais e intelectuais do Espiritismo - a síntese do que pensa a Religião codificada
por Allan Kardec sobre essa longa noite histórica de perseguição religiosa. E
Jorge Andréa concedeu a seguinte entrevista:
Revista Além da Vida - Sabemos que o Livro dos Espíritos, o primeiro
do chamado pentateuco kardequiano, foi incluído no Index
Librorum Prohibitorum”, (índice dos livros proibidos) criado ao tempo da Inquisição, como “obra
capaz de corromper os fiéis”. O Espiritismo aceita o pedido de perdão do Papa?
Jorge Andréa - Todo pedido de perdão é um perdão e
um grande começo para o equilíbrio das mentes. Este caminho nós não podemos nos
furtar e separar. Quem perdoa tem necessidade imensa de cobrir as dificuldades
pretéritas. A Doutrina Espírita, pelo seu grande movimento holístico, não
poderia deixar de apreciar esse pedido que faz parte da sua estrutura de
desenvolvimento pessoal, uma estrutura para o equilíbrio das mentes, para o
equilíbrio do homem, para o equilíbrio de uma sociedade. A Doutrina Espírita, que não se posiciona
contra qualquer fórmula religiosa, seja de que natureza for, tem naturalmente uma posição de equilíbrio
para sentir na comunidade de cada setor desses, de cada formulário religioso,
de sentir os seus limites e, mais do que isso, uma necessidade para um grupo
que ainda não atingiu o potencial holístico universal que a Doutrina Espírita
professa.
“Não importa de onde veio o ser humano e qual as
suas paragens. O que temos de considerar é o seu cabedal moral e intelectual”.
Revista Além da Vida - Considerando que os seres
humanos são os mesmos em todas as religiões, o senhor acredita que se o
Espiritismo tivesse ocupado o lugar da Igreja, há dois mil anos, como
Instituição religiosa organizada, estaria isento de qualquer culpa dessa
natureza?
Jorge Andréa -
É preciso considerar a evolução da sociedade nessas épocas. Conforme o
tipo de evolução, o homem poderia ser mais universal, ou menos universal e coibido pelo seu interior, pelas
suas necessidades pessoais, que devemos levar em conta no contexto da espécie
humana. Tanto isso é verdade, que existe uma multiplicidade de conceitos
religiosos pelo mundo, porque o homem é diferente, ainda não atingiu um patamar
daquilo que podemos dizer - da estrutura
da Doutrina Espírita - de irmandade.
Quando seremos irmãos realmente na Terra? Esses rótulos religiosos todos
desaparecerão, inclusive o próprio rótulo Espírita, uma vez que, de futuro,
teremos uma Religião – porque isso não pode deixar de existir - e que se vai chamar Fraternidade.
"A Religião precisa da Ciência para se
estabelecer com equilíbrio”.
Revista Além da Vida - Nossos maiores ídolos
Espíritas foram católicos: Francisco de Assis, Vicente de Paulo, Joanna de
Angelis, Teresa D'Ávila e por ai em diante. Como o senhor vê essa realidade?
Jorge Andréa – Tudo é uma questão de evolução. Não importa de onde veio o ser humano e qual
as suas paragens. O que temos de considerar é o seu cabedal moral e
intelectual. Vamos falar de Joanna de Angelis... Ela foi, segundo Hermínio Miranda, com sua grande visão, a Rainha
Nefertiti, mulher de Amenofis IV, da 19ª dinastia egípcia. Depois com a
vinda do Cristo, retornou como Joanna de Cusa, vivendo as dificuldades que os
cristãos da época passaram. Mais tarde, ela reencarna junto com Francisco de
Assis, que foi um dos apóstolos do Cristo (João evangelista). E ela volta como
Clara. Ela e Francisco sofreram, por assim dizer, um rebuliço intelectual,
religioso, afetivo, muito grande. Ela funda as Clarissas e ele a fraternidade
dos franciscanos. Depois não tenho mais notícia dele, mas ela volta, agora como
Joanna de Ângelis, que marcou presença na época de nossa Independência, na
Bahia, quando os portugueses invadiram o seu Convento e ela foi sacrificada por
um soldado. Reencarnou, ainda, como Juana de la Cruz, no México, que fez
jornadas fantásticas no movimento intelectual.
Então, não importa de onde ela veio, assim como não importa de onde veio
um Francisco de Assis. Importa que foi um Espírito que se formou não só no
intelecto, mas na moral, no amor e no amor através de grandes compromissos dolorosos,
com dores físicas. Clara e Francisco não recusaram a vida, mas ficaram distante
do processo normal de vida de todo mundo. Na sua característica, na sua
formação, vieram de degrau em degrau num processo altamente produtivo e
evolutivo. E isso é o que interessa e não a Religião a que pertenceram...
Revista além da Vida - A seu ver, o preconceito
religioso ainda prejudica a evolução da Ciência?
Jorge Andréa - Considero que sim, se bem que houve
uma abertura muito grande com Einstein, quando disse que a Ciência precisava da
religiosidade, ou da religião (ele falava de uma Religião Superior, não
rotulada), assim como a religião precisa da ciência para se estabelecer com
equilíbrio. E este casamento da ciência com a religião está se dando através da
Doutrina Espírita.
Revista Além da Vida - Disse certa vez um político, ironizando, que
“a lógica é a pior forma de convencimento”. Na sua avaliação esse princípio se
aplica, ainda que a contragosto, no contexto da concepção religiosa, já
que as provas científicas de fenômenos
espíritas (reencarnação e comunicação) ainda não conquistam as massas mundiais?
Jorge Andréa – O Espiritismo tem apenas 150 anos.
Não é nada. Somos a Nação mais Espírita do mundo. Porém, somos apenas 6
milhões, incluindo simpatizantes. Para onde vamos caminhar? Claro que será
sempre num processo de evolução. No dia em que a ciência colocar o Espírito
dentro das células, como fica isso? Os processos religiosos vão entrar em ritmo de acomodação. Não estranharei se
amanhã os grupamentos protestantes e católicos vierem a colocar o processo de
reencarnação em substituição ao de ressurreição...
Revista Além da Vida - Qual o papel do Espiritismo
no futuro das Religiões?
Jorge Andréa - É de totalidade. O Espiritismo vai
dar uma abertura muito grande. Estará
presente 24 horas. Só se vai trabalhar para o bem. No mundo, só vai
preponderar o amor. Os indivíduos se entenderão. As guerras fratricidas vão desaparecer. Os
movimentos telúricos se abrandarão. Quem sabe se esses movimentos telúricos de
hoje não tem correlação com a massa
imensa de pensamentos negativos. Somos uma tônica vibratória do universo. Cada
indivíduo tem sua faixa, mas a comunidade humana tem uma faixa geral de
irradiação. 6 bilhões de indivíduos irradiando. 18 bilhões de Espíritos do lado
de lá, presos na atmosfera terrestre, irradiando. Como fica isso? No dia em que
o homem tiver a irmandade que ele precisa alcançar, tenho a impressão que a
vida na Terra abrirá um conceito fantástico da ciência. O trabalho não será
mais esta obsessão de hoje. Todo mundo vai trabalhar com calma, com horas de
lazer, de música, de literatura. E dentro desse contexto o Espiritismo estará
irradiando o tempo todo, em todas as direções religiosas. E nesse sentido
dizemos que o Espiritismo não será a Religião do futuro, mas o futuro das
Religiões.
Recordar
para não repetir nunca mais
- A
inquisição é um fato histórico, que deve ser considerado antes de seu aspecto
religioso. E, por isso, pertence ao mundo, não podendo ser privilégio de
arquivos secretos, ou de gavetas privativas, pois faz parte da própria história
da humanidade, do homem e de seu aprendizado na trajetória evolutiva do
tempo. As páginas da história, se não servem para outra coisa, se bastam pelo
que nos ensinam a não fazer e pelo que nos impelem a realizar em prol da
construção do homem e do mundo. Recordar é, pois, refletir, para nunca mais
repetir.
Link:
http://www.jornaldosespiritos.com/2008/alem%282%29.htm
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