ÊXITO
E FRACASSO
O estado normal da criatura é o de saúde, no qual o
bem-estar e o equilíbrio proporcionam clima respirável de satisfação.
Elaborada para um ritmo harmônico de vida, a maquinaria
fisiopsíquica obedece a automatismos precisos, dos quais resultam a saúde e as
disposições emocionais, para galgar-se patamares reais elevados nos processos
das aspirações idealistas.
Ser pensante, destaca-se a criatura na escala
zoológica, compreendendo os mecanismos da vida e aplicando o conhecimento para
os logros da auto realização e da auto plenificação que lhe constituem o ápice
da saúde.
Saúde seria, portanto, um fenômeno natural. Não
fossem, do ponto de vista biopsicológico, as heranças genéticas, os fatores
psicossociais, as ocorrências familiares e o convívio do lar, o ser não
atravessaria os caminhos difíceis dos distúrbios e doenças perturbadoras.(...)
Passo a passo, desenvolvem-se os atributos da
personalidade, ampliando-se os conteúdos da individualidade e aprimoram-se as
aptidões latentes que são o germe da presença divina em todos.
Possuidor de recursos e potências não
dimensionadas, o ser desabrocha e cresce sob as condições que lhe são
inerentes, cabendo-lhe seguir o heliotropismo superior que o leva à sua
destinação gloriosa.
Impregnado pelas partículas e moléculas materiais
que o vestem, enquanto reencarnado, não raro a visão do êxito apresenta-se-lhe
distorcida, caracterizando-se como o deleite contínuo, resultante dos prazeres
hedonistas(1) que a
posição social relevante e o poder político-econômico proporcionam, ensejando
um prolongado desfrutar.
Esquecendo-se da impermanência de tudo e da
fugacidade do tempo — pelo qual apenas transita, na sua dimensão de eternidade
— desgasta-se, envelhece, adoece e morre... O imprevisível surpreende-o, e
surgem-lhe a saturação, o desinteresse, os sentimentos apaixonados e os
frustrados, proporcionando desequilíbrios interiores que se expressarão em
tormentos para si e para os outros no inter-relacionamento pessoal.
Na busca do êxito, o ser, psicologicamente imaturo,
investe todos os valores, e na competição encontra o estímulo para galgar os
degraus do destaque, descendo moralmente, na escala dos padrões, à medida que
ascende na aparência.
Essa dicotomia de ocorrências — a interna e a
externa — resultará em infelicitá-lo, perturbando lhe o senso de avaliação e de
consideração da realidade, talvez ferindo profundamente a pessoa.
Caça-se o êxito como se fosse, na floresta humana,
o objetivo essencial à vida, confundindo-se triunfo de fora com realização de
harmonia interior.
Denigre-se então o adversário, que não o sabe,
tornado assim por estar à frente ou mais alto; segue-se lhe o passo, ocupando
lhe o lugar imediatamente inferior por ele deixado, até emparelhar-se lhe e
derrubá-lo, assumindo-lhe a posição.
Inevitavelmente, porque não permanecem espaços
vazios nos relacionamentos humanos, enquanto, por sua vez ascende, deixa o
degrau aberto que logo estará ocupado por aqueloutro que lhe será o substituto.
O triunfo de hoje é o prólogo do desencanto e das
lágrimas de amanhã; sorrisos se tornarão esgares(2), e aplausos far-se-ão apedrejamentos,
considerando-se, na população humana, as mesmas aspirações e os equivalentes
conflitos. (...)
Convém determinar-se que o êxito material pode
significar fracasso emocional, espiritual, e, às vezes, o insucesso, a aparente
falta de triunfo constitui a plena vitória sobre si mesmo, suas paixões e
pequenezes, uma forma de opção para o crescimento interior, ao invés do empenho
pelo amealhar(3) de
moedas e reunião de títulos que não acalmam as emoções nem tranquilizam as
ambições.
Certamente, a criatura deve possuir e dispor de
recursos necessários para uma vida saudável, consentânea(4) com o
grupo social no qual se encontra. No entanto, o êxito não pode ser medido em
contas bancárias, prestígio na comunidade e destaque político. Da mesma forma,
não é factível definir-se por fracasso a ausência desses troféus.
Os homens e mulheres plenos, vitoriosos de todos os
tempos, venceram-se, completaram-se e, sem qualquer tipo de conflito, optaram
pela realização interior, respeitando todas as aspirações e direitos dos demais
indivíduos, porém, a eles próprios impondo-se a auto realização que lhes
propiciou saúde — mesmo quando enfermos —, felicidade — embora perseguidos
algumas vezes — e êxito — isto é, a vitória no que anelavam, apesar de levados
ao martírio.
A visão transpessoal do êxito e do fracasso está
ínsita(5) na
pessoa interior, real, a criatura harmonizada consigo mesma, com as outras
pessoas, com a natureza e a vida.
Êxito é encontro, enquanto fracasso é domínio pelo
ego.
O êxito gera paz, e o fracasso inquieta.
Autoanalisando-se, cada qual se descobre, assim
dando-se conta do triunfo ou do insucesso, podendo recomeçar para alcançar o
êxito, nunca o fracasso.
(Joanna de
Ângelis. O ser consciente. Cap. 3 – Problemas e desafios)
1 Hedonismo:
doutrina ética, ensinada por antigos epicureus e cirenaicos e por modernos
utilitaristas, que afirma constituir o prazer, só ou principalmente, a
felicidade da vida. (Dicionário Michaelis)
2 Esgar:
careta, gesto ridículo, trejeito, disfarce, hiprocrisia.
3 Amealhar:
ajuntar.
4
Consentâneo: adequado, apropriado.
5 Ínsito:
inerente, inserido.
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