Perante os Hipócritas
Será que
devemos nos omitir ante o erro da hipocrisia? Será que neste mundo, por não ser
perfeito, o homem não pode se queixar de alguém? O que dizem os Espíritos a
esse respeito, à luz da sua Doutrina, sabedores de que Jesus recomendara o “não
julgueis a fim de que não sejais julgados”? Disse ainda aos escribas e
fariseus: “Aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra”, quando do
episódio da mulher adúltera (João, 8:3-11). (1)
Graças aos
Espíritos, podemos entender o que quis dizer Jesus nas mencionadas frases, do
seguinte modo: ao nos queixarmos do próximo, ao difundir suas falhas, impomos a
nós próprios o dever de nos mostrarmos e nos mantermos condignos do mérito que
julgamos possuir. Quem aponta os defeitos de alguém tem de necessariamente possuir
mais virtudes que ele, embora neste mundo seja difícil alguém possuir todas as
qualidades morais no mais alto grau da escala de valores espirituais.
É claro!
Nosso planeta, como todo espírita sabe, não passa de um sítio de provas e
expiações que, segundo o Amigo Espiritual, Irmão Tupinambá, um dos Mentores da
nossa Casa, a Feap (Fraternidade Espírita Aurora da Paz), “é um imenso hospital
onde um enfermo costuma criticar a doença do outro”... Entendam-se aqui por
enfermos os doentes da alma. Doentes não são só aqueles que sofrem dos males do
corpo físico, e uma das maiores doenças daqui é a de não só ver as falhas
alheias, mas a de torná-las públicas pelo simples prazer de divulgá-las; é a
conhecida fofocagem, ou intriga, ou bisbilhotice que costuma denegrir
reputações.
Um grande defeito
No décimo
capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo,
item 10, lê-se: “Um dos defeitos da Humanidade é ver o mal de outrem
antes de vê-lo em nós”. “Para julgar-se a si mesmo, seria preciso poder
olhar-se num espelho, transportar-se de alguma forma, para fora de si, e se
considerar como uma outra pessoa, perguntando-se: Que pensaria eu se visse
alguém fazer o que faço?”, comentou
Allan Kardec.
É... Mas, às
vezes, temos mesmo obrigação de apontar a falta alheia. Consultando ainda este
guia seguro, O Evangelho, encontramos uma
outra mensagem, a do Espírito
São Luís, no mesmo capítulo, item 19. Diz S. Luís que
todos temos o direito de repreender o próximo, uma vez que cada um deve
trabalhar para o progresso coletivo; no entanto, afirma: “Repreender com
moderação, com um fim útil, e não como se faz, geralmente, pelo gosto de
denegrir”. Conforme o Mentor de Kardec, deve-se corrigir o mal no próximo, mas
com bastante prudência, objetivando ajudar para não acarretar prejuízos a
terceiros. Devemos repreender, mas com moderação, de acordo com o Mentor.
Então é um
dever desmascarar o hipócrita antes que possa causar danos a muitos? Sim! O
espírita sincero jamais contemporizará com a manifestação das falsas virtudes,
exercendo ele próprio o decoro em quaisquer momentos da sua vida, honrando
compromissos com os seus irmãos e, principalmente, com aqueles mais próximos,
consoante ensinamentos de Jesus.
O Mestre não
transigiu em tempo algum com a hipocrisia. A prova é tanta que usou de todo o
rigor com os escribas e fariseus, considerando-os modelo de hipócritas. (2)
Apesar disso, Jesus foi indulgente com as “pessoas de má vida”, com o “bom
ladrão”, especialmente com aqueles que O insultaram, condenaram na cruz, dando
a entender que ser hipócrita é pior que ser criminoso, que ser adúltero.
Somente para os outros
Hipócritas
mostram-se, em geral, afáveis, com voz macia, parecendo evoluídos, capazes de
transmitir grandes ensinamentos de púlpito para os seus iludidos circunstantes.
São adeptos daquele conhecido princípio: “Faze o que eu mando, mas não faças o
que eu faço”, quer dizer, perdão, fraternidade, igualdade, caridade, humildade
e decência são somente para outros... Sim, suas pretensões os enceguecem de uma
forma tal que, no momento em que levantam a voz, transformam-se em talentosos
atores ou atrizes, a ponto de representarem um personagem imaculado, de uma
impressionante e comovente dramaticidade.
Dividamos
agora os hipócritas em duas categorias. Dividamo-los em duas categorias
distintas: (a) hipócritas-egoístas; (b) hipócritas-vaidosos. Os da categoria a,
os egoístas, são uma espécie de impostor que “gosta de levar vantagem em tudo”,
aproveitam-se da sua farsa para satisfazer seus egoísticos interesses mundanos.
Os da categoria b, isto é, os vaidosos, são aqueles que desejam mais, a
qualquer custo, merecer a admiração de todos, o destaque, o brilho, tendo todo
o cuidado de aparentar desinteresse, modéstia.
Não é fácil
desmascarar estes últimos. Diferentes dos da categoria a que, se descobertos,
não dão a mínima para o que pensem deles, estes últimos, ocultos atrás da
máscara da pseudomodéstia, fazem-se de vítima. Só pessoas de uma certa
maturidade do senso moral é que têm mais facilidade de entender-lhes os
propósitos, de divisar-lhes a arrogância maquiada de simplicidade. Pois é, os
dessa categoria são os hipócritas dos hipócritas, os mais difíceis de acusar o
fundo das intenções. Ao contrário dos da
categoria a, se revelados, não poupam esforços para revertério de um quadro
desfavorável como se o destino os tivesse feito sucumbir a uma grande e injusta
tragédia. (Esta categoria, de algum modo, tem muito a ver com os antigos
escribas e fariseus, os que tinham Jesus por inimigo.)
Vale
ressaltar, no entanto, que tais qualidades podem até se resumir em uma ou em
outra categoria, sendo ambas as espécies de hipócritas por demais parecidas.
Esforçando-se por realizar obras benemerentes, eles têm boas palavras, frases
que impressionam para que os outros pensem que são realmente bonzinhos,
caridosos, justos e acima de qualquer suspeita. No íntimo, num ou noutro caso,
eles sempre ambicionam algo... Os hipócritas não passam de pessoas sem nenhuma
seriedade e, de contínuo, não têm palavra, é claro, como todo bom impostor que
se preze. Ainda que ajudem asilos, hospitais, os pobres com a cesta básica, o
agasalho, a cadeira de rodas, o enxoval de bebê da mãe solteira etc., no fundo,
vivem de uma impostura.
Concluindo:
temos de combater o mal, sim, sem, contudo, oprimir, esmagar quem o pratica,
caso contrário estaremos automaticamente a incorrer em contradição. O bom senso
manda admoestar sem difamar para não expandir sentimentos de vingança, mesmo
que alguém tenha feito por onde. Hipócritas de qualquer setor humano, sobretudo
o religioso, podem iludir os homens; todavia, jamais a Deus que tudo vê e sabe
o que se passa no fundo do coração de cada um de nós. É pela árvore que se
conhece os frutos...
Notas:
(1) Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, 62. ed.
São Paulo, Lake — Livraria Allan Kardec Editora, 2001, capítulo 10ọ, item 11 a
13.
(2) Do jeito como andam as coisas no âmbito das religiões e
seitas ocidentais, é muito provável que, se Jesus voltasse mesmo ao mundo como
esperam escribas, fariseus e saduceus de hoje que, por ironia do destino, se
intitularam “cristãos”, com certeza, Ele seria muito mais severo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário