Coletividade
e Universalidade do Ensino Espírita
A
coletividade do ensino dos Espíritos é um conceito importantíssimo para o
Espiritismo e muito bem abordado por Allan Kardec, sendo o fundamento de
autoridade da Doutrina, como afirma o mestre Lionês, na introdução do Evangelho
Segundo o Espiritismo, item II. “Se a doutrina Espírita fosse uma concepção
puramente humana, ela teria por garantia senão as luzes daquele que a tivesse
concebido; ora, ninguém neste mundo teria a pretensão fundada de possuir só
para si a verdade absoluta”.
Sendo a segurança dos conhecimentos
espíritas fundamentados na representatividade coletiva dos Espíritos que se
manifestaram, na época de Kardec, revelando novas verdades e delineando
princípios universais que tocam em todas as questões da humanidade, o Espiritismo
salienta e estabelece, que a garantia destes ensinamentos está na concordância
das revelações espontâneas, por diversos médiuns, em diversos lugares do
planeta.
Pensando de forma cientificista,
digo, com um olhar metodológico e de rigor acadêmico, encontramos muitos
inconvenientes no que se refere a este método que Kardec atribui como garantia
para as verdades reveladas. Em matéria de ciência, toda pesquisa séria precisa
passar pelas provas de fidedignidade e da previsibilidade antes de se atribuir
o critério de verdade. O critério de verdade das ciências acadêmicas, por
exemplo, é um conceito amplo e relativo, não absoluto, pois a qualquer momento,
época ou nova pesquisa, pode-se rever os conceitos e restabelecer nova ordem
aos estudos anteriormente fundados. Este é o ciclo natural das ciências para
assegurar o crescimento e a continuidade das pesquisas, uma vez que nada está
no fim e o novo sempre vem.
Mesmo com todo o rigor científico
existente na atualidade, com toda tecnologia desenvolvida, sabemos também, que
não é tão simples derrubar ou desconstruir uma teoria e fundar outra em seu
lugar, sem que anos e até séculos, possam vir para realizar tais mudanças. Nas
ciências humanas, o problema é ainda maior, porque as pesquisas que são
realizadas possuem como objeto de estudo o próprio homem, e neste caso, a
previsibilidade fica bastante comprometida, pois o ser humano é imprevisível.
Dificilmente, numa pesquisa com base nas ciências humanas, por exemplo, o
cientista irá testar suas hipóteses na totalidade de seu objeto de estudo.
Geralmente, e o mais comumente, retira-se uma amostra que representa uma parte
do universo totalizante e realiza-se a pesquisa, onde o objetivo final é a
confirmação das hipóteses estabelecidas anteriormente ou sua negação enquanto
verdade. Quanto mais quantitativa for uma pesquisa, mais condições de
previsibilidade ela tem e mais segurança se estabelece em relação a tais
estudos. Quanto mais qualitativa for uma pesquisa, menos previsibilidade poderá
ocorrer, pois o que se procura medir na qualitativa são os atributos de valor,
certo e errado, bom e mal, justo e injusto, etc., atribuindo características
aos objetos pesquisados. Portanto, o controle e medição das pesquisas
científicas na área acadêmica, são distintos e variam de acordo com o objeto de
estudo e a metodologia aplicada.
Portanto, podemos verificar a
dificuldade que foi para Allan kardec e os Espíritos colaboradores da
codificação, tornar válidos estes novos conhecimentos espirituais. Allan Kardec
atribuiu à universalidade do ensino dos Espíritos, a força do Espiritismo, bem
como, a causa de sua rápida propagação. No entendimento dele, essa doutrina não
tem nacionalidade, não tem culto particular e nem foi imposta por nenhuma classe
social, demonstrando o seu grande trabalho de fraternidade universal, onde os
Espíritos receberiam os destaques pela divulgação e transmissão dos mesmos
princípios. Sendo assim, talvez seja por isso que ele tanto se preocupou com o
futuro da Doutrina, com os rumos que ela tomaria no passar dos anos. Allan
Kardec estabeleceu duas formas básicas de controle destes ensinamentos
espirituais: a razão, com uma lógica rigorosa baseada nos dados positivos,
somados ao bom senso; e a concordância no ensino dos Espíritos. Kardec
acreditava que esta unanimidade faria desaparecer as teorias errôneas,
contraditórias e os sistemas excêntricos fora da verdade. “Não é porque um
princípio nos é ensinado que ele é para nós a verdade, mas porque recebeu a
sanção da concordância” (KARDEC, p.14).
O que chamou mais minha atenção com
relação a este assunto, após ter feito uma leitura pausada sobre o tema em
questão, é que o sábio Allan Kardec coloca a garantia da autoridade e da força
do Espiritismo na concordância espontânea das revelações, ou seja, os
Espíritos, espontaneamente, comunicam-se com os homens, revelam os princípios
da Doutrina e são unânimes nesses princípios. Formam uma opinião universal, um
conjunto harmônico, “...um acordo de todas as vozes do céu...”.
Várias questões se levantam no
tocante à validade desse controle universal do ensino dos Espíritos e vários
são os caminhos que a ciência acadêmica utiliza para validar suas pesquisas. O
importante aqui é reconhecermos que Kardec sabia do grau de dificuldade no
estudo dos fenômenos espíritas e sabia que muitas teorias se levantariam para
invalidar e manchar o desenvolvimento do Espiritismo. Com isso, passando o
controle dos princípios da Doutrina, para o concurso das manifestações
espirituais em concordância umas com as outras, poderia preservar o Espiritismo
dos inconvenientes e contradições no futuro, não deixando o Espiritismo a mercê
das orientações e alterações de uma única pessoa que se julgasse no direito
faze-lo.
Atualmente, que atitudes podemos
observar dos estudiosos do Espiritismo com relação a tantos equívocos que
surgem na Doutrina Espírita? Qual tem sido os interesses daqueles que se
qualificam líderes do Espiritismo? O que tem feito os centros espíritas sérios,
para criterizar e validar as descobertas espíritas na atualidade? Muito pouco
ou quase nada.
Um outro ponto importante que
também merece nossas reflexões, diz respeito a postura de Kardec frente as
obras espíritas que publicou. Kardec sempre demonstrou uma sabedoria, um bom
senso e uma humildade invejável em relação à maioria dos homens cultos e
letrados da sua época, bem como da atualidade. “Nosso papel pessoal, no grande
movimento das idéias que se prepara pela ação do Espiritismo, e que começa a se
operar, é o do observador atento que estuda os fatos para pesquisar sua causa e
deduzir-lhe as conseqüências” (KARDEC, p. 29, 1999). Essa postura
desinteressada de qualquer proveito pessoal no tocante ao Espiritismo, revela o
grande homem que foi Kardec e nos faz persegui-lo, enquanto pensador iluminado,
a não transformar-mos o Espiritismo num caldeirão de verdades e mentiras. Sua
posição e seu papel de filósofo, pesquisador, educador, coordenador e
organizador metódico dos conhecimentos espíritas, foi grande demais para
qualquer outro.
Diante do
exposto, fica-nos a reflexão sobre o controle coletivo do ensino dos Espíritos
e o alcance universal de seus conhecimentos para a humanidade, onde o trabalho,
a dedicação e o devotamento de Allan Kardec, refletem uma didática avançada
para sua época em termos de controle dos fenômenos espirituais e que, se
achamos utópico estabelecer um criterioso controle das comunicações dos
Espíritos na atualidade, pelo menos fica-nos o caminho para construção de
métodos mais eficientes que fortaleça o espírito de pesquisa do Espiritismo.
Portanto, fica minha ampla confiança quanto ao seu caráter e ao seu valor em
prol da universalidade dos ensinamentos espíritas, onde o autor valida toda a
obra.
Imagem: Marco A. C. Neves
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