terça-feira, 19 de abril de 2016

O Espiritismo Frente ao Problema Social



O Espiritismo Frente ao Problema Social
  


As convulsões políticas e sociais do momento histórico em que vivemos nos obrigam a separar nossa atenção dos problemas de índole psicológica para fixá-la nos de índole econômica e social, que também ocupam uma das fases de nossos estudos e exigem ser tratados à luz do Espiritismo. 
Vivemos uma hora de inquietação social, de incerteza política, de crises econômicas, em que as nações parecem ter perdido o controle de seus atos, nada se entende ou aparenta não entender-se, em que as ambições de mando e de poder romperam o freio das velhas democracias para tomar, pelo império da revolução, as rédeas do mundo, em que a defesa do atual regime social se mostra de cara lavada empunhando o fuzil da ditadura. Dizemos com a cara descoberta porque, de fato, sempre têm existido, ainda que disfarçadas com a máscara de uma falsa democracia. A esta ditadura dos de cima responde a ditadura dos de baixo e em torno destes dois extremos giram e se chocam as tendências em aparente confusão. 
Estas convulsões que se notam em todas as ordens da vida social, no mundo inteiro, não são mais que os sintomas do novo parto da história: os estertores de uma sociedade que agoniza e os anúncios de uma nova sociedade que nasce. 
Ante o que vai e o que vem, acrescente-se que os espíritas nos inclinamos decididamente pelo último. Somos evolucionistas, amamos a justiça, defendemos a verdade e trabalhamos ansiosos pelo bem, tanto individual como social: desejamos uma sociedade melhor e lutamos por seu pronto advento. 
Careceria, portanto, de exato conhecimento do Espiritismo quem acreditasse que este tem por única missão ocupar-se das coisas do espírito, dos problemas da alma, fazendo dele uma ciência puramente experimental para estabelecer a certeza de nossa imortalidade e buscar a felicidade para depois desta vida. Se é este, certamente, seu objeto primordial, porquanto constitui a base sobre a qual repousa toda sua estrutura ideológica, não se circunscreve, nem poderia circunscrever-se somente a isto, sem deixar de cumprir sua função profundamente revolucionária em todas as ordens da vida, tanto individual como social. 
O Espiritismo tem objetivos, horizontes mais dilatados: é, aparte de uma ciência experimental e filosófica, uma ideologia social, que persegue uma finalidade superior neste mundo onde, junto aos ideais mais generosos, mas sem base sólida, se encontram as tendências mais conservadoras e egoístas, os ódios mais perversos, as misérias morais, as ambições mesquinhas e repudiáveis. 
O Espiritismo não considera seus adeptos desvinculados da sociedade, nem os concebe felizes e satisfeitos contemplando a dor e a miséria dos deserdados frente ao prazer desenfreado dos detentores de posses. Para o Espiritismo o homem é um ser social e, portanto, ensina-o a ser solidário com a sociedade em tudo que tenda ao seu melhoramento, à maior justiça e bem-estar de todos e de cada um. 
Ainda que explique a razão de ser de muitos males individuais e sociais, baseando-se na lei de causalidade espírita – o que não significa justificá-los – não considera a sociedade em estado estático, mas dinâmico, ou seja, evoluindo continuamente para uma finalidade superior que se realiza com o tempo e em proporção aos esforços nesse sentido. 
A doutrina espírita – que, por ignorância, muitos consideram conservadora e outros, por interesse, aceitam-na como apoio de todos os latrocínios e iniquidades sociais – é tão profundamente revolucionária e ao mesmo tempo construtiva, que nada fica a seu passo de injusto, mau e imoral, que ela não o destrua e nada destrói que não seja capaz de substituir com edificações melhores, mais sólidas. Deste ponto de vista, encaramos, como espíritas, os problemas sociais.  
Temos uma finalidade social que não difere dos ideais mais avançados, senão pelo conceito espiritual, indefinidamente progressivo que temos do ser humano.
Repudiamos o regime de exploração e de desprezíveis privilégios em que vivemos, a moral hipócrita e interesseira que dela se desprende, a justiça unilateral e ajustada às prerrogativas econômicas, o latrocínio dos governantes e a atitude dos governos que, amparados em leis constitucionais injustas e anacrônicas – quando não em forças arbitrárias a estas mesmas leis
– creem-se senhores dos povos, quando só deveriam ser seus servidores e que, sob pretexto de administrar os interesses gerais das nações, asseguram o monopólio e a riqueza desmedida de uns, à custa do trabalho e da miséria de outros; repudiamos também a falsa educação que se ajusta às convenções sociais e às leis que as defendem, e estas mesmas leis que fazem do crime legalizado uma virtude patriótica e da verdadeira virtude, um delito punível que ampara, enfim, o assassinato, o roubo e as imoralidades e, como uma missão, castiga sem piedade delitos menores,  que derivam da mesma injustiça e imoralidade que a lei ampara. Não concordamos com a política de rapina internacional que faz com que os países mais fortes se apossem dos mais débeis e exerçam hegemonia sobre eles, nem com as guerras fratricidas, que não têm outra finalidade por parte dos que as fazem que a de assegurar o império capitalista de umas nações sobre outras, de satisfazer ambições econômicas ou, quando não, afiançar o regime de exploração humana, impedindo que outros, mais em concordância com a justiça e o direito natural, abram caminhos.
Enfim, o espírita – pelo menos o que o é de verdade – não pode deixar de repudiar tudo isto e o pior que existe neste mundo, por ignorância ou maldade dos homens. E, ao repudiá-lo, aspira, naturalmente, a um regime de liberdade, de igual economia e de verdadeira fraternidade, onde a justiça não seja um mito, o direito natural não seja preterido pelo direito do mais forte e do mais astuto, onde o bem-estar seja comum, a paz do mundo seja uma verdade, a democracia não seja um ardil, a caridade não seja uma aviltante esmola, nem o amor uma veleidade, nem a solidariedade uma especulação. 
Mas, será possível que neste mundo destinado, segundo crença geral, à dor e à expiação, neste inferno de provas, neste presídio de almas condenadas ao suplício, possa realizar-se tal progresso?  Nele caberão tantas coisas boas? Não se opõem ao desejo de conquistá-las os ensinamentos do Espiritismo?   
Creio que tudo isto é exequível pela evolução da sociedade humana, pode chegar a realizar-se e tal realização, em tempo mais ou menos próximo, depende dos esforços que os homens de bons sentimentos e mais capacitados e decididos na obra da transformação social façam para consegui-lo. E que, longe de ser contrário aos ensinamentos do Espiritismo, é a essência mesma de sua doutrina. Mas, ainda quando não fosse realizável, sempre seria uma nobre aspiração, uma função elevada de nossa vida, o tender a eles e ao fazê-lo poderemos estar seguros de não haver confundido nosso caminho.
Para demonstrar que o que vimos sustentando não é uma simples opinião pessoal concebida à margem da doutrina espírita, vou expor, o mais simplesmente possível, alguns conceitos sociológicos extraídos das obras de
Allan Kardec, porque o ensinamento nelas exposto não leva o selo de uma só personalidade; é o conteúdo filosófico de muitas opiniões que, ainda que não sejam possíveis, refletem unanimemente a essência da doutrina. Ainda porque, Kardec, o mais humanitário dos mestres espiritistas, que fez dos evangelhos seu estandarte, da caridade a maior virtude e a atitude mais nobre da humanidade, não pode ser suspeito de “anarquista perigoso”.   
Tomarei, pois, do mencionado autor, somente o que se relaciona com o problema social, tirado das páginas de seus livros, que se encontra misturado com outros ensinamentos de ordem moral.  
II
Kardec, respondendo (*) à pergunta sobre se a desigualdade de condições sociais é uma lei natural, diz: (**) 
“– Não, é obra do homem e não de Deus”. (Item 806).
À pergunta sobre se esta desigualdade desaparecerá algum dia, responde:
“– Só as leis de Deus são eternas. Não vês como cada dia se apaga pouco a pouco?
Semelhante desigualdade desaparecerá com o predomínio do orgulho e do egoísmo...”. (Idem). 
(*) Allan Kardec.
O Livro dos Espíritos.
(**) Com maior propriedade, deveria dizer o autor, estas são respostas dos espíritos ante as perguntas formuladas por Kardec.
(Nota da Ediciones Cima)
 “– Que se deve pensar dos que abusam da superioridade de sua posição social para oprimir, em seu proveito, o mais fraco?”
“– Merecem ser anatematizados — afirma — infelizes deles! Serão também oprimidos...”. (Item 807).
“– A desigualdade de riqueza não tem por origem a desigualdade das faculdades?”
“– Sim e não – responde. Que dizes da astúcia e do roubo?”. (Item 808).
Ante a afirmação de que a riqueza hereditária não é fruto de más paixões, responde: 
“ –  Que sabes? Volta às suas origens e verás se é sempre pura. Sabes se em um começo foi fruto de uma espoliação ou de uma injustiça? Mas sem falar da origem, que pode ser má, crês que a cobiça da riqueza, mesmo da bem adquirida, os desejos secretos que se concebem de possuí-la o quanto antes, são sentimentos saudáveis?...”. (Idem).
Respondendo se é possível a igualdade de riquezas, diz:
“– Não, não é possível. A diversidade de faculdades e de caracteres a ela se opõe”. (Item 811).
Entenda-se bem que Kardec se refere aqui à “igualdade absoluta” que temos sublinhado de propósito para que não se confunda com a igualdade relativa ou proporcional, ou melhor, com a igualdade de deveres para produzir a riqueza em proporção às forças e atitudes de cada um e à igualdade de direitos para satisfazer as necessidades e gozar das riquezas na mesma proporção. É o que, em Sociologia, se entende por igualdade econômica e social, as tendências socialistas perseguem, o Espiritismo sustenta em seus princípios e os espíritas proclamamos como finalidade social e seguimos de perto nossa moral superior e com a crítica sadia, fecunda, da sociedade atual.  A palavra “riqueza” tem aqui um significado também muito relativo, se se analisa à luz meridiana da seguinte sentença de Kardec: 
“A propriedade só é legítima se foi adquirida sem prejuízo de outrem”. (Item 885).
E desta outra não menos luminosa:
“A lei de amor e de justiça proíbe que se faça a outrem o que não queremos que nos seja feito, condena também todo meio de aquisição que fosse contrário a essa lei”. (Idem).
Deste ponto de vista, não há riqueza propriamente bem adquirida e o único que, em tal sentido, pode considerar-se legítimo é o relativo bem-estar que cada um possa conquistar com o próprio esforço e sem prejuízo dos demais que, de nenhum modo constitui uma riqueza.  Se a igualdade (absoluta) de riquezas não é possível, sucede o mesmo com o bem-estar?
“– Não — responde Kardec —; mas o bem-estar é relativo e cada qual poderia desfrutar dele se todos o entendessem bem...”. (Item 812).  
E logo acrescenta:
“Os homens se entenderão quando praticarem a lei de justiça”. (Idem)
Vejamos agora como Kardec — por cujo intermédio se expressam seus colaboradores espirituais – entende este relativo bem-estar do homem, considerado como membro da sociedade:
“... porque o verdadeiro bem-estar — diz — consiste no emprego do tempo a gosto de cada um e não em trabalhos que não são de seu agrado, e como cada qual tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficará por fazer. Tudo está equilibrado e o homem é quem quer desequilibrar-se”.
Neste último parágrafo está exposto com toda clareza e perfeitamente de acordo com as mais avançadas tendências socialistas (*), o conceito ideológico da distribuição do trabalho, segundo as aptidões de cada um e sem imposição de tempo, conceito que temos exposto mais de uma vez na imprensa espiritualista e que constitui um dos princípios fundamentais da justiça social, agregado ao trabalho “útil”, material ou intelectual, imposto pela necessidade de viver e pela mesma lei de associação a todos os homens por igual, segundo suas forças e suas aptidões; conceito que emana da infinidade de passagens das obras citadas, em tudo concordante com a essência da Doutrina.
(*) Para compreender adequadamente as referências que Porteiro faz com frequência aos ideais socialistas recomendamos o estudo do livro O Pensamento Vivo de Porteiro, do psicólogo e economista Jon Aizpúrua, no qual se aclara o contexto histórico e social em que Porteiro viveu e escreveu, assim como sua identificação com uma proposta socialista de natureza democrática, humanista e espiritualista, com diferença das tendências socialistas de corte materialista e ditatorial. (Nota da Ediciones Cima).
Agreguemos, todavia, ao exposto, algumas ideias complementares que se referem à justiça social e ao direito natural: 
“A justiça — diz — consiste no respeito aos direitos de cada um”. (Idem 875).
“De tal modo é natural que vos revoltais à ideia de uma injustiça” (873).
“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor até o maior”. (Item 878)
Entenda-se bem que Kardec se refere aos direitos naturais, cuja igualdade reconhece, e não aos concedidos pela lei civil, segundo suas próprias palavras,
“... tem criado direitos e deveres imaginários (diríamos iníquos) que a lei natural condena”. (Item 795).
Em outra passagem, diz: 
“ – O homem necessitado de pedir esmola se degrada moral e fisicamente, se embrutece. Em uma sociedade baseada na lei de Deus e na justiça, deve prover-se o fraco sem humilhá-lo. Deve assegurar-se a existência dos que não podem trabalhar, sem deixar sua vida à mercê da casualidade e da boa vontade”. (Item 888). 
E completa o pensamento com este outro não menos revolucionário na ordem das ideias sociológicas. Referindo-se à civilização, diz que unicamente pode existir povo mais civilizado
“Onde as leis não consagrem nenhum privilégio e sejam as mesmas, tanto para o último como para o primeiro, onde se distribua a justiça com menos parcialidade; onde o fraco encontre sempre apoio contra o forte; onde melhor se respeite a vida, crenças e opiniões do homem; onde menos infelicidade haja, enfim, onde todo homem de boa vontade está sempre seguro de não carecer do necessário”. (Item 793).  
“As leis humanas – diz em outras passagens – são mais estáveis à medida que se aproximam da verdadeira justiça, ou seja, à medida que são feitas em proveito de todos e que se identificam com a lei natural...” (795).
“Por desgraça, essas leis (refere-se às que ainda existem) se dirigem mais a castigar o mal feito que a extinguir a fonte”. (796). 
Para terminar esta exposição de conceitos sociológicos extraídos das obras fundamentais do Espiritismo e não cansar mais a atenção do leitor, me contentarei em citar os parágrafos que servem de corolário ao exposto e cujos conceitos são, para o caso que nos ocupa, de valor inestimável:
“Se supomos – diz – uma sociedade de homens bastante desinteressados e bondosos para viver fraternalmente, entre eles não haverá privilégios nem direitos excepcionais, pois de outro modo não existiria verdadeira fraternidade. Tratar a um semelhante de irmão é tratá-lo de igual para igual; é desejar-lhe o quanto se deseja para si, e em um povo de irmãos, a igualdade será a consequência de um modo de construir como relação natural de seus sentimentos e se estabelecerá por força das circunstâncias. Mas aqui – continua o mestre – nos encontramos com o orgulho, que sempre quer dominar e ser o primeiro nas coisas e que só se alimenta de privilégios e de exceções...”. (
Obras Póstumas, Liberdade, Igualdade, Fraternidade).
“... É possível a destruição do orgulho e do egoísmo? Dizemos sem sombra de dúvida que sim, porque do contrário seria preciso anunciar um término à humanidade...” (Idem). 
“A aspiração do homem por uma ordem melhor de coisas que a atual é um indício certo da possibilidade de atingi-la. Aos homens amantes do progresso cabe, pois, ativar este movimento pelo estudo e a prática dos meios que se supõe mais eficazes”. (Idem)
III
Como se vê, o Espiritismo não é uma ideologia conservadora, adaptável aos interesses econômicos mesquinhos que servem de fundamento ao atual regime social.  Nas citações que acabamos de fazer acham-se expressos, com admirável simplicidade, os conceitos da nova Sociologia que deverá servir de base à sociedade do porvir, para a qual tendem todos os homens de ideais sadios, amantes da verdade e da justiça. Eis aqui a exposição sintética destes princípios emanados da doutrina espiritista: 
- Reconhecimento do direito natural.
- Reconhecimento da igualdade social.
- Reconhecimento da igualdade econômica, proporcional às necessidades e aptidões de cada um.
- Reconhecimento da igualdade de deveres na produção útil, seja no trabalho material ou intelectual.
- Distribuição do trabalho social em concordância com as aptidões e gostos de cada um e liberdade na escolha do trabalho, bem como na duração do tempo. 
- Supressão de todo castigo legal e implantação de novos métodos corretivos, em concordância com o conceito espiritual da vida. 
- Educação moral fundada na justiça e no direito natural igual para todos. 
- Respeito mútuo, sem distinção de classe social, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não como meros decretos institucionais, mas como direitos sociais, derivados da justiça econômica
Se a tudo isto juntamos a igualdade de direitos da mulher em relação ao homem: a liberdade de consciência e de ideias; a proteção da sociedade para o livre desenvolvimento das faculdades e aptidões dos indivíduos de ambos os sexos; a tolerância, sem tolher o desenvolvimento à educação e à perseguição; a caridade, no sentido de amor, de piedade e de sacrifício; a propensão por parte das forças dirigentes da sociedade, para que o trabalho seja cada vez mais agradável, menos forçado, mais intelectual e, acima de tudo, a certeza de nossa imortalidade, de nosso progresso indefinido, que emana da doutrina espiritista e que estão expressos em suas obras fundamentais; vemos que o Espiritismo, longe de ser uma tendência conservadora, é a mais revolucionária, a mais humana e a mais espiritual de todas quantas existem.  
Ante esta perspectiva grandiosa que o Espiritismo nos oferece para a sociedade do futuro, e que não é, como se costuma dizer, uma concepção utópica, “produto de cérebro anarquizado”, como poderíamos os espíritas permanecer indiferentes diante dos crimes sociais, da exploração de uma classe dominante, que garante seu poderio e o monopólio da riqueza social na razão da força, sobre a ignorância dos povos e o falso ensinamento de uma moral interesseira? Como poderíamos concordar com esta ordem social estabelecida sobre a desordem dirigida pelo império da força? Como poderíamos contemplar a imoralidade, o vício, a injustiça, a exploração e o roubo sociais — que se querem fazer passar por coisas muito justas, boas, morais — sem manifestar nosso repúdio? Como poderíamos conviver com a hipocrisia e a mentira se os princípios que sustentamos a elas se opõem? Como, enfim, poderíamos nos conformar com a situação do regime atual criado sobre privilégios iníquos, se o Espiritismo nos fala de uma sociedade melhor, de paz, de amor, fraternidade e de justiça, e da possibilidade de realizá-la? Quem há de realizá-la, admitida sua possibilidade, se não os homens que nela creem, por seu esforço contínuo, com a prédica perseverante, com o propósito declarado à paz do mundo, com a ação constante no impulso moralizador nessa direção e pelos meios mais eficazes e convincentes? 
Para o espírita, a sociedade humana é um dinamismo espiritual que se move por impulsos de ideias e sentimentos no sentido progressivo; mas como o progresso não se efetua em linha reta, senão como dizem certos filósofos, em forma de espiral, tem seus aparentes decessos, que correspondem ao final de cada civilização, caracterizados pela crise geral em todas as ordens da vida, cuja civilização ao final da curvatura de seu ciclo evolutivo, com o impulso das forças que a determina, dá nascimento a outras. E assim sucessivamente, de ciclo em ciclo, a humanidade vai-se elevando para formas sociais mais perfeitas, passando sempre pelas mesmas fases de nascimento, apogeu, decadência e morte aparentes. Mas este impulso dinâmico social se deve sempre a novas tendências ideológicas, às tendências individuais ou coletivas que, pela lei da mesma evolução, tendem a separar-se das tendências gerais, ou seja, das velhas ideologias conservadoras, arraigada aos interesses materiais que se criaram na sociedade.   
Eis o motivo pelo qual os homens mais evoluídos moral e espiritualmente, os que formam parte das novas tendências ideológicas e os que se sentem afinados com elas, “os homens amantes do progresso”, como diz Kardec, são os que devem dar impulso a este novo ciclo da evolução humana, porque suas ideologias são – o diremos – as novas células da sociedade, chamada a fortalecer seu organismo em decadência e dar-lhe nova vitalidade. 
 É um alívio dizer que o Espiritismo se encontra a uma altura muito superior às demais ideologias, porque não somente crê na justiça, como a faz emanar de um Princípio eterno, justo e onisciente, manancial de todas as virtudes e de todos os sentimentos que exaltam e enobrecem o homem e, portanto, é capaz de infundir à sociedade essa nova vitalidade de que carece, de imprimir-lhe novos rumos em direção a uma nova era de paz, amor e justiça. E ao dizer o Espiritismo, entendo dizer os espíritas, já que, como diz o Evangelho, ao que muito foi dado, muito será pedido. 
Para chegar à realização mais rápida desta finalidade social, os espíritas nos vemos impelidos, por força dos mesmos acontecimentos que se desenvolvem no mundo neste momento transitório da história, a intensificar nossa ação moralizadora e transformadora dos valores sociais, ação construtiva e ao mesmo tempo destrutiva, está no sentido de neutralizar a falsa educação, a moral interesseira e discordante, que se dá ao homem desde sua infância e o ensina a cumprir deveres e a respeitar direitos que não são senão disposições arbitrárias, que estão em conflito com a justiça e com o direito natural e, por conseguinte, com os princípios morais do Espiritismo. É uma educação que se inculca com o propósito de manter esta sociedade de privilégios, fonte de ódios, de guerras, de roubos e imoralidades. Uma ação destrutiva, enfim, no sentido de criticar e combater, franca e abertamente, todas as injustiças, crimes e prerrogativas sociais, ensinando a não reconhecer outras riquezas nem outros títulos de superioridade que aqueles que tenham sido adquiridos com o esforço próprio e sem prejuízo de outrem. Uma ação construtiva no sentido de ensinar a moral espírita em toda sua força, que se sobrepõe a todas as ambições materiais, a todos os egoísmos e orgulhos - que formam o fundamento do privilégio -, o amor, a igualdade e a fraternidade. 
Os espíritas, que temos penetrado no sentido evolutivo da vida, tanto individual como social, marchamos cheios de sadio otimismo em direção a essa nova sociedade que se vislumbra, mas não como simples espectadores, nem obrigados pela força dos acontecimentos – como muitos supõem – mas como propulsores desse grande movimento social que se gera nas ideias e se desenvolve no mundo factual, levando a tocha de nosso ideal a maior altura, porque é mais capaz de iluminar a humanidade e conduzi-la com maior prudência e menos sacrifício. Não queremos chegar a ela com as mãos sujas de sangue, porque esse sangue é nosso próprio sangue e os delitos que combatemos são também nossos próprios delitos. Por outro lado, ainda que em última instância a violência fosse necessária, dada a resistência do egoísmo contra a justiça e o direito – ela seria completamente estéril e de resultados negativos, não estando a consciência dos povos suficientemente evoluída para afiançar o novo regime sobre as bases da igualdade econômica e social que, como bem disse Kardec, não poderia existir sem verdadeira fraternidade.  
A revolução se realiza nas ideias e nos sentimentos morais, sobre uma base espiritual e positiva, porque sem ela não pode haver emancipação social nem justiça, aperfeiçoamento individual ou coletivo. 
Quando os homens se derem exata conta do que são, para que vêm à Terra e da finalidade que perseguem como espíritos, não como bestas insaciáveis e egoístas; quando, pelos ensinamentos do mundo espiritual, se convençam do ínfimo valor das riquezas materiais se estas não servem para aumentar as riquezas do espírito e satisfazer a todas as necessidades da vida social, quando, enfim, estas e outras coisas que o Espiritismo ensina penetrarem nas consciências obscurecidas por interesses mesquinhos da vida material, então a fraternidade, o reinado da igualdade e da justiça será um fato, não serão  necessárias revoluções sangrentas para impô-las.
Enquanto isso, cabe aos que temos abraçado este ideal, aos que amam a verdade e a justiça, trabalhar assiduamente para que esta finalidade social se realize, porque sua realização depende do esforço e também do sacrifício dos que nela creem. 

Fonte: Conceito Espírita de Sociologia – Manuel S. Porteiro
Edição: PENSE - Pensamento Social Espírita - www.viasantos.com/pense



Nenhum comentário:

Postar um comentário