Sofrimento e Evolução
O sábio
Epicteto já formulara, em poucas palavras, o sentido do sofrimento: “Não peças
que as coisas se façam como tu as queres; limita-se a receber os
acontecimentos, quais se te apresentam; é o segredo da felicidade". Mas,
quem possui a força de resignação desse homem tão cheio de sabedoria diante da
dor acabrunhante, quem tem a consciência. livre de penas e tribulações em face
de um passado onde certamente vamos encontrar as origens dos sofrimentos e das
infelicidades?
O
Espiritismo, com a lei palingenésica, oferece acerca deste perturbador problema
uma solução adequada e quiçá desejável. Assim, o que nos inquieta, perturba,
contrista e, por vezes, anula de um só golpe todas as nossas esperanças
materiais, ou os nossos corpos esplendentes de saúde, não é o efeito de um
determinismo cego, mas, pelo contrário, corresponde a um princípio de
causalidade lógica, que diz respeito com o livre arbítrio, responsável pelo
nossos destinos.
Efetivamente,
sofrimento e dor ocasionam uma mudança brusca no mundo da afetividade e,
precisamente nesta desadaptação, inopinada, nossos seres se ajustarão a uma
nova vida e a consequentes sensações de todo inesperadas.
Este fato
é irrefutável, pois que ele deflui de outros fatos dos quais tira consequências
para a nossa evolução.
O sentido
do sofrimento, quando visto através da evolução contínua, revela uma origem
racional, é indício positivo de resgate, ou, melhor dizendo, é o anunciador de
um progresso certo da alma. Em realidade, a liberdade moral é um patrimônio da
alma em suas mais elevadas formas; essa liberdade, porém, só é cabível dentro
dos limites próprios às nossas aquisições em vidas anteriores, pela
determinação consciente de cada individualidade, individualidade esta que
oculta uma essência permanente, um princípio centralizador, uma função de
síntese; estabelece, portanto, uma unidade e uma continuidade na multiplicidade
dos fatos psíquicos. Assim concebido o problema do sofrimento humano, somos
levados a volver sobre nós mesmos, a enchermo-nos de arrependimento que é o
sentimento superior de reedificação, de liberação, assinalando os fins e
entreabrindo as portas maravilhosas das esferas julgadas inacessíveis. Lá,
vamos encontrar o principio da finalidade individual, da expiação e do
arrependimento condizentes com a natureza sensível, isto é, com as disposições
peculiares ao valor e ao esforço.
Max
Scheler, psicólogo e filósofo alemão, perfeito conhecedor dessas questões, é
bem explícito sobre o assunto; escutemo-lo: "a elevação da alma pelo
arrependimento mostra o que em nós havia de inferior. O arrependimento é
sofrimento e ao mesmo tempo higiene mental; a alma não procurará
desembaraçar-se dele; por guardar em si todo o seu passado. Como seres
encarnados não temos lembrança dos acontecimentos do passado, os quais, todavia,
só em aparência estão infirmados em nossa vida psicológica. A ideia deles se
conserva à disposição da consciência, fixando-se assim na parte ativa de nosso
processo individual, pois que, de contrário, recairia, a todo o instante, na
parte passiva do inconsciente".
Assim,
pelo fato de o homem, em sua natureza virtual, estar propenso a um futuro cada
vez mais elevado, torna-se compreensível a idéia de atos sucessivos, de
solidariedade indestrutível no engrandecimento pela verdade e pelo bem,
e que não podem recuar diante do desgosto estimulante e salvador das faltas do
passado. Ora, a alma; posta em contato com as zonas de perturbações e
incertezas de sua existência, instrui-se por si mesma acerca dos fins que ela
tem de atingir.
O
sofrimento está repleto de ensinamentos, obriga a vida sensível a se subordinar
à vida das atividades que repudiam o fatalismo de maneira que o sofrimento
eleva os sentimentos pelas intenções de reparação, pela vocação eterna de
absolvição.
A noção
de livre arbítrio não modifica momentaneamente nossa vida de formas e de
sensações, ela implica evidentemente uma estreita coesão do
passado
reavivado, do presente fugitivo e do porvir certo. O conhecimento da
solidariedade moral dos diversos processos de nossas individualidades, quando
apreciados através de uma, série continua de vidas, faculta-nos a consciência
das elevadas finalidades a que estão condicionados os nossos seres.
A
Doutrina Espírita, tal como foi revelada pelo; ensinamentos de Kardec será
estranha a estas soluções do problema do sofrimento em nosso planeta?
Não, é
impossível separar o Espiritismo, em sua psicologia experimental, da
compreensão racional da dor humana.
Se são
numerosos os ignorantes e teimosos que não querem ver nada mais além da função
orgânica do corpo, não menos certo é que grande parte da Humanidade, graças à
renovação da psicologia pela investigação positiva dos fatos psíquicos, se
mostra em condições de ter opinião e serenidade diante daquilo que turba a
existência dos homens: as dores e os sofrimentos em seus infinitos graus.
Os
materialistas e os cépticos têm o hábito de só ver a parte aparente da
existência, excluindo a sua unidade e finalidade.
A prova
que abala as nossas fibras mais ocultas, o mal que nos abate e rios desencoraja,
apenas momentaneamente lhes ensombreiam a existência do espiritual.
Tudo
isso, porém, se transforma em virtudes de força, paciência, devotamento quando
penetramos em nós mesmos, quando, batendo no peito, reconhecemos o alcance de
seu ensinamento.
Será
possível suprimir-se o sofrimento em um mundo de controvérsias, de lutas, de
pesquisas, que se movem entre o relativo e o contingente? Não :será absurdo
acreditar-se possa haver igualdade em nossa maneira de viver, compreender e
sentir?
Não
erraremos dizendo que o mal, a dor, as desigualdades, no tocante à felicidade
humana, fazem parte de maravilhoso plano de progresso As provas amargas da
existência, as inferioridades miseráveis, as desgraças enganadoras são, no
entanto. Avisos de causalidades admiravelmente dispostas e que fazem funcionar
o presente é o porvir, pelo chamamento do passado, colocando-nos em face de
erros a reparar, concitando-nos a aceitar o efeito inexorável de nossos
deméritos e méritos, supremas justificações de um Criador que a tudo proveu
para o maior bem de todos na infinidade do tempo e do espaço. O ressentimento
da prova física e moral comporta a virtude da paciência, tornando-nos
resignados, mas, por um reflexo de auto defesa, nos premune, pelo
arrependimento e pelo resgate, contra novos sofrimentos: compensações reais de
nosso renovamento.
Em
realidade, toda causa tem uma seqüência lógica, gérmen de uma causalidade nova.
Ora, esta lei geral que implica na repetição de nossas existências se firma
sobre qualidades já obtidas nos estados de vida onde o sofrimento foi o mestre
iniciador. Quantos chamamentos às fontes nos fizeram tropeçar, quantos apelos à
consciência moral, a fim de evitar as extravagâncias que nos fizeram sofrer.
Sofremos porque faltamos à lei de Deus.
Quando estamos
presos à dor, ocorre-nos ao pensamento que nossos infortúnios e males têm suas
origens nas negligências do passado è, então, procuramos tirar deles o melhor
proveito para que, com mais firmeza, marchemos em busca do futuro. Suportamos,
com paciência, penas, torturas físicas e morais, desde que apelemos para a
força soberana da renúncia, do esquecimento. Assim, ofereceremos nossas
penas a Deus, pela necessidade imperiosa do resgate. Dizemos com convicção: a
crença da alma é ativa, sejam quais forem as circunstâncias; o nosso
comportamento interior suporta, sem revolta, sem queixa alguma, todas as
tristezas e desapontamentos.
O ser que
defende seus atos com toda a serenidade apesar dos assaltos infelizes a que
está sujeito, demonstra ter fé na alma e em seu porvir, prova estar em
condições de subir, com segurança e rapidamente, os degraus da evolução
espiritual.
Tomemos o
exemplo de Santa Teresa do Menino Jesus que se submeteu a Deus, com exaltação,
em meio das múltiplas agonias da dor. Sua alma já alcandorada aos páramos da
espiritualidade alma, de elite, trazia, com ela e nela, muitas qualidades de
sofrimentos e de rara coragem, o que lhe permitia encontrar a felicidade real,
a beatitude augusta em todos os seus penares.
Quase
todos estamos longe de atingir este grau de elevação moral. E, no entanto, não
temos em nós os rudimentos de renúncia, as mesmas possibilidades de essência
providencial, os meios indispensáveis de reedificação?... E' precisamente nesta
lei de redenção que vamos encontrar a fé que nos refaz e que, em nós, fará
renascer a esperança. '
Ah! bem
sabemos haver seres que ainda não sentiram as tribulações da existência. São os
inclinados a viver como egoístas e a desconhecerem os sentimentos ele compaixão
que elevam a alma. Nada, porém, para eles está perdido: terão, a seu tempo, de
crescer nisto que eles ignoram e não quiseram aceitar.
Os que
sofrem, que sofreram, que suportaram as dores provocadas pelos cravos pregados
na cruz da prova, conheceram os profundos desesperos; estão, por isso mesmo, em
condições de apreender o sentido do sacrifício liberador de suas almas.
Encontrarão o caminho do serviço e do amor. Não sucumbirão no sofrimento, pois
que este lhes dará acesso ao bem, ao incessante devotamento renovado (1).
(1) Capítulo traduzido do litro em preparação, na França, e intitulado "Espiritismo e Humanismo", de autoria do Sr. Louis Fourcade.
(Reformador
nº12 – Dezembro/1950)
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