A VITÓRIA SOBRE NÓS MESMOS
Muita gente
supõe que todos aqueles que pregam a Doutrina, nas tribunas e nos jornais, são
mestres ou criaturas tocadas de infalibilidade. Tal não acontece, entretanto.
São geralmente viajores comuns, lutando, como nós, pela reabilitação. A
responsabilidade desses pregadores é bem maior e bem mais pesada a sua cruz, se
não souberem ou não puderem exemplificar, pelo menos tanto quanto suas
imperfeições e deficiências o permitirem, as lições de que são incumbidos pelo
Alto de transmitir. Assim, quanto mais fraca for a exemplificação, mais
sensível é a prova da fraqueza espiritual. O que se deve exigir, além da
Doutrina exemplificada, é a sinceridade do trabalho.
Se fôssemos
perfeitos, infalíveis, integrais na exemplificação doutrinária, seríamos já
verdadeiros discípulos do Cristo. Mas, pobres de nós! Estamos seguindo a mesma
trilha de todos aqueles que desejam progredir e que por isto mesmo tentam,
caindo e levantando dia-a-dia, acertando hoje, errando amanhã e procurando
sempre corrigir-se, tentam, repetimos, superar as dificuldades criadas por sua
própria carência espiritual.
Um médium,
seja de maior ou menor experiência, é sempre um médium, isto é, sempre, e sempre
sujeito a provas e provações que podem surgir de muitas formas e em condições
diversas e imprevisíveis.
E justamente
pode acontecer-nos e acontece sofrermos uma espécie de obnubilação mental,
quando, em certos momentos graves de testemunho decisivo, não chegamos a
enxergar o precipício que se escaneara diante de nós, pronto a engolir-nos,
destruindo animadores esforços despendidos com sacrifício e coragem.
Há ocasiões
em que, devido a essas falências intermitentes, que reclamam maior vigilância,
bem o sabemos, severos irrmãos, também falíveis como nós, tanto que nos
censuram acremente por havermos caído, usam de frases candentes, avançam
críticas profundas, que, no fim de contas, acabam por nivelar os nossos erros
aos que eles cometem, na suposição de que nos estão dando oportunidade para uma
reabilitação. Semelhantes atitudes servem para evidenciar que todos estamos
sujeitos a falir.
Não faz
muito tempo, ouvimos - e procuramos aceitar com humildade a reprimenda - que
cometemos erros por não estarem ainda amadurecidos os nossos cabelos brancos.
Há na frase o sentido claro e insofismável, que aprendemos logo, de que, embora
avançados em anos, continuamos atrasados na rota que empreendemos pela
redenção. Acreditamos que isso seja verdade. Aceitamos a censura e procuraremos
transformá-la, um dia, se possível, numa "escada de Jacob", nas
diuturnas tentativas para trocar a poeira da vulgaridade pelo céu da sublimação
espiritual. Até lá, porém, de quantas encarnações precisaremos, fracos, falhos,
incapazes, viciados e inúteis, como somos?
Não se pode
julgar uma criatura humana pelo tempo fisiológico da sua presença física neste
planeta. O que vale é o "tempo espiritual". Muitas vezes um ser
humano jovem possui maturidade espiritual que um bem mais idoso não pôde ainda
alcançar. É até possível estejamos nesse caso.
Os fatos que
marcam a existência humana nem sempre se armam simplesmente na Terra. Na grande
maioria dos casos, as tramas são feitas no mundo invisível, quase sempre com a
aquiescência de todos os seus participantes. Como deconhecemos ou esquecemos
esse valioso pormenor, deixamo-nos levar por causas aparentes e incidimos em
erros que, depois, com a meditação, identificamos tardiamente e deploramos.
Quando se
diz que devemos "contar até dez" antes de tomar uma atitude séria, é
para que o nosso espírito possa "esfriar", dominando o "respeito
humano", e vestir-se com a clâmide da serenidade, de modo a suportar com
paciência as incitações por atos ou palavras, evitando, assim, conseqüências
que posteriormente lamentaremos. Eis aí quando a humildade se faz necessária.
Temos errado muitas vezes porque ainda não sabemos ser humildes no momento
azado. Tememos o julgamento dos nossos semelhantes e reagimos. Reagindo,
ficamos à mercê de sentimentos que desejamos sufocar, sentimentos que podem ser
explorados pela treva. Esses sentimentos, contidos durante longo tempo,
encontram numa brecha o caminho da fuga. E ocorre o inevitável que a reflexão
teria evitado. É como acontece com o recipiente cheio de gás. Se suas paredes
são fortes e podem resistir à pressão progressiva do gás acumulado, tudo está
bem, desde que não ajamos com imprudência. Mas, se houver uma frincha no
recipiente, o gás se expande a pouco e pouco, até que a sua pressão transforme
a insignificante rachadura numa fratura completa. Desde que as paredes do
recipiente sejam frágeis, o resultado será pior: ocorrerá a explosão violenta
com resultados irremediáveis para quantos delas se achem próximos.
Não raro, em
nossos solilóquios, nos perguntamos: quando deixaremos de ser, espiritualmente,
um Sísifo, levando sempre, ladeira acima, a grande pedra das nossas
imperfeições, sem que ela se detenha lá e volte a rolar para baixo, eternizando
a nossa ingente e dolorosa tarefa de reconduzi-la ao ponto de onde caiu?
Quantas encarnações necessárias ainda a esse trabalho tremendo? Deus o sabe. No
fim de tudo, o que nos falta é mesma humildade. Pelo menos a humildade
necessária nos momentos cruciais da vida. E é tão difícil adquiri-la! O que às
vezes nos parece humildade nada mais é, com certeza, do que inconsciente
simulação. Tal como acontece a certos médiuns, que se iludem com o
"animismo", sucede com a maior parte de todos nós: somos
"humildes" quando tudo vai bem, mas não somos humildes quando nos
vemos envolvidos pelos conflitos do mundo, e a nossa vaidade, ou orgulho,
porque ambas as deficiências se confundem, nos torna cegos e obtusos. Tudo que
aqui está na primeira pessoa do plural é para ser lido como sendo na primeira
pessoa do singular ...
Graças a
esse par maléfico - Orgulho-Vaidade, muita coisa desagradável acontece, por
nossa iniciativa ou por iniciativa de outrem, sem que tenhamos podido imunizar
o nosso espírito com a humildade sincera.
Estão em
"O Evangelho segundo o Espiritismo", essa obra admirável,
eminentemente cristã, que podemos considerar, com justa propriedade, "o
livro branco do Cristianismo redivivo", estas palavras de uma comunicação
mediúnica de Adolfo, bispo de Argel, em Marmande, 1862: "A humildade é
virtude muito esquecida entre vós. Bem pouco seguidos são os exemplos que dela
se vos têm dado. Entretanto, sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso
próximo? Oh! não, pois que este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que
todos são irmãos, que se devem auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a
humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis
um vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos d'Aquele
que nos salvou; lembrai-vos da sua humildade, que tão grande o fez, colocando-o
acima de todos os profetas."
Que fazer?
Somos como aquele homem cheio de entusiasmo e disposição, que se julgava apto a
alcançar a outra margem de um rio, fiado apenas no seu desejo de consumar a
proeza. Mas experimentava a força da correnteza e compreendia que a sua
capacidade natatória era ainda insuficiente. Lançava-se de novo à água, mais
tarde, tentava dominá-la, porém logo se via impotente para prosseguir. Mas
nunca deixou de fazer tentativas. A cada uma delas, avançava mais um pouco.
Algum dia, sem dúvida alguma, logrará seu intento.
Então,
conhecerá a alegria de uma vitória que somente dependerá dele, que somente ele
poderá alcançar. Quando assim for, seu coração vibrará de júbilo, seus olhos se
encherão das lágrimas da alegria e ele poderá exclamar, erguendo os braços para
o alto:
- Estou
salvo!
Indalício Mendes
Link:http://www.acasadoespiritismo.com.br/virtudes/a%20vitoria%20sobre%20nos%20mesmos.ht
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