Autoridade
Uma das
definições de autoridade é: “Direito ou
poder de mandar”. [1]
Todo agrupamento social – uma nação,
cidade, empresa, um grupo familiar, a própria Casa Espírita... – necessita de
um líder que exerça o poder com a finalidade de organizá-lo, dirigi-lo e
mantê-lo.
Porém, não é tão raro que o direito
de mandar fascine aquele que o possui, distorcendo sua capacidade de pensar e
agir, porque esse deslumbre faz com que o “poderoso”, intimamente, se coloque
num pedestal e olhe, de cima para baixo, todos aqueles que dele dependem.
Analisando, historicamente, o uso da
autoridade, por muito tempo prevaleceu na sociedade humana - salvo algumas
exceções atuais - o exercício do poder contra a igualdade e a justiça, para a
subordinação de indivíduos e povos. Ocorreram, então, os mais variados
desmandos através da tirania e da opressão.
E isso porque as diretrizes sociais eram determinadas pelo indivíduo ou
pelo povo mais forte, que estabelecia as regras em função dos próprios interesses.
Aos menos fortes, não restava outra alternativa senão obedecer. O que vigorava,
portanto, era a autoridade caracterizada pelo comando absoluto e a obediência
irrestrita. Quem liderava não prestava contas senão aos seus superiores, se os
tivesse, e sempre tinha a razão perante os seus inferiores. Era o
autoritarismo, o despotismo ou o absolutismo.
O inconveniente, porém, é que, ainda
hoje, prevalece esse tipo de comportamento em certas criaturas. Em seu
desequilíbrio e “sede” de poder, impõem ordens e regras que, obedecidas
passivamente, lhes trazem um enorme prazer e satisfação. Mas, em virtude do
medo de perderem o respeito, acreditam que precisam ser temidas. E, para
sustentarem o seu status de “poderosa”, costumam adotar uma postura
fria, rígida, arrogante, altiva, ameaçadora, intransigente, intimidativa,
enfim, de total desrespeito à pessoa do outro.
Compreensível se torna, assim, a
diferença entre a autoridade e o autoritarismo. A autoridade é a liderança
necessária, na qual se exerce o poder com o objetivo de gerenciar – organizar,
conduzir – o desenvolvimento e a harmonia do grupo. O autoritarismo se
caracteriza pela tirania e opressão, em que se pratica o comando com fins
egoísticos.
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Na questão 684 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Allan Kardec
pergunta: “Que se deve pensar dos
que abusam de sua autoridade, impondo a seus inferiores excessivo trabalho (afazeres,
tarefas e exigências)?”
Resposta: “Isso é uma das piores
ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável pelo excesso de
trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a
lei de Deus.” [2]
E essa subordinação da autoridade
terrestre perante uma autoridade maior encontra-se enfaticamente ilustrada por
uma passagem da vida do Cristo (Jo 19:10-11).
Diante de seu julgamento, Pilatos
diz a Jesus: "Não sabes que tenho
autoridade para te soltar e autoridade para crucificar?". E o Cristo
lhe responde: "Nenhuma autoridade
teríeis sobre mim, se de cima não te fosse dada.” [3]
O próprio conceito de autoridade
diverge nos dois casos. Para Pilatos e para o mundo, a autoridade é o Estado, o
Chefe, o grupo que detém a força, faz as leis e impõe a ordem social. Mas, para
Jesus, esta é uma autoridade secundária, porque a que comanda realmente é a
autoridade da Lei de Deus, à qual todos estão igualmente sujeitos e que se
serve da autoridade humana como um instrumento. Ou seja, a verdadeira
autoridade não pertence aos indivíduos.
Elucida o Espírito Emmanuel: “É justo, porém, salientar que a fortuna ou
a autoridade são bens que detemos provisoriamente na marcha comum e que, nos
fundamentos substanciais da vida, não nos pertencem.” [4]
A autoridade de Pilatos realmente
era grande. O destino dos homens, da região sob sua jurisdição, estava de fato
em suas mãos. Ele tinha pleno poder não apenas para governar a Judéia, mas para
atuar como um grande pretor, ou seja, um juiz que julgava os homens segundo o
direito romano. Para pequenas causas, designava outros pretores, mas as grandes
eram julgadas por ele mesmo. No caso em questão, esperava intimidar o condenado
com sua autoridade. Porém, Jesus o chocou, afirmando que esta não vinha de
Roma, mas do Alto. O Cristo até reconheceu a autoridade terrena de Pilatos, mas
não deixou de ressaltar que existe um poder no universo do qual emanam todos os
outros poderes.
Sendo assim, podemos afirmar que,
através de Jesus, Deus estava ensinando aos homens que o poder mundano vale bem
pouco diante de Suas determinações, e que o mais simples e humilde dos homens
pode ser aquele de que Ele se utiliza como Seu mensageiro.
Portanto, perante as leis de Deus, o
poder terrestre, seja ele exercido na área que for, é temporariamente
permitido. E o que é permitido, um dia, será cobrado. É este o ensinamento que
nos traz o EVANGELHO SEGUNDO O
ESPIRITISMO:
A
autoridade, da mesma forma que a fortuna, é uma delegação da qual serão pedidas
contas àquele que dela se acha investido; não creiais que lhe ela lhe seja ela
dada para lhe proporcionar o vão prazer de comandar; nem, assim como o creem
falsamente a maioria dos poderosos da Terra, como um direito, uma propriedade.
Deus, entretanto, lhes prova suficientemente que não é nem uma nem outra coisa,
uma vez que lhas retira quando isso lhe apraz. Se fosse um privilégio ligado à
sua pessoa, ela seria inalienável. Ninguém pode, pois, dizer que uma coisa lhe
pertence, quando lhe pode ser tirada sem seu consentimento. Deus dá a
autoridade a título de missão ou de prova quando isso lhe convém, e a retira da
mesma forma.
Todo
aquele que é depositário da autoridade, de qualquer extensão que ela seja,
desde o senhor sobre seu servo até o soberano sobre seu povo, não deve se
dissimular que tem encargo de almas; ele responderá pela boa ou má direção que
tiver dados aos seus subordinados, e as faltas que estes poderão cometer, os
vícios a que serão arrastados, em consequência dessa direção ou de maus exemplos recairão sobre ele, enquanto que recolherá os frutos da sua solicitude
para conduzi-los ao bem. .
(...)
Ele (Deus) perguntará àquele que possui uma autoridade
qualquer: Que uso fizeste dessa autoridade? Que mal detiveste? Que progresso
fizeste? Se eu te dei subordinados não foi para fazer deles escravos da tua
vontade, nem os instrumentos dóceis de teus caprichos e de tua cupidez; eu te
fiz forte e confiei-te, e te confiei os fracos para os sustentar e os ajudar a
subir até mim.
O
superior, que está compenetrado das palavras do Cristo, não despreza a nenhum
daqueles que estão abaixo de si, porque sabe que as distinções sociais nada
instituem diante de Deus. [5]
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No entanto, existem muitos tipos de
poder: o físico, o político, o financeiro, o intelectual, o pessoal, o
espiritual, o moral...
Embora algumas pessoas o busquem em
muitas de suas formas e expressões, Jesus só estava interessado naquele que não
se impõe pelas circunstâncias ou à força, mas conquista-se. Esse é o verdadeiro
poder, porque perdura.
E o Cristo possuía um poder pessoal
bastante intenso, porque influenciava as pessoas pela sua autoridade moral –
porque fundamentada no exemplo – e pela sabedoria de que era portador. Detinha
a capacidade única de transmitir confiança, sem ser confundido com um homem
arrogante com necessidade de exercer controle sobre os demais.
O
EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO nos traz mais essas considerações sobre
aquele que usa de sua autoridade para contribuir com o desenvolvimento alheio:
Se
a ordem social colocou homens sob a sua dependência, ele os trata com bondade e
benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa de sua autoridade para erguer
lhes o moral e não para os esmagar com o seu orgulho; evita tudo o que poderia
tornar a sua posição subalterna mais penosa. [6]
Esse é o uso da autoridade de forma
produtiva, eficiente e respeitosa, porque firmeza, disciplina e ordem não são
sinônimos de ditadura. A pessoa que comanda – ou manda –, necessita construir a
sua autoridade e poder de forma a se tornar, pelo seu modo de ser e de agir,
uma positiva referência aos demais. Ou, segundo as palavras do próprio O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO: “O homem não procura se elevar acima do
homem, mas acima de si mesmo, aperfeiçoando-se.” [7]
É fácil de testar se estamos na
presença de uma pessoa com verdadeiro poder pessoal. Diante dela não nos
sentimos diminuídos ou intimidados, mas à vontade para nos mostrarmos quem
realmente somos, no que acreditamos, que sentimentos alimentamos, na certeza de
que não seremos criticados ou menosprezados em seu julgamento. Era isso o
ocorria com Jesus! Ele não precisava que os outros se diminuíssem em sua
presença; pelo contrário, eram as pessoas que se sentiam agraciadas e
agradecidas em seu contato com ele.
Com a Doutrina Espírita, podemos
aprender que, perante a eternidade, a única força que tem real valor é a
autoridade moral do Espírito, caracterizada pelo equilíbrio e elevação consciências.
Imagem: Marco A. C. Neves
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