Ambição
O
indivíduo ambicioso consegue satisfazer-se com aquilo que já conseguiu
conquistar? Segundo o que se encontra registrado nos evangelhos, Jesus condenou
a ambição? O desapego do consumismo e do materialismo pode mostrar-se saudável
à nossa saúde íntima? Se direcionássemos com maior equilíbrio nossos impulsos
ambiciosos, poderiam eles ser-nos bastante úteis?
Devendo o homem progredir, os males, aos quais está
exposto, são um estimulante para o exercício da sua inteligência, de todas as
suas faculdades, físicas e morais, iniciando-o na pesquisa dos meios para deles
subtrair-se. Se ele nada houvesse de temer, nenhuma necessidade o levaria à
procura dos meios, seu espírito se entorpeceria na inatividade; não inventaria
nada e não descobriria nada.
Mas os mais numerosos
males são aqueles que o homem cria para si mesmo, pelos seus próprios vícios,
aqueles que provêm de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua
cupidez, de seus excessos em todas as coisa; aí está a causa das guerras e das
calamidades que elas arrastam, dissenções, injustiças, opressão do fraco
pelo forte, enfim, a maioria das doenças. [1]
Como qualquer outro animal, o ser humano luta, com
todas as suas forças e possibilidades, pela garantia e manutenção de sua vida.
Os inúmeros desafios que necessita enfrentar e superar são, dessa forma, os
grandes impulsionadores de suas aptidões e potencialidades. E, à medida que as
suas melhores aspirações encontram a devida realização, mais concreta se torna
a sua evolução.
No entanto, em alguns indivíduos, em virtude de a
vida financeira representar o grande propósito de sua existência, seu anseio de
crescimento é voltado, quase que exclusivamente, para a conquista de recursos
materiais, de poder e de prestígio social. Na ânsia de tudo possuir e
impulsionados pelo lema “custe o que custar”, deixam de perceber as injustiças
que praticam e as inimizades que angariam.
Muito embora seja de capital importância que se
busque a estabilidade financeira e o conforto material, e que se aprenda a usar
positivamente o dinheiro, ser bem sucedido e feliz nem sempre depende do fato
de se conseguir coisas, mas, quantas vezes, em saber desapegar-se delas!
Destacando a problemática da ambição, Allan Kardec,
em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, anota:
As vicissitudes da vida
são de duas espécies, ou, se assim se quer, têm fontes bem diferentes que
importa distinguir: umas têm sua causa na vida presente, outras, fora dela.
Remontando-se à fonte
dos males terrestres, se reconhecerá que muitos são a consequência natural do
caráter e da conduta daqueles que o suportam.
Quantos homens caem por
suas próprias faltas! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho
e de sua ambição! [2]
****
No tocante à ambição, uma realidade necessita ser
destacada: o ambicioso raramente se satisfaz com aquilo que já conquistou. Ao
contrário, está sempre em busca do que ainda lhe falta, porque o muito tende a
tornar-se pouco quando não existem limites para o querer e para o desejar.
Entre aqueles que conseguiram riquezas, por exemplo, não lhes bastam os bens
acumulados, mas, por pura vaidade, necessitam tornar-se a pessoa mais rica e
influente de seu ambiente social.
O Espírito Hammed, enfatizando que, nas ambições
sem limites, toda frustração decorrente do querer e não poder realizar,
inevitavelmente gera conflito íntimo, alerta:
Abrir a alma à ambição é
fechá-la à serenidade, porquanto a ambição que se alimenta é presa inútil ao
coração. Cultivá-la é o mesmo que guardar espinhos na própria intimidade. Diz o
ditado popular: “Tudo falta a quem tudo quer”. Em razão disso, o ganancioso não
possui bens, mas é dominado por eles. A ambição produz mais insatisfeitos por
não conquistarem as coisas, do que saciados com o que possuem. A cobiça não
ouve a razão nem o bom senso; nela, o desejo ardente sempre reaparece quando já
deveria ter acabado. [3]
É a ambição desmedida e o apego às coisas
exclusivamente materiais que, de fato, infelicitam o ser humano. Por outro
lado, quando aprendemos, enfim, a nos desapegar do consumismo e do
materialismo, mais nossa condição íntima nos possibilita uma existência sem
grandes sacrifícios e inquietações. Libertar-se, portanto, da ambição de tudo
possuir ou de tudo conquistar nos permite um melhor direcionamento da própria
energia, sobretudo para as questões do espírito, porque queiramos admitir ou
não, somos, de fato, seres espirituais que nos encontramos temporariamente
vivendo nesse planeta.
Abordando a desarmonia que a ambição desmedida
provoca nos relacionamentos, o Espírito Joanna de Angelis enfatiza:
A ânsia, porém, que
domina as criaturas humanas, em favor da posse, do destaque político ou social,
religioso ou artístico, científico ou cultural, estético ou afetivo, responde
por verdadeiros desastres interiores, que se apresentam como depressões,
agressividade, violência, lutas contínuas, homicídios e suicídios lamentáveis.
Fossem consideradas
essas ambições de maneira tranquila, como sendo recursos utilizáveis quando
oportuno, direcionando-as para metas verdadeiras, valeria o esforço envidado.
Nada obstante, em face
da impermanência de que se constituem, envolvem o ser humano em uma sofreguidão
que o alucina, empurrando-o, de maneira devastadora, a querer mais, a permanecer
inviolado, perene conquistador... Apesar disso, a sucessão inevitável dos
acontecimentos apresenta sempre os que os substituirão, aqueles que alcançarão
o pódio, deixando-os no esquecimento, na sombra...
Inicia a tua experiência
de despojamento, abrindo mão de disputas inúteis, muitas vezes, mesquinhas, que
arrastam multidões a incessantes disparates. Com essa atitude emocional,
superarás questiúnculas e desafios infantis, caprichos e sentimentos de mágoas,
de inferioridade ou de superioridade, aos quais te aprisionas por orgulho ou
presunção, descobrindo a felicidade de viver com equilíbrio.
(...) Há muita coisa que
parece importante somente em decorrência do apego a que se lhe aferram os
indivíduos, transformando-se-lhes em escravos espontâneos. [4]
Em suas considerações, de Ângelis sugere que, se
utilizássemos com maior equilíbrio nossas ambições, até que elas poderiam
ser-nos bastante úteis. Será, então, que além de seu aspecto negativo, a
ambição também possui um lado positivo?
As pessoas são ambiciosas por vários motivos,
alguns dos quais bastante saudáveis e úteis. Tanto é assim que a palavra
ambição carrega um duplo sentido. Conforme suas acepções, ela não é somente um
forte desejo de poder e de riquezas, de honras e de glórias, mas é também um
veemente anseio de se alcançar determinado objetivo. Ainda que muitos
indivíduos utilizem os impulsos ambiciosos para a satisfação de seu orgulho e
egoísmo, outros, porém, canalizam seus sentimentos para os melhores propósitos
e as boas aspirações.
Ressaltando os benefícios que a ambição bem
direcionada pode proporcionar ao ser humano, o professor e escritor espírita
rioclarense Rodolfo Calligaris (1913-1975) defende:
A ambição é, e tão cedo
não deixará de sê-lo, um dos mais fortes sentimentos humanos, constituindo-se,
mesmo, em mola propulsora do progresso. [5]
A ambição é um impulso
natural que, até certo ponto, nada tem de censurável, constituindo, mesmo, num
elemento indispensável ao progresso individual e social.
(...) A ambição deixa,
todavia, de ser um bem, e assume a feição de vício detestável, quando excede
determinados limites, caindo no exagero. Em outras palavras, quando, ao invés
de ser governada por nós, passa a nos governar. [6]
Em seus ensinamentos, Jesus também não condenou a
ambição, mas o seu exagero. No Evangelho de Marcos (7:14-22), ao
abordar a maneira como devemos interpretar o puro e o impuro, o Cristo teria
dito:
Nada há no exterior do homem que, penetrando nele,
o possa tornar impuro, mas o que sai do homem, isso é o que o torna impuro.
(...) Com efeito, é de dentro, do coração dos homens que saem as intenções
malignas: prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades,
malícia, devassidão, inveja, difamação, arrogância, insensatez. [7]
Assim, nobre é a ambição de se fazer o bem, de
tornar-se melhor a cada dia, superando, com isso, o orgulho e o egoísmo, de
ampliar cada vez mais os próprios conhecimentos e recursos, utilizando-os,
especialmente, como fatores de contribuição à melhoria da sociedade. Logo,
bem-vinda é a ambição que objetiva a conquista de virtudes e a que busca a
sabedoria na vivência das inúmeras circunstâncias do cotidiano. E, se tivermos
que ambicionar algo de alguém, que sejam as elevadas qualidades que lhe
caracterizam o ser.
118
EM NOSSAS TAREFAS
"...não ambicioneis
coisas altas, mas acomodai-vos às humildes." - Paulo. ROMANOS. 12: 16
“Não ambicioneis coisas
altas, mas acomodai-vos às humildes" - recomenda o apóstolo. sensatamente.
Muitos aprendizes do
Evangelho almejam as grandes realizações de um dia para outro...
A coroa da santidade...
O poder da cura...
A glória do conhecimento
superior...
As edificações de grande
alcance...
Entretanto, aspirar só
por si não basta à realização.
Tudo, nos círculos da
Natureza, obedece ao espírito de sequência.
A árvore vitoriosa na
colheita passou pela condição do arbusto frágil.
A catarata que move poderosas
turbinas é um conjunto de fios de água no nascedouro.
Imponente é o projeto
para a construção de uma casa nobre, no entanto, é indispensável o serviço da
picareta e da pá, do tijolo e da pedra, para que a arte e o reconforto se
exprimam.
Abracemos os deveres
humildes com devoção ao nosso ideal de progresso e triunfo.
Por mais árdua e mais
simples a nossa obrigação, atendamo-la com amor.
A palavra de Paulo é
sábia e justa, porque, escalando com firmeza as faixas inferiores do monte, com
facilidade lhe conquistamos o cimo e, aceitando de boa vontade as tarefas
pequeninas, as grandes tarefas virão espontaneamente ao nosso encontro. [8]
10
CONVITE À DECISÃO
“Nenhum servo pode
servir a dois senhores.” (Lucas: capítulo 16, versículo 13.)
Será possível o
consórcio da Espiritualidade com as ambições mundanas?
Será crível amar as
estrelas e demorar-se no charco?
Pode-se estudar o bem e
cultivar a ilusão?
Permite-se o concurso da
saúde no organismo debilitado?
É factível a dedicação à
caridade e o comércio com a rebeldia?
Disse Jesus com
propriedade inalterável: —“Não se serve bem a dois
senhores.”
Sem dúvida não nos
encontramos diante da necessidade de construir comunidades novas em que a
ojeriza ao mundo se patenteie pela fuga aos cometimentos humanos. Não estamos
diante de uma imposição para que se edifiquem células quistosas no organismo
social, em que os seus membros se transformem em marginais da vida
contemporânea. Desejamos aclarar quanto à necessidade de que aquele que
encontrou a rota luminosa da Verdade, por um princípio de coerência natural,
não se deve permitir engodos.
Desde que não se podem
coadunar realidades que se contrapõem, tu que conheces os objetivos da vida não
deves permitir fixações e posições falsas que já deverias ter abandonado a
benefício da paz interior, enquanto conivindo com atitudes dúbias, navegando no
mar das indecisões, estarás na crista e nas baixadas das ondas das dúvidas sob
as contingências das posições emocionais em atropelo.
O convite do Cristo tem
sido sempre imperioso. Tomando-se da charrua não se deve olhar para trás.
Diante do desejo da retificação, marchar para o bem e não tornar ao pecado...
Imprescindível decidas o
que desejas da vida, como conduzires a vida, qual a idéia que fazes da vida e
por fim marcha na direção da Vida que venhas a eleger como rota para a
verdadeira Vida. [9]
Silvia
Helena Visnadi Pessenda
REFERÊNCIAS
[1] KARDEC,
Allan. A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo.
Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 8. ed. Araras, SP: IDE,
1995. Cap. III. p. 61-62.
[2] ______. O
evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de
Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. V. p. 71.
[3] HAMMED
(espírito); SANTO NETO, Francisco do Espírito (psicografado por). La
Fontaine e o comportamento humano. 1. ed. Catanduva, SP: Boa Nova Editora,
2007. Cap. “O cachorro que trocou sua presa pelo reflexo”. p. 105.
[4]
ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). Diretrizes
para o êxito. 2. ed. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada, 2004. Cap. 32.
p. 188-189.
[5] CALLIGARIS,
Rodolfo. As leis morais: segundo a filosofia espírita. 6. Ed. Rio de
Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1991. Cap. “O direito da propriedade’.
p. 175.
[6] CALLIGARIS,
Rodolfo. Páginas de espiritismo cristão. 4. Ed. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 1993. Cap. 2. p. 10.
[7] BÍBLIA.
Português. Bíblia de Jerusalém. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
[8] EMMANUEL
(espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Fonte viva.
12. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap.118.
[9] ÂNGELIS,
Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). Convites
da vida. Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada. Cap. 10.
Imagem: https://sincronicidademagica.wordpress.com/tag/2012/
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