ENTRE A REVOLTA E A DOR
Não era permitida a
presença de mulheres ali porque elas profanavam o sagrado recinto da sinagoga,
mas Hannah, subira pela escadaria e lá estava, atrás de uma cortina, ao lado de
uma jovem senhora que ela conhecia apenas de nome. A moça era linda, de olhos
azuis como o céu. Seus cabelos eram quase branco, como se sobre o dourado claro
flutuassem reflexos de prata. Hannah afastou a cortina para que ambas pudessem
ver melhor. Lá embaixo um jovem lia, de pé, um texto sagrado. Teria uns cinco
anos mais que Miriam, a filha de Hannah. Como era bela a voz dele, pensou
Hannah, e, voltando-se para a sua companheira, traduziu seu pensamento em
palavras:
- Que bonita voz tem ele.
- É meu filho, disse a
outra.
Hannah olhou-a. Era também
uma nazarena e parecia tão jovem para ser mãe de um homem no vigor da sua
força, aos vinte anos.
E, por algum tempo, ali
ficaram lado a lado, em silêncio, atrás da cortina, Hannah, de Magdala, e
Miriam, enquanto do recinto sagrado subia a bela voz de Jesus.
A cena é da mais tocante
poesia e está descrita, não exatamente com essas palavras, no livro "The
Search for a Soul - Taylor Caldwell's Psychic Lives" ("À Procura de
uma Alma - As vidas Psíquicas de Taylor Caldwell"), do escritor americano
Jess Stearn (edição da Doubleday, Nova York, 1973).
O livro reúne todos os
ingredientes de êxito. Jess Stearn é um autor experimentado, com excelente
formação jornalística e há muito ser interessa pelo tema fascinante da pesquisa
psíquica, sobre o qual já escreveu várias obras de enorme sucesso, entre as
quais "Edgar Cayce - O Profeta Adormecido", que por longo tempo
encabeçou a lista dos "best-sellers" americanos. Seu novo livro não
destoa dos anteriores. É uma narrativa de quem conhece bem a arte de
comunicar-se com elegância e precisão.
Taylor Caldwell é
romancista mundialmente famosa, autora de uma série respeitável de livros,
alguns dos quais traduzidos em português, outros que serviram de tema para
filmes. Destacamos, apenas como lembrete, o notável "Dear and Glorious
Physician", biografia romanceada de Lucas, o evangelista e médico, e
"The Great Lion of God" ("O Grande Leão de Deus"), o
romance do apóstolo Paulo de Tarso.
O assunto do livro de
Stearn é a reencarnação, pesquisa da através da regressão de memória. Taylor
Caldwell, aliás, Janet Taylor Caldwell, nasceu na Inglaterra, em 1900, mas vive
há muitos anos nos Estados Unidos, onde se realizou como grande romancista. Aos
setenta anos de idade, cansada de uma existência que já se alonga, a seu ver,
mais do que deveria, até o êxito profissional lhe pesa, depois que Marcus
Reback, seu marido e companheiro de 40 anos, partiu para a outra vida, em 1970.
Reencarnação? Deus me livre! Para a Sra. Caldwell uma vida já é demais.
"Se não fosse católica - disse ela a Stearn -, com uma leve suspeita de
que alguma coisa talvez exista depois da morte, eu me mataria. Não tenho nada
que me prenda à vida. Quando meu marido morreu, todo o sol retirou-se de minha
vida."
Pouco antes, referindo-se
à sua pressão arterial "tremendamente alta", dissera que tudo quanto
esperava era um enfarte para morrer logo.
A doutrina da
reencarnação, para ela, é deprimente, "pois estremeço à simples ideia de
nascer novamente neste mundo. A vida, para mim, praticamente desde a infância,
foi uma coisa monstruosa, penosa, angustiante, e a ideia de repetir tal
existência - mesmo sob melhores condições - me horroriza. Acho que preferiria o
esquecimento total. Pelo menos no esquecimento, como no sono, você está livre
do revoltante mecanismo da existência e de se tornar uma presa ultrajante do
destino". Além do mais, diz ela, essa gente que mergulha no passado sempre
surge com encarnações glamorosas, nas quais foram princesas ou rainhas ou
alguém de grande porte histórico. Nunca se encontra um lixeiro, um engraxate
...
Como se enganava a ilustre
romancista nas suas observações. Primeiro, que o processo das vidas sucessivas
não precisa da nossa opinião para existir e funcionar. Se a vida é penosa e
difícil, a culpa é nossa mesmo. Nós próprios criamos, no passado, com o nosso livre-arbítrio,
o determinismo da dor presente. A colheita é exatamente conforme a semeadura.
Que adianta a gente se horrorizar ante a ideia de renascimento? Que adianta
preferir o esquecimento total? Por outro lado, a Sra. Caldwell desconhece
totalmente o processo do sono. Nós não ficamos livres do "revoltante
mecanismo" da vida enquanto dormimos; apenas nossa consciência de vigília
não é usualmente informada do que se passa nas horas de repouso físico. Na
realidade, o Espírito está sempre consciente, quer o corpo esteja dormindo ou
não. Finalmente, nas pesquisas de regressão feitas com seriedade, não
descobrimos apenas vidas importantes. É possível, de fato, que aqui ou ali, no tempo
e no espaço tenhamos tido a provação da projeção, vivendo existências que a
História guardou, mas há também - e quantos - longos períodos de anonimato, de
dor, de frustrações, de desencanto, de angústias de misérias, tudo
rigorosamente de acordo com os nossos compromissos, supervisionados de perto
pela lei de causa e efeito. A própria Sra. Caldwell desmentiu, nos seus
transes, todas as suas queridas teorias de vigília, como veremos.
Interessante que ela mesma
foi quem propôs, em conversa com Jess Stearn, a experiência de regressão,
embora achando que ninguém conseguiria hipnotizá-la, porque certa vez arrancou
um dente sob hipnose, mas sentiu a dor. É uma pena não poder reproduzir aqui o
diálogo entre a Sra. Caldwell (em vigília, naturalmente) e o autor. É uma
conversa muito viva entre duas pessoas inteligentes sobre o tema inesgotável da
vida. A vida continua? A gente se reencarna? Por que acontecem certas coisas
ditas inexplicáveis?
O capítulo segundo é uma
especulação acerca do extraordinário conhecimento revelado pela Sra. Caldwell
nos seus livros, sobre os tempos apostólicos, sobre medicina antiga, sobre
certos episódios históricos, tudo isso analisado com grande beleza e dentro de
uma lógica e uma autenticidade impressionantes. Será que esse conhecimento
provém das habituais fontes de inspiração artística ou seriam revivescências de
antigas encarnações da autora a aflorarem dos seus arquivos perispirituais?
Stearn conversa a respeito
com um eminente médico, seu amigo o Dr. Cadvan Griffiths.
- Você acha que isso pode
ser explicado pela reencarnação? - pergunta o escritor.
O médico dá uma gargalhada
e responde:
- Você quer dizer a gente
nascer outra vez? De jeito nenhum.
- Como é que você sabe?
- Porque sou um homem
cientificamente orientado. Não vejo evidência em favor da reencarnação.
No entanto, os dois livros
da Sra. Caldwell sobre medicina revelam um conhecimento tão profundo da matéria
que surpreende e intriga os médicos, o Dr. Griffiths inclusive: técnicas
operatórias, aulas sobre assuntos médicos, diálogos ao pé da cama do doente,
enquanto mestre e discípulo percorrem o hospital. É tudo duma irretocável
genuinidade. Stearn cita neste capítulo trechos notáveis de "Dear and
Glorious Physician" (o livro sobre Lucas) e "Testimony of Two
Men" ("Testemunho de Dois Homens"), aquele revelando
conhecimentos estarrecedores sobre a medicina antiga, e este desenvolvendo sua
história em ambiente moderno.
Mas o Dr. Griffiths,
"como outros médicos que juraram preservar a vida, jamais considerou a
perspectiva da sobrevivência da alma humana", escreve Stearn.
Assim, a posição do Taylor
Caldwell é ao mesmo tempo de invencível descrença com relação à sobrevivência
da alma (e muito menos ainda de sua possibilidade de reencarnar-se) e uma certa
curiosidade, ou, pelo menos, uma predisposição para mergulhar no mistério da
vida.
Havia um pequeno problema
a vencer: a romancista é bastante deficiente da audição; mas o hipnotizador -
que no livro não é identificado - venceu com habilidade a barreira e até mesmo
conseguiu melhorar o estado da paciente. Taylor Caldwell foi rapidamente ao
transe profundo e imediatamente condicionada para, de futuro, adormecer apenas
com um leve toque do hipnotizador em sua testa.
As primeiras explorações
foram realizadas na vida atual, suas dificuldades, problemas e angústias. A
romancista não teve infância feliz, nem mesmo tolerável. Quando tinha nove anos
- contou em transe - sua mãe lhe disse com toda a calma:
- Nunca desejamos que você
nascesse. Há um rio no final da rua. Por que você não vai se afogar?
"Olhei para minha mãe
e vi que ela estava falando sério. Era a nossa casa na Rua Albany. Não sei por
que ela disse aquilo, Olhei-a nos olhos e pensei que ela estava louca.
"Não é possível, ela está louca", disse a mim mesma."
Não havia afeto na sua
vida, nem segurança, nem conforto. Na verdade, as dificuldades financeiras se
prolongaram por muitos anos, mesmo depois que ela, já adulta, lutava bravamente
para sobreviver. Aos trinta anos, está sozinha e tem uma filha para sustentar
com um salário de 23 dólares por semana. Mora num cômodo miserável, frio e
úmido e, muitas vezes, não tem o suficiente para comer.
Quando o hipnotizador
remete sua memória ao período pré-natal, o próprio Stearn, que assiste a todas
as experiências, se pergunta: será que um embrião é capaz de pensar? É; não o
embrião, mas o Espírito ali presente.
- Meu Deus! Aqui estou eu
novamente. Mas desta vez vai ser a última. Desta vez não serei impaciente de
novo, para ter que voltar para cá. Depois desta vez não voltarei mais. Tenho a impressão
de que alguém está tentando me matar. Ouço alguém dizer "Não a terei, não
a quero!" Será que ela se refere a mim?
E depois:
- Vou fechar os olhos e
fingir que não estou aqui. Fui-me embora e tudo foi apenas um sonho e eu não
existo.
Não é preciso dizer mais
para sentir o drama do Espírito atormentado que enfrenta os problemas e
dificuldades de uma encarnação que se anuncia extremamente penosa. Já no limiar
da nova existência, a própria mãe a rejeita e tenta eliminá-la. O Espirito
insiste em viver e, se fosse possível, se fingiria de morto, porque espera que
esta seja a última vez que se entrega à dura prisão da carne e suas angústias.
Ao despertar, poucos
minutos depois, totalmente inconsciente do que disse, nem sabe que adormeceu.
- Por que estava eu
chorando? - pergunta. E Jess Stearn, muito diplomata:
Eu também não gostaria de
voltar se tivesse uma vida igual à sua.
E assim foi a primeira
sessão. Ficou combinado que Taylor Caldwell não ouviria nenhuma gravação.
Somente depois de concluído o trabalho, ela tomaria conhecimento de suas
revelações.
Muitas pistas se abriam
diante dos pesquisadores no desconhecido mundo psíquico de Taylor Caldwell: sua
vaga recordação de Mary Ann Evans, que viveu no século passado, na Inglaterra,
e escreveu sob o nome masculino de George Eliot; seus sonhos - e até visões -
da época em que viveu e morreu na fogueira frei Savonarola; sua vívida
descrição da Atlântida, ainda em criança, quando ensaiava, como escritora, os
primeiros passos que a levariam ao renome internacional. Decidiram os
pesquisadores começar pela mais próxima no tempo, provocando suas possíveis
conexões com George Eliot. Assim foi feito, na segunda sessão.
- Vamos levá-la ao período
vitoriano, propôs o escritor, e ver se ela diz alguma coisa sobre Mary Ann
Evans.
- E quem é Mary Ann Evans?
- perguntou o hipnotizador. Stearn explicou que foi uma novelista inglesa ao
tempo da Rainha Victoria e que escreveu, sob o pseudônimo George Eliot, alguns
livros famosos como "Silas Marner", "The Mill on the
Floss", "Adam Bede" e, curiosamente, uma longa história chamada
"Romola", baseada na vida de frei Savonarola ...
Era evidente que o
hipnotizador estava completamente "por fora" de todos aqueles nomes e
títulos.
Parece que a primeira
impressão de Jess Stearn era a de que a própria Taylor Caldwell teria sido
George Eliot no passado, o que, de certa forma, explicaria seus talentos
literários de hoje. Para surpresa sua, no entanto, a romancista em transe
começou a falar com forte sotaque irlandês, revelando intensas dores,
ignorância e pobreza. Sim, ela conheceu muito bem Mary Ann Evans; chamava-se,
então Jeannie McGill e foi empregada doméstica da famosa romancista. De onde
veio ela para a casa de Mary Evans? Não sabia ao certo, mas morava antes numa
casa onde havia muitas mulheres bonitas que os homens visitavam à noite. E sua
mãe, onde estava? Não tinha mãe; vivia com as moças e não sabia como havia ido
parar ali. Tanto quanto se lembrava, sempre vivera naquela casa, antes de
empregar-se com Mary Ann, aí por volta dos dez anos de idade. A romancista
tratava-a com carinho e às vezes lia para ela os seus livros, porque a menina
era analfabeta. Mary Ann vivia, algo irregularmente para a rígida era
vitoriana, com um Lewes, aliás George, de quem ela provavelmente tomou o nome
para compor seu pseudônimo. Lewes era casado com outra mulher e tinha filhos,
mas a ligação com Mary Ann perdurou ao longo dos anos.
Havia outros empregados na
casa e uma de maior responsabilidade, por certo, era a Sra. Glassen, que
perseguiu e martirizou a pobre menina o quanto quis. Dava·lhe murros que
acabaram por arrebentar-lhe os timpanos, provocando·lhe a surdez. Por fim, a
Sra. Glassen acusou·a de ter roubado um anel valioso de Mary Ann, enquanto a
patroa se achava na Europa, em viagem turística .."- A menina foi presa e
condenada a dez anos, mas não cumpriu '" porque conseguiu enforcar-se.
"Curiosamente -
escreve Jess Stearn -, na posição de (personalidade completamente subconsciente
ela presenciou sua própria morte em retrospecto e isso somente seria possível,
naturalmente, se algo da sua essência, sua alma, espírito ou o que quer que
seja, sobrevivesse para lembrar sua própria morte."
A ideia se afigura
"exciting" (excitante) ao autor. Parece que pela primeira vez na vida
encontra ele a evidência de que espírito passa pela "morte" e segue
em frente, pensando, sentindo, vivendo.
Taylor Caldwell acordou
chorando, mais uma vez. Pouco antes de despertar e antes ainda da trágica cena
do suicídio dissera, num dramático sopro de voz:
- Nunca mais ouvir os
pássaros ...
E depois, num gemido:
- Que Deus tenha pena de
minha alma.
Como se sentia?
Otimamente. Até mesmo a misteriosa e persistente dor que sempre teve no pescoço
havia desaparecido. De onde você pensa que vem essa dor? - perguntou Stearn.
- Não sei, mas eu sentia
às vezes como se a minha pele tivesse sido estrangulada por uma corda, como num
enforcamento?
Mas, como poderia isso ter
acontecido?
Na sessão seguinte, Taylor
Caldwell mergulhou numa existência transcorrida no século XVIII; outra vida em
que muitas dores se concentraram em poucos anos. Era novamente uma pobre
copeira em uma casa de família. Ainda não completara catorze anos e estava,
evidentemente, assustada e, como em várias outras existências, sempre morrendo
de frio. Evidentemente, a menina não gostava de um tal de Johnston ("Um
homem tão sujo", dizia ela), tio da sua patroa e que, às vezes, os
visitava. O hipnotizador resolveu levá-la até o seu próximo aniversário, quando
teria completado catorze anos.
- Você está agora com
catorze anos, você tem catorze anos de idade.
E a resposta veio
inesperada:
- Mas eu não vivi até os
catorze anos. Eles me mataram.
A cena descrita é
terrível. Praticaram com ela atrocidades inomináveis. Era um grupo composto de
seu patrão, dois filhos, o tio da patroa e mais dois homens. A dona da casa
tinha saído, naturalmente, e os homens se encontravam embriagados.
Concluída a penosa
narrativa da sua desgraçada vida no século XVIII, os pesquisadores desejaram
saber o que acontecia entre uma vida e outra. "Se é que a alma existe -
escreve Stearn, se a sobrevivência é um fato, seria interessante verificar se
ela se lembrava de algo nesse interlúdio, livre da Terra."
- Você morreu em 1898, disse-lhe
o hipnotizador tocando-lhe a fronte. Diga-me agora algo sobre o período entre
1898 e 1900. (Sua vida como Taylor Caldwell começou em 1900.) Onde esteve você
e o que fazia?
Há um momento de
expectativa, de vez que os pesquisadores também não se acham convencidos nem um
pouco da sobrevivência.
"Surpreendi-me
inclinado para a frente em expectativa - diz Stearn. Se ela nada tivesse a
dizer, nada haveria de vida espiritual, nada de alma vivente; poderíamos
perfeitamente abandonar nosso projeto de uma vez."
A mulher adormecida, no
entanto, continuava perfeitamente calma e, com uma voz estranhamente distante, informou:
- Estive em casa, em
Melina, por algum tempo. Fui muito feliz, muito feliz ...
Segundo ela, Melina seria
um planeta, onde ela tem vivido ocasionalmente em companhia de alguns Espíritos
que lhe são familiares. O planeta é mencionado no seu recente e curiosíssímo
livro intitulado "Dialogues with the Devil" ("Diálogos com o
Demônio"). Provavelmente é uma colônia espiritual dominada, ao que diz
ela, por um Espirito que ela chama de Darios, terrivelmente temperamental,
autoritário e "very quick to anger", ou seja, pronto nos seus
impulsos de cólera. Segundo se depreende, ao juntar os muitos fragmentos de
suas vidas ao longo dos séculos, o Espírito Taylor Caldwell tem oscilado entre
dois estranhos amores: Darios e alguém que ela chama de Estanbul. Este seria um
Espírito afável e culto que na última existência foi seu marido Marcus Reback.
O outro no entanto, ela chama, cheia de respeito e temor, "my Lord Darios,
meu senhor Darios. Tais ligações se reportariam aos tempos longínquos da
perdida Lemúria. O diálogo entre o hipnotizador e a paciente torna-se, aqui,
muito rarefeito e, a meu ver, algo fantasioso.
Não desejo, porém, emitir
julgamento porque as informações apresentam de maneira fragmentária e refletem
naturalmente conhecimento e as ideias da paciente. Há, entretanto, coisas
inesperadas. Em certo ponto, a mulher adormecida expõe a sua concepção da
divindade e, a uma pergunta que lhe parece inadequada, ela responde:
- Você está fazendo
perguntas tolas. O Consolador ainda não veio. Ele virá depois que o Messias
vier à Terra.
Curioso é que, ao
despertar, Taylor Caldwell, conversando com Jess Stearn, é informada de que
falou a respeito de Darios, "o primeiro e único" - diz Stearn
brincando. E ela muito séria:
- Jamais faça troça com
Darios. Nunca brinque com o nome dele.
- Que pode fazer ele? -
pergunta o escritor.
- Não há quase nada que
ele não possa fazer.
- E Estanbul?
Ela deu de ombro:
- Não é a mesma coisa ...
ele é igual a nós. No entanto - e riu -, isso tudo pode ser mera fantasia.
Na experiência seguinte, o
hipnotizador deseja levá-la à época de Gengis Kahn, sobre quem ela escreveu um
notável romance chamado "The Earth is the Lord's". O hipnotizador
sugere-lhe que recue ao ano 1200 e ela balança a cabeça.
- Eu não vivi em 1200.
Estava novamente em Melina.
Pouco depois, por sua
própria iniciativa, mergulha num período entre os séculos XIV e XV, quando foi
uma freira num convento espanhol. Estanbul, sempre presente, seria um certo
padre Francisco, a quem ela secretamente amava e que era seu confessor. Ambos
eram judeus convertidos, então conhecidos por 'marranos', e ela chamava-se irmã
Teresa. A cidade era Barcelona e o convento Santa Maria de las Rosas. Quando o
hipnotizador lhe sugere a idade de 21 anos, irmã Teresa já havia partido da
vida terrena e encontrava-se novamente nos domínios de Darios, alhures no
Universo.
Foi uma trágica história
de amor que abreviou a sua vida.
Teresa fugiu com
Francisco, mas foram ambos apanhados a caminho do barco que tomariam para a
liberdade e o amor. Francisco, acovardado, declarou que a jovem o havia
seduzido no confessionário. E ela, por amor, concordou perante o inquisidor.
- Senhor, o padre está
inocente. Eu o seduzi. Lancei um encantamento sobre ele para fugir comigo ...
Parece que Estanbul - ou
seja, Francisco - é levado num barco para destino ignorado e ela o vê partir,
desesperada, e atira-se à água para morrer afogada:
- Ah, Estanbul, eu te perdoo...
eu te perdoo ...
Mais uma vida de dores e
frustrações, terminada em morte violenta, em plena mocidade.
Nesse ponto há um
interlúdio no livro. Autor, paciente e alguns pouquíssimos e íntimos amigos
iniciam uma peregrinação em busca de médiuns que possam trazer do mundo
espiritual alguma corroboração ou desmentido àquelas fantásticas histórias tão
humanas que estão emergindo da sombra dos séculos, nas sessões de regressão de
memória.
Taylor Caldwell concorda
com o projeto, mas não cede um milímetro da sua descrença.
- Se há Espíritos - diz
ela -, por que viriam eles correndo ao simples chamado de algum médium?
Não acredita mesmo
"nessas coisas".
O primeiro médium é George
Daisley, a quem o famoso bispo James Pike também procurou para conversar com o
Espírito de seu filho. (Ver o artigo "O Bispo e os Espíritos".)
Marcus Reback, o marido recém
desencarnado de Taylor Caldwell, transmite pelo médium algumas informações, mas
a romancista não se impressiona, nem parece comovida.
Os Espíritos mandam também
dizer-lhe que é importante convencê-la dessas verdades. A sua vida na Terra
deve prosseguir, porque ela ainda não realizou o trabalho de que se incumbiu.
Marcus, seu marido, insiste dramático:
- Pelo amor de Deus,
diga-lhe que eu estou vivo!
Ao cabo da longa sessão, a
Sra. Caldwell emite sua opinião - Foi tudo muito interessante aquilo que ouvi.
Mas, simplesmente, não acredito nessa história de Espíritos.
A médium Dorothy Raulenson
faz estranhas e fascinantes revelações. Taylor Caldwell estaria muito envolvida
com o autoritário Espírito Darios, que ela identifica, numa de suas
encarnações, como Gengis Khan, sobre o qual, aliás, a Sra. Caldwell escreveu
notável romance, como vimos. Curiosamente, porém, a obra termina quando o
guerreiro, ainda jovem, chega à soleira da sua verdadeira e sangrenta glória
terrena. Segundo Raulenson, a futura Taylor Caldwell disputou com o guerreiro
uma batalha de amor e poder e foi destruída, quando ele ainda não havia
atingido o ápice da sua carreira.
A Sra. Caldwell teria
vivido também como dançarina na corte do Imperador Domiciano, em Roma. Naquela
existência, teria sido convertida ao Cristianismo pelo próprio apóstolo João,
no seu exílio na ilha de Patmos. Isto, de certa forma, explicaria sua
familiaridade com as figuras de Paulo e de Lucas, que ela trata com muito
carinho e minúcia em dois dos seus melhores livros.
A médium menciona ainda a
posição religiosa do Espírito Senhora Caldwell: ela vem oscilando milenarmente
entre o amor e o ódio, perante a figura de Deus. Ainda hoje, escreve sobre Ele
com certas tonalidades amorosas, mas O repudia.
- O mais curioso, diz a
médium, é que lá, muito no fundo ela pensa que é uma parceira de Deus.
Seria, pois, esse
invencível orgulho o terrível aguilhão que " leva a atravessar tantas
vidas angustiosas e cheias de frustrações"?
- Às vezes, prossegue a
médium, ela acha que deve tomar para si esse papel e dizer a Deus o que Ele
deve fazer. Mas, enquanto as coisas correm segundo sua vontade, ela se mostra
submissa. Quando algo a bloqueia, ela coloca Deus de lado. Ao longo de todas essas
vidas, ela se sente ora de um lado ora de outro.
Evidentemente, não temos
como conferir essa informação, mas ela soa estranhamente genuína quando
contemplamos as aflições e o imenso talento da romancista, massacrada entre a
revolta e a dor.
Dorothy prevê para ela uma
futura existência como líder religiosa, aí por volta do ano 2002. Terá então
revertido às suas experiências espirituais com João, em Patmos, onde teria
escrito muita coisa que se perdeu. Na atual existência, o melhor do seu
trabalho, segundo a médium, ainda não foi realizado.
A romancista, no entanto,
mantém-se irredutível. Tudo quanto deseja é retirar-se desta vida, pois não
acredita na sobrevivência do Espírito, mesmo após todas as experiências por que
está passando.
Infelizmente, não podemos
tornar muito espaço para comentar aqui tudo quanto merece ser comentado deste
livro extraordinário. Procurarei limitar-me aos episódios essenciais.
No século XV vamos
encontrá-la em Florença, na Itália, na personalidade de uma freira por nome Maria
Bernardo, consumida de um amor impossível pelo famoso Savonarola, em quem mais
uma vez identifica Estanbul.
Há aqui um pormenor que
vale a pena mencionar. Desde muito jovem, ainda na Inglaterra, Taylor Caldwell
sonhava, com frequência aterradora, um episódio, sempre o mesmo. Estava presa
numa torre e via, pela janela, lá embaixo, os telhados de uma antiga cidade
renascentista. Seria na Espanha ou na Itália? De repente, ouvia passos de gente
subindo implacavelmente as escadarias. Teria uns vinte e poucos anos de idade.
A cela era gelada; havia apenas um leito rústico, uma mesa e uma cadeira. Os
passos que soavam na escadaria eram de três homens, um dos quais ela conhecia
muito bem. Vestiam-se com os hábitos brancos dos dominicanos. Ela sabia que
eles vinham torturá-la e matá-la. Quando a chave virou na fechadura, ela correu
para a janela e saltou para a morte lá embaixo.
Este sonho tenebroso
repetia-se dúzias de vezes, sempre exatamente igual.
Um belo dia, já adulta e
casada com Marcus Reback, seu eterno Estanbul, Taylor Caldwell foi à Itália. Em
Florença, hospedou-se na mansão de um nobre italiano, o conde Moretti. Ao
chegar ao seu cômodo, abriu as cortinas e viu, lá embaixo, uma grande praça
para a qual convergiam muitas ruas. No meio da praça havia uma pilastra alta,
na qual se assentava a estátua de um cavaleiro medieval. A Sra. Caldwell teve
uma impressão desagradável de tudo aquilo, cerrou as cortinas e foi dormir.
No dia seguinte, ao abrir
as janelas, olhou novamente para baixo e nada havia lá da grande praça, nem da
estátua; apenas uma ilha de concreto com um monumento modernista implantado.
Ao mencionar o estranho
fenômeno ao seu hospedeiro, o conde Moretti foi à sua biblioteca e trouxe um
livro, no qual lhe mostrava a gravura da antiga praça com o seu monumento
medieval, exatamente como Taylor Caldwell tinha visto no dia anterior.
Andando pela cidade, mais
tarde, a romancista teve outra visão inexplicável: no centro de uma pequena
praça, cercado por monges dominicanos, um homem estava sendo queimado vivo.
Quase sem querer, ela disse em voz alta:
- Savonarola!
A condessa que estava ao
seu lado disse:
- Isso mesmo. Aquele
monumento ali foi erguido em sua homenagem.
E, no entanto, na sessão
em que Taylor Caldwell se identificou com a irmã Maria Bernardo, quando
despertada para um pequeno repouso, ela virou-se perfeitamente lúcida (ou não é
bem essa palavra?) para Jess Stearn e disse:
- Espero sinceramente que
você não esteja desperdiçando o seu tempo, pois você nunca provará a
reencarnação por meu intermédio.
Sem comentários. Mais uma
vida de frustração, angústia e tragédia terminada em suicídio.
Em seguida, aflora à sua
memória uma longínqua existência entre os maias. Ela sugere que esses povos
teriam vindo em "navio voadores" de uma terra chamada Egypta que um
cataclismo submergiu no oceano. Interessante observar que Edgar Cayce dizia que
os atlantes também possuíam máquinas voadoras e emigraram para o país que hoje
se chama Egito, e deram tremendo impulso à civilização que ali encontraram.
Teriam sido esses emigrantes avisados psiquicamente de que o continente que
habitavam estava condenado ao sepultamento sob as águas do Atlântico.
Depois disso, nova menção
a Gengis Khan. O hipnotizador remete-a ao ano 1200. E ela, provando mais uma
vez que a sugestão não vale nesses estados profundos de consciência, responde
firme: - Jamais conheci Gengis Khan.
A explicação é que ela
somente conviveu com ele enquanto o temido guerreiro chamava-se Temujin. Nesse
ponto, ela parece fazer a conexão da antiquíssima existência no século XIII com
a atual, e diz: (Essas conexões raramente ocorrem nas primeiras sessões. Parece
que o Espirito desprendido leva algum tempo para ordenar toda aquela multidão
de lembranças passadas para ligá-las com o fato de que está, no momento,
vivendo uma nova existência na carne. Talvez tenha de vencer a resistência
oposta pelo mecanismo do cérebro físico).
- Eu escrevi um livro
sobre ele, mas alguém me contou a história, não sei quem.
Em seguida, explicou: em
estado de vigília começava a perceber imagens e ouvir nomes. Era como se
estivesse assistindo a uma peça de teatro com todos os sons, as vozes e os
cenários. Bastava descrevê-los. Nesse ponto, fez uma pausa e acrescentou:
- O homem entrava no
cômodo onde eu estava, sentava-se ao meu lado e ditava. Eu não sabia o que
escreveria a seguir ... ele me dizia.
Havia, porém, outras vidas
para serem investigadas. Parecia inesgotável o imenso porão de memórias da
grande romancista. Novos dramas e aflições explodiam em seu dramático relato
perante os pesquisadores.
Falemos de Wilma Sims.
Nessa existência, nasceu novamente num reformatório em Battersea, subúrbio de
Londres. Outra vida miserável e sem horizontes: frio, fome, trabalho, pobreza,
frustrações. Aos 16 anos de idade, a rota da sua existência cruza novamente com
o infalível Estanbul, encarnado então na pessoa de um jovem bancário.
- Quando eu o vi, eu o
reconheci, mas ele não me reconheceu.
Quis dizer-lhe: "Oh,
aqui está você novamente e desta vez você jamais me deixará." Quis
perguntar-lhe: "Você me ama, não é?"
Estanbul, porém, tinha
outros interesses: Chamava-se então Ephraim Jacobs e era judeu. Foi promovido
na sua função no banco e mudou-se da pensão pobre onde também morava Wilma
Sims. A moça tinha ainda esperanças de reencontrá-lo alhures, mas ficou doente
e em breve morreu tuberculosa, em 1898, dois anos antes de se reencarnar como
Taylor Caldwell, ainda na Inglaterra. Conseguiu durar até os 21 anos, o que, na
sua experiência espiritual do passado, já é muito.
Mais uma encarnação em que
ela não foi buscar uma figura glamorosa e importante para justificar a sua
própria teoria de que os reencarnacionistas sempre querem passar por figurões
históricos.
Antes dessa, os
pesquisadores encontraram-na numa outra vida na Inglaterra. Chamava-se, então,
Lucy Moss e vivia em Reddish. Pais? Não os tinha. Vira a mãe apenas uma vez e o
pai morreu atropelado por uma carruagem. Era criada pela avó Moss. Não sabia em
que ano estava, mas lembrava-se de que a data era 1º de agosto.
- Você agora está ficando
mais velha, diz o hipnotizador para fazê-la caminhar no tempo.
E mais uma vez a resposta
inesperada:
- Não, não, jamais eu
ficarei mais velha ...
Novo drama: morreu
afogada, pois ali, à beira do rio, costumava encontrar-se com Darios, embora
seus companheiros de infância jamais acreditassem na sua história. Tinha apenas
cinco anos de idade e partiu novamente para a casa de "my Lord
Darios", em Melina.
Nos capítulos seguintes
são reproduzidas as suas fascinante, experiências médicas, no remoto passado
grego. A atual romancista, chamava-se então Helena e, a princípio, quando muito
jovem, vivia na casa de Aspásia mas, afinal de contas, naqueles tempos a
prostituição não era uma nódoa desprezível e Helena conseguiu emergir ao longo
dos anos, como uma das mais notáveis médicas da sua época, façanha
extraordinária para uma mulher. Explicou que os homens amavam mais aquelas
alegres companheiras do que as esposas que os pais haviam escolhido para eles.
- É verdade que as esposas
nos chamavam de prostitutas, mas não éramos prostitutas. Muitas de nós nos
tornamos escritoras, escribas, escultoras, professoras e matemáticas.
Helena descreve sua
brilhante carreira pelos caminhos da medicina, com todos os pormenores e
práticas daqueles recuados tempos. Tornou-se, com o tempo, mestra
respeitadíssima de jovens médicos, diante dos quais dava aulas práticas,
realizando delicadas operações que descreve com riqueza incrível de detalhes.
Uma dessas operações foi uma trepanação feita num jovem que ela própria teria
hipnotizado. Precisava remover um tumor cerebral que estava provocando a
cegueira no seu paciente. Era um câncer.
- Alguns doutores
chamam-no de caranguejo (Não se esqueça o leitor de que o caranguejo é o
símbolo do signo de Câncer, no Zodíaco). Cada um destes tentáculos tem que ser
removido, senão eles voltarão a se desenvolver.
A aula prossegue e, às
vezes, ela parece divagar sobre pontos correlatos, explicando por exemplo a
técnica egípcia da trepanação, praticada para liberar o Espírito nas pessoas
agonizantes. Na sua opinião, o câncer era transmissível por contágio.
Com o tempo, Aspásia
tornou-se a companheira de Péricles e Helena fundou sua própria clínica. É com
satisfação que ela conta que tratou daquele eminente cidadão de Atenas, mas não
é sem uma ponta de ironia que fala dos seus berros apavorados ante a dor.
Ridículo, diz ela. Refere-se a ele, porém, com muito carinho e com grande
orgulho, pois considerava-o, muito justamente, aliás, como um rei, embora
Atenas fosse a grande precursora da democracia.
Na Sua opinião, muitas
doenças provêm de desarranjos da mente.
Assim era sua teoria a
respeito do diabetes. A doença - explicou - era descoberta através do exame de
urina que, depois de evaporada pela fervura, deixava um resíduo extremamente
doce. O doente, com o tempo, fica sofrendo da vista e tem um apetite
insaciável, especialmente por mel e doces. Por isso, muita gente pensa que são
os doces que causam o diabetes. Helena, porém, estava convencida de que a causa
"está aqui" - e apontava para a cabeça. "Eles não conseguem
mitigar a sede insaciável, porque também não conseguem saciar sua
avareza."
No intervalo entre essa
sessão e a seguinte, Jess Stearn leu nos jornais que os cientistas chegaram à
conclusão de que algumas variedades de câncer são realmente transmissíveis.
Helena estaria, assim, alguns séculos adiante de sua própria época ...
A essa altura, Taylor
Caldwell já não sentia mais o peso dos seus 70 anos de idade. Parecia ter
renovado suas energias e demonstrava um novo interesse pela vida. Planejava uma
longa viagem de recreio e vários enredos de livros circulavam pela sua mente. Não
tinha ainda ouvido, porém, nenhuma das gravações de regressão e memória. Além
disso, não tinha mais a dor no pescoço, as dores de cabeça desapareceram e a
audição estava surpreendentemente melhor.
Retomando a existência de
Helena, prosseguiu incansável a sua narrativa fascinante. Fez inúmeras
operações; somente não tocou no coração, uma das "câmaras sagradas de
Hipócrates". Era uma entusiasta da medicina psicossomática, embora a
palavra não esteja mencionada.
- É minha crença, apesar
de que nem Herácleos me acredita que as emoções do homem podem destruir
qualquer órgão no seu corpo, especialmente o coração que, como você sabe, é um
músculo forte.
Pesquisou e descobriu
estranhos remédios para a época, como um certo pozinho amarelo que conseguiu
isolar "não apenas da teia da aranha, como de certas substâncias em
decomposição". Não tinha ainda inventado um nome para o novo remédio. Jess
Stearn pensa em sugerir o nome de penicilina... Notável mulher essa remotíssima
Dra. Helena, amiga de Aspásia que, por sua vez, era dedicada companheira do
grande Péricles.
Quanto à raiva, divergia
de Hipócrates, que a considerou incurável. Sabia muito bem que quanto mais
próximo a mordida de cérebro mais rápido o ciclo da infecção. É sempre fatal.
Estudando, porém, em livros egípcios, isolou a essência de uma planta com a
qual alega ter livrado da morte nove pacientes dos onze que tratou E ainda
informa que as mordidas foram nos ombros e algumas na garganta. (Não sei o nome
da planta em português. Em inglês é herehound e o dicionário Funk &
Wagnalls informa que se trata de uma erva da família da hortelã, gênero
Marrubium, usada para resfriados e para dar gosto a certos confeitos).
Além de todo esse saber,
Helena achava que cada parte de corpo é controlada por determinada região do
cérebro. Estudou o assunto com seu amigo e companheiro Herácleos, mas este
achava que o cérebro era todo igual, sem diferenças entre as diversas regiões.
Ela, porém, notou que o ferimento em certas seções afetam sempre os mesmos
membros.
Discutiu também o problema
das drogas, assustada diante do poder de uma substância retirada da
'rauwolfia', uma planta da índia, para "controlar gente e conservá-los
plácidos como animais". Essa planta fornece hoje a reserpina, usada no
controle da hipertensão arterial.
Finalmente, resolveram os
pesquisadores levar a paciente ao tempo do Cristo, que ela demonstrou conhecer
tão bem nas suas novelas de sucesso.
Realmente lá está ela,
naqueles tempos. Chamava-se, então, Hannah e morava na cidade de Magdala, com o
marido, uma filhinha de nome Miriam e sua irmã Halla. Sob o transe, parece
embalar Miriam no colo, ao mesmo tempo em que conversa com Halla, a quem conta
um sonho estranho e muito nítido. Sonhou que o Messias havia nascido há cinco
anos, na cidade de David. Ela sabia que, segundo as profecias, o Ungido viria
envolto em glória e rodeado de anjos, mas ela, Hannah, ouvira os sábios e eles
disseram que ninguém o reconheceria e ninguém poria as mãos sobre ele. Ela
ouvira isso quando escutava, escondida atrás da cortina, a discussão dos
eruditos doutores da lei. Sonhou também que o nome da sua Miriam jamais seria
esquecido porque tanto ela, Miriam, como Hannah estariam com o Messias um dia.
- Sonhei isso apenas uma
vez - diz ela a Halla. Sonhei que a minha querida Miriam seria muito chegada a
ele. Vejo-a ajoelhada a seus pés e ele ajudando-a a levantar-se.
Suspirou feliz e
acrescentou:
- Mas ela é então uma
mulher feita, uma linda moça, e ele levanta-a e põe seu braço em torno dela.
Como todos nós, nazarenas, seu cabelo é vermelho-dourado, olhos azuis e, em meu
sonho, ele nasceu na Casa do Pão, que em nossa linguagem quer dizer Belém. Vê
você, eu sei um pouco de hebraico, mas não é permitido falar essa língua às
mulheres.
Hannah gostava de falar
especialmente acerca dos seus sonhos.
Se eles fossem
verdadeiros, pensava ela, toda Israel saberia no devido tempo.
Conta, mais adiante, a
belíssima cena com que abri este breve comentário. Jesus, ainda jovem de 20
anos, ensaia sua pregação no templo, enquanto Hannah, ao lado de Maria, ouve
atrás da cortina, porque não era permitido mulheres no recinto sagrado. Estavam
em Magdala, visitando alguns parentes, mas viviam em Nazaré. José e Jesus eram
carpinteiros; faziam móveis muito bonitos que até em Jerusalém eram vendidos,
segundo Hannah.
Dez anos depois, Hannah
encontra-se, já viúva, morando na famosa Rua dos Queijeiros, em Jerusalém, a
cidade sagrada. Não suportou mais o peso dos impostos romanos, veio para a
cidade, com a velha mãe. Hannah tinha então 40 anos de idade. Fabricava queijo
para vender. Sua bela filha Miriam há muito estava desaparecida e Hannah trouxe
para Jerusalém a esperança de encontrá-la. Hannah estava cansada, velha e
pobre. Como seria bom recuperar a sua linda Miriam! Estaria agora com 25 anos
de idade. Será que se casara? Hannah oferecia o sacrifício de uma pomba no
Átrio das Mulheres, rogando a Deus para que ajudasse Miriam a encontrar sua
mãe.
A certa altura, porém, ela
parece tomar uma decisão. Perguntaria pela filha ao novo profeta Yeshua. Pausa.
Parece que caminha na direção da praça do mercado, ponto de encontro e de
pregação. De repente, sua voz se eleva num crescendo aterrador. Estão matando
sua filha a pedradas. A agonia desesperada de Hannah atravessa quase vinte
séculos para sacudir de uma terrível emoção o corpo de Taylor Caldwell, na
Califórnia do século XX.
- Vocês não devem matá-la.
Vocês não devem apedrejá-la até à morte. Meu Deus! Miriam, minha filha! Estão
matando-a! Estão matando a minha filha! - gritava ela repetidamente.
Taylor Caldwell estava já
sentada no sofá, tinha os braços estendidos e dos seus olhos fechados escorriam
lágrimas abundantes, enquanto seus gritos enchiam toda a casa. Os pesquisadores
acharam prudente despertá-la. Ela olhou os companheiros com uma expressão de
perplexidade.
- Há algo errado com uma
das minhas filhas? - perguntou, Tenho uma terrível impressão de que há alguma
coisa errada com uma de minhas filhas.
- Não, é apenas um sonho
que você estava tendo acerca de uma filha numa existência passada.
A resposta foi pronta e
definitiva:
- Não existe essa história
de vida passada ou reencarnação, Isso é um amontoado de tolices.
Antes de retomar o
trabalho, em outra sessão, Jess Stearn releu o episódio do apedrejamento de
Maria de Magdala, no Evangelho. As perguntas eram muitas e algumas foram
respondidas na sessão subsequente.
Ao correr desesperada para
a filha, Hannah tropeçou nas pedras e morreu aos pés de Jesus. Segundo sua
versão, Jesus teria dito o seguinte aos fariseus que corriam atrás de Miriam:
- Aquele que não se deitou
com ela, atire a primeira pedra. Hannah reconstituiu toda a cena. Miriam estava
no centro de um círculo de homens enfurecidos, sofrendo uma barragem de
pedradas. Jesus correu na sua direção, ajoelhou-se para socorrer a moça já caída.
E aí o sonho de Hannah tornou-se realidade: Jesus ajudou-a a levantar-se e
passou o braço por cima do ombro dela enquanto falava com os homens que a
perseguiam. Hannah correu para eles e tropeçou. Os homens gritavam e chamavam
Miriam de prostituta e berravam: "Anátema! Anátema! Miriam de Magdala é
uma adúltera!"
No momento em que a morte
começou a libertá-la da sua prisão carnal, Hannah teve, afinal, a visão
inesquecível de Jesus. Vamos procurar traduzir suas palavras:
- Meu coração explodiu em
fogo. Uma escuridão me envolveu.
E então eu vi Yeshua ben
Joseph antes de partir. Ele era muito alto e brilhava como um sol. Sua barba e
seu cabelo rutilavam como fogo dourado e fagulhas emanavam dele. Seus olhos
eram mais brilhantes do que qualquer estrela. E ele me disse: "Vai em paz,
minha filha." Ele estava mergulhado na glória e engrandecido, enquanto
raios de luz fluíam de suas mãos. Seu manto cinzento se transformara em fogo
branco e havia marcas nos seus punhos. (O Evangelho registra idêntica frase de
Jesus para Magdala.)
Sua voz tornou-se
extática, quando acrescentou:
- Certamente ele é o
Messias. Ele salvou o seu povo do pecado.
Pouco mais adiante, Jess
Stearn encerra a narrativa e passa a expor algumas de suas próprias
especulações, o que seria impraticável reproduzir aqui sem mutilar o seu
pensamento. Creio oportuno, entretanto, mencionar que ele nada encontrou que
pudesse abalar a hipótese da reencarnação na longa narrativa de Taylor
Caldwell. Uma única vez as vidas estiveram separadas apenas por dois anos,
quando a atual romancista morreu como Wilma Sims, em 1898, para renascer como
Taylor Caldwell, em 1900, o que é perfeitamente possível. A propósito, Stearn
conta uma decepção que teve e que criou no seu espírito um bloqueio de
cepticismo com referência à reencarnação.
Um médium lhe disse, certa
vez, que ele, Stearn, teria sido, no passado, o poeta inglês Robert Browning, o
que o deixou muito orgulhoso, segundo confessa. Outro, porém, declarou que ele
fora Bramwell Bronte, "o ignominioso irmão das famosas irmãs Bronte.
Acontece que Bronte e Browning foram contemporâneos e Stearn não poderia ter
sido os dois ao mesmo tempo. Donde se pode concluir o dano que às vezes causam
certos médiuns imprudentes.
Esse livro fascinante
termina, porém, de maneira melancólica. Ao regressar Taylor Caldwell da sua
longa viagem de recreio, empreendida logo depois das sessões, Jess estava com o
seu livro pronto. Entregou os originais à sua amiga e pediu-lhe que escrevesse
um epílogo.
A famosa romancista
escreveu, pois, as últimas páginas do livro depois de ler a narrativa do seu
fabuloso mergulho no passado. Confirma as suas vívidas impressões acerca da
vida com Georg Eliot, na Inglaterra vitoriana, mas se pergunta de maneira
desconcertante:
- Seria minha imaginação
de romancista? Ou memória? Não sei dizer. Posso apenas sentir que se Deus
existe, então Ele é particularmente severo comigo e a minha breve
"existência" naquela encarnação foi sem sentido e certamente não
resultou em nenhum "benefício" para mim como "carma" ou
"esclarecimento.
Declara, a seguir, que
acha repulsiva a ideia de que podem: nascer como homens ou mulheres, dado que
"alguns reencarnacionistas dizem que a alma não tem sexo". (Por que
repulsiva?) Sente-se feliz, porém, de ter sido consistentemente mulher. Está
"profundamente convencida" de que a felicidade não existe nem neste
mundo nem em nenhuma forma de vida póstuma. Ficaria "muito feliz de ficar
livre da vida para sempre".
Nem por convicção, nem por
crença religiosa aceita a reencarnação.
- Não obstante ser
católica praticante, tenho sérias dúvida acerca da sobrevivência da
personalidade humana ou "alma", depois da morte.
Sua vida, em suas próprias
palavras, tem sido "trágica e desastrosa, desde o nascimento". Sob a
pressão da desgraça - fome, desabrigo, desespero, doenças e privações até mesmo
das mais elementares necessidades da vida -, várias vezes pensou em suicídio,
para acabar com tudo, segundo pensa. Foi sempre explorada sem piedade até mesmo
por aqueles a quem mais ardentemente amou e em quem confiou.
A ideia da reencarnação,
que encontrou em muitos dos livros que leu, sempre a horrorizou. A seu ver,
nenhuma pessoa inteligente poderia suportar outros turnos nesta existência, que
acha pavorosa, num mundo igualmente pavoroso. Não vê como considerar a
reencarnação uma promessa e uma esperança. "Certamente, uma vida é
suficiente para suportar a vida!"
Houve tempo em que temia
(a palavra é sua) que a personalidade humana pudesse sobreviver à morte e que,
afinal de contas, a reencarnação pudesse ser uma verdade. Exatamente para
provar que tudo isso era falso entrou em contato com seu amigo Jess Stearn e se
ofereceu para a pesquisa. Estava em dezembro de 1971, "num total estado de
espírito suicida", pois o mundo lhe parecia apenas uma instituição penal.
(E é.) Assegura que evidentemente, deve ao seu amigo e ao hipnotizador o novo
interesse pela vida, e até mesmo certa alegria de viver "que nunca havia
experimentado antes, nem mesmo na infância, na juventude ou na mocidade".
E, estranho como pareça, a "cura" foi definitiva. Reencontrou até o amor,
casando-se novamente com um homem de sua idade, tal como havia sido previsto,
aliás, por um dos médiuns que consultou com Stearn. Está com novos livros
planejados.
Depois de ler com muita
atenção o livro de Stearn, continua rejeitando a ideia da reencarnação, muito
embora, sem ela, não consiga explicar uma porção de coisas que ela própria
revelou, como seu conhecimento de hebraico, espanhol, italiano, ou de medicina.
Mesmo assim, acha que a reencarnação, "se é que existe, é uma
"gigantesca maldição e não uma esperança".
Propõe ao leitor que faça
seu próprio julgamento acerca da teoria da reencarnação e do comovente material
contido no livro. "Sou ainda a céptica dos cépticos. Contudo, sou grata
pela experiência. Se para nada serviu, pelo menos me proporcionou material para
um novo romance." Abandonou uma história passada no período das Cruzadas,
ao tempo de Saladino (outra possível encarnação?), para escrever um livro sobre
Péricles e Aspásia. Confessa que sabe tudo acerca de suas
"personagens", sendo totalmente familiarizada com os lugares e aquela
gente: Helena, Herácleos Hipócrates e todos aqueles gregos maravilhosos.
É assim o fecho do livro.
Uma prece para Taylor Caldwell romancista genial que nem um rosário enorme de
vidas conseguiu dobrar para as realidades do espírito. Nem mesmo aquela
existência tão dramática e tão bela, da qual Jesus a despediu com uma palavra
de amor:
- Vai em paz, minha filha
...
Hannah partiu, mas não
encontrou a paz. Sacudida entre a dor que a revolta e a revolta que lhe traz a
dor, não conseguiu ainda escapar ao circulo de fogo das suas muitas angústias.
E, não obstante, é tão fácil partir os grilhões da dor, só que temos de quebrar
antes as douradas correntes do orgulho.
Hermínio C. Miranda
Fonte: Jornal O Reformados – Julho de 1973
Imagem:http://poemasefilosofias.webnode.com.br/products/dor-na-alma/
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