VISITAS
ESPÍRITAS ENTRE PESSOAS VIVAS
por Christiano Torchi
O tema
“visitas espíritas entre pessoas vivas” é uma sequência do estudo sobre “o
sono e os sonhos”, encartado no cap. VIII da 2a parte de O
Livro dos Espíritos, sob o título “Da Emancipação da Alma”. O sono
ocorre quando a alma ou Espírito se desdobra[i]ou sai do corpo
físico. Já os sonhos constituem as lembranças mais ou menos nítidas de fatos
ocorridos durante o sono, período em que o Espírito, frequentemente, entra em
contato com outros seres.
Os
princípios analisados sob o título “o sono e os sonhos” se aplicam ao presente
estudo, com a diferença de que, neste, o intercâmbio se dá entre os chamados
“vivos”, isto é, entre encarnados.
Existe outra
variedade do fenômeno, menos frequente, em que o Espírito encarnado, durante o
próprio sono, visita outro encarnado acordado, podendo o visitante ser
ou não visto pelo visitado. No caso de o visitante tornar-se visível ao
visitado, o fenômeno é designado como “bilocação” ou “bicorporeidade”,[ii]espécie do
gênero “ubiquidade”, que é a faculdade de estar presente em todos os lugares ao
mesmo tempo, na acepção do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Sendo o
Espírito uma unidade indivisível, a ele é impossível estar em dois ou mais
lugares simultaneamente, contudo, esta indivisibilidade não o impede de
irradiar seus pensamentos para diversos lados e poder assim manifestar-se em
muitos pontos, sem se haver fracionado, como acontece com a luz, que esparrama
seus raios à sua volta. Contudo, nem todos os Espíritos irradiam com a mesma
potência. A capacidade de irradiação está diretamente ligada ao desenvolvimento
de cada um.
Uma pessoa,
encontrando-se adormecida, ou num estado de êxtase leve ou profundo, pode, em
Espírito, semidesligado do corpo, aparecer, falar e mesmo tornar-se tangível a
outras pessoas. E, de fato, poder-se-á comprovar que estava em dois lugares ao
mesmo tempo. Só que em um lugar estava o corpo físico, noutro o Espírito
revestido pelo seu perispírito, momentaneamente visível e tangível.
A
bicorporeidade, embora seja um acontecimento importante, tem sido ignorada por
muitos, como se fosse, sempre, produto da imaginação, impressão que é reforçada
pelo fato de que, na maioria das vezes, pouca ou nenhuma lembrança guardamos do
que se passa durante o desdobramento, como elucida Gabriel Delanne.[iii]Isso
demonstra o quanto desconhecemos a própria natureza espiritual e os nossos
potenciais.
Segundo o
Espírito André Luiz, em obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier,
ainda temos muitas dificuldades de compreender os mecanismos das alterações da cor,
densidade, forma, locomoção e ubiquidade do corpo espiritual (perispírito),
por não dispormos, na Terra, de mais avançadas noções acerca da mecânica do
pensamento.[iv]
Kardec
explica como se dá a bicorporeidade, concluindo que, por mais extraordinário
seja, tal evento, como todos os outros, se enquadra na ordem dos fenômenos
naturais, pois decorre das propriedades do perispírito.[v]
Indicamos
para consulta o terceiro volume da Revista Espírita – Jornal de Estudos
Psicológicos, março de 1860, editada pela FEB, no qual desponta uma
experiência realizada por Kardec, promovida com um encarnado (Dr. Vignal),
membro da Sociedade Parisiense de Estudos Psíquicos, que foi invocado durante o
sono, de cujo exemplar colhemos interessantes observações comparativas entre as
sensações de um “vivo” e de “um morto”, sobre as suas faculdades de ver, ouvir
e perceber as coisas, entre outras informações importantes.[vi]
Excetuando-se
a bicorporeidade, assim como a visita entre encarnados e desencarnados, o
encontro de pessoas encarnadas durante o sono é também um fato bem corriqueiro,
do qual nem sempre nos damos conta, como vimos, devido à amnésia após o
despertamento do sono.
Gustave
Geley (1865-1924), cientista renomado, ex-diretor do Instituto Metapsíquico de
Paris, médico em Nanci, com base em suas incansáveis pesquisas, assim
conceituou morte e vida, fenômenos intrinsecamente ligados
ao tema ora em estudo:
“A desencarnação
é um processo de síntese, síntese orgânica e síntese psíquica.
A encarnação
é um processo de análise. É a subdivisão da consciência em faculdades
diversas, e do sentido único em sentidos múltiplos, para facilitar seu
exercício e conduzir seu desenvolvimento.”[vii](Realcei).
As
circunstâncias que levam os Espíritos a se buscarem durante o sono é algo
semelhante ao que se dá na Terra, quando temos vontade de visitar nossos
familiares, parentes e amigos, com a diferença de que, nos encontros
espirituais, estamos despojados da máscara do corpo de carne e, de certa forma,
despojados dos papéis provisoriamente executados na vida de relação social.
No estado do
sono, o Espírito fica preso ao corpo por uma espécie de fio condutor ou
filamento,[viii]designado
por Kardec como “rastro luminoso”[ix]ou “laço
fluídico”,[x]por meio do
qual passam as impressões e as vontades da alma até o cérebro do encarnado. O
mesmo processo se dá nas outras formas de desdobramento, conscientes ou não,
como no caso, por exemplo, dos fenômenos mediúnicos, em que o médium empresta
seu organismo físico para as entidades se comunicarem por meio da fala
(psicofonia) ou pela escrita (psicografia). Portanto, os Espíritos que não
apresentam esse laço ou cordão fluídico estão desencarnados.
Há vários
relatos na literatura espírita sobre a visita entre pessoas vivas, durante o
sono ou desdobramento, como, por exemplo, nos episódios narrados por Kardec em O
Livro dos Médiuns,[xi]em
especialo caso dos “Santos” Afonso e Antonio de Pádua.
Estes dois
últimos foramretirados, como diz Kardec, não das lendas populares, mas da
história eclesiástica:
“Santo
Afonso de Liguori foi canonizado antes do tempo prescrito, por se haver
mostrado simultaneamente em dois sítios diversos, o que passou por milagre.
SantoAntônio
de Pádua estava pregando na Itália, quando seu pai, em Lisboa, ia ser
supliciado, sob a acusação de haver cometido um assassínio. No momento da
execução, Santo Antônio aparece e demonstra a inocência do acusado.
Comprovou-se que, naquele instante, Santo Antônio pregava na Itália, na cidade
de Pádua.”[xii](Realcei).
No homem, a
vida se apresenta como se fosse uma moeda de duas faces: a do corpo e a da
alma, duas fases de uma só existência. Na primeira, o Espírito está
constrangido pelo esquecimento em virtude dos laços carnais, sendo que a influência
da matéria é tão grande que, muitas vezes, nem se dá conta de que é um Espírito
imortal. Na segunda, vendo-se livre dos laços físicos, as faculdades do
Espírito ampliam-se e, conforme o caso, ele pode ajuizar um pouco melhor da sua
situação de ser imortal, circunstância que influi grandemente nas suas
decisões, durante a vigília.
Comoa
primazia é da alma, por preexistir e sobreviver a tudo, o Espírito, durante a
encarnação, se sente um “prisioneiro” ou “exilado” no organismo físico, razão
pela qual aproveita todas as brechas ou os momentos de desprendimento, para se
retemperar no mundo espiritual, onde se encontra com os seus semelhantes, para
os quais é atraído por afinidades e por interesses acalentados em seu íntimo,
de acordo com o seu estágio evolutivo.
Aqueleque se
deu conta desta realidade, antes de se entregar ao repouso noturno, procure
fazer uma prece, de modo a ter um repouso tranquilo, oportunidade em que
poderá, nesses instantes de liberdade, haurir forças e consolo para continuar
lutando pelo próprio progresso, “e, ao despertar, sentir-se-á mais forte
contra o mal, mais corajoso diante da adversidade”.[xiii]
* Artigo publicado na Revista Reformador n.
2.154, setembro de 2008, págs. 18-20.
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