terça-feira, 17 de maio de 2016

ÊXITO E FRACASSO

ÊXITO E FRACASSO

  

O estado normal da criatura é o de saúde, no qual o bem-estar e o equilíbrio proporcionam clima respirável de satisfação.

Elaborada para um ritmo harmônico de vida, a maquinaria fisiopsíquica obedece a automatismos precisos, dos quais resultam a saúde e as disposições emocionais, para galgar-se patamares reais elevados nos processos das aspirações idealistas.

Ser pensante, destaca-se a criatura na escala zoológica, compreendendo os mecanismos da vida e aplicando o conhecimento para os logros da auto realização e da auto plenificação que lhe constituem o ápice da saúde.

Saúde seria, portanto, um fenômeno natural. Não fossem, do ponto de vista biopsicológico, as heranças genéticas, os fatores psicossociais, as ocorrências familiares e o convívio do lar, o ser não atravessaria os caminhos difíceis dos distúrbios e doenças perturbadoras.(...)

Passo a passo, desenvolvem-se os atributos da personalidade, ampliando-se os conteúdos da individualidade e aprimoram-se as aptidões latentes que são o germe da presença divina em todos.

Possuidor de recursos e potências não dimensionadas, o ser desabrocha e cresce sob as condições que lhe são inerentes, cabendo-lhe seguir o heliotropismo superior que o leva à sua destinação gloriosa.

Impregnado pelas partículas e moléculas materiais que o vestem, enquanto reencarnado, não raro a visão do êxito apresenta-se-lhe distorcida, caracterizando-se como o deleite contínuo, resultante dos prazeres hedonistas(1) que a posição social relevante e o poder político-econômico proporcionam, ensejando um prolongado desfrutar.

Esquecendo-se da impermanência de tudo e da fugacidade do tempo — pelo qual apenas transita, na sua dimensão de eternidade — desgasta-se, envelhece, adoece e morre... O imprevisível surpreende-o, e surgem-lhe a saturação, o desinteresse, os sentimentos apaixonados e os frustrados, proporcionando desequilíbrios interiores que se expressarão em tormentos para si e para os outros no inter-relacionamento pessoal.

Na busca do êxito, o ser, psicologicamente imaturo, investe todos os valores, e na competição encontra o estímulo para galgar os degraus do destaque, descendo moralmente, na escala dos padrões, à medida que ascende na aparência.

Essa dicotomia de ocorrências — a interna e a externa — resultará em infelicitá-lo, perturbando lhe o senso de avaliação e de consideração da realidade, talvez ferindo profundamente a pessoa.

Caça-se o êxito como se fosse, na floresta humana, o objetivo essencial à vida, confundindo-se triunfo de fora com realização de harmonia interior.

Denigre-se então o adversário, que não o sabe, tornado assim por estar à frente ou mais alto; segue-se lhe o passo, ocupando lhe o lugar imediatamente inferior por ele deixado, até emparelhar-se lhe e derrubá-lo, assumindo-lhe a posição.

Inevitavelmente, porque não permanecem espaços vazios nos relacionamentos humanos, enquanto, por sua vez ascende, deixa o degrau aberto que logo estará ocupado por aqueloutro que lhe será o substituto.

O triunfo de hoje é o prólogo do desencanto e das lágrimas de amanhã; sorrisos se tornarão esgares(2), e aplausos far-se-ão apedrejamentos, considerando-se, na população humana, as mesmas aspirações e os equivalentes conflitos. (...)  

Convém determinar-se que o êxito material pode significar fracasso emocional, espiritual, e, às vezes, o insucesso, a aparente falta de triunfo constitui a plena vitória sobre si mesmo, suas paixões e pequenezes, uma forma de opção para o crescimento interior, ao invés do empenho pelo amealhar(3) de moedas e reunião de títulos que não acalmam as emoções nem tranquilizam as ambições.

Certamente, a criatura deve possuir e dispor de recursos necessários para uma vida saudável, consentânea(4) com o grupo social no qual se encontra. No entanto, o êxito não pode ser medido em contas bancárias, prestígio na comunidade e destaque político. Da mesma forma, não é factível definir-se por fracasso a ausência desses troféus.

Os homens e mulheres plenos, vitoriosos de todos os tempos, venceram-se, completaram-se e, sem qualquer tipo de conflito, optaram pela realização interior, respeitando todas as aspirações e direitos dos demais indivíduos, porém, a eles próprios impondo-se a auto realização que lhes propiciou saúde — mesmo quando enfermos —, felicidade — embora perseguidos algumas vezes — e êxito — isto é, a vitória no que anelavam, apesar de levados ao martírio.

A visão transpessoal do êxito e do fracasso está ínsita(5) na pessoa interior, real, a criatura harmonizada consigo mesma, com as outras pessoas, com a natureza e a vida.  

Êxito é encontro, enquanto fracasso é domínio pelo ego.
O êxito gera paz, e o fracasso inquieta.

Autoanalisando-se, cada qual se descobre, assim dando-se conta do triunfo ou do insucesso, podendo recomeçar para alcançar o êxito, nunca o fracasso.

(Joanna de Ângelis. O ser consciente. Cap. 3 – Problemas e desafios)

1 Hedonismo: doutrina ética, ensinada por antigos epicureus e cirenaicos e por modernos utilitaristas, que afirma constituir o prazer, só ou principalmente, a felicidade da vida. (Dicionário Michaelis)
2 Esgar: careta, gesto ridículo, trejeito, disfarce, hiprocrisia.
3 Amealhar: ajuntar.
4 Consentâneo: adequado, apropriado.
5 Ínsito: inerente, inserido.




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