quarta-feira, 20 de abril de 2016

Perseguições




Perseguições

  


Revista Espírita, setembro de 1862

Tendo a zombaria se enfraquecido contra a couraça do Espiritismo, e servindo mais para propagá-lo do que para desacreditá-lo, seus inimigos tentam um outro meio que, nós o dizemos antecipadamente, não triunfará melhor e, provavelmente, fará ainda mais prosélitos; esse meio é a perseguição. Dizemos que lhe fará mais, por uma razão muito simples, é que tomando o Espiritismo a sério, com isto ele cresce enormemente de importância; e depois, liga-se tanto mais a uma causa quanto ela mais fez sofrer. Sem dúvida, lembra-se das belas comunicações que foram dadas sobre os mártires do Espiritismo, e que publicamos na Revista Espírita do mês de abril último. Esta fase estava anunciada há muito tempo pelos Espíritos:

"Quando ver-se-á, disseram, a arma do ridículo impotente, tentar-se-á a da perseguição; não haverá mais mártires sangrentos, mas muitos terão de sofrer em seus interesses e em suas aflições; procurar-se-á desunir as famílias, reduzir os adeptos pela fome, aborrecê-los a golpes de alfinetes, às vezes, mais pungentes do que a morte; mas ali ainda encontrarão almas sólidas e fervorosas que saberão desafiar as misérias deste mundo, em vista do futuro melhor que as espera. Lembrai-vos das palavras do divino Salvador: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados." Tranquilizai-vos, no entanto; a era da perseguição, na qual logo entrareis, será de curta duração, e vossos inimigos dela não retirarão senão a vergonha, porque as armas que apontarão para vós se voltarão contra eles."

A era predita começou; assinalam-nos de diferentes lados atos que se lamenta serem feitos pelos ministros de um Deus de paz e de caridade. Não falaremos das violências feitas à consciência expulsando da Igreja aqueles que ali conduz o Espiritismo; tendo esse meio tido resultados quase negativos, procuraram outros mais eficazes; poderíamos citar localidades onde as pessoas que vivem de seu trabalho foram ameaçadas de se ver arrebatar seus recursos; outras onde os adeptos foram assinalados à animosidade pública fazendo correr contra eles os moleques da rua; outras em que despedem da escola as crianças cujos pais se ocupam do Espiritismo; uma outra em que um pobre professor, primário foi destituído e reduzido à miséria, porque tinha em sua casa O Livro dos Espíritos. Temos deste último uma tocante prece em versos, onde respiram os mais nobres sentimentos, a piedade mais sincera; acrescentamos que um Espírita benfazejo estendeu-lhe mão segura; acrescentamos ainda que foi nessa circunstância vítima de uma infame traição por parte de um homem em quem tinha confiado, e que pareceu entusiasmado com esse livro.

Em pequena cidade onde o Espiritismo conta com um número bastante grande de partidários, um missionário disse do púlpito, nesta última quaresma: "Espero muito que no auditório não haja senão fiéis, e que não haja nem judeus, nem protestantes, nem Espíritas." Parece que ele contava muito pouco com sua palavra para converter aqueles que tivessem vindo ouvi-lo com o objetivo de se esclarecer. Em um município, perto de Bordeaux, quiseram impedir os Espíritas de se reunirem em mais de cinco, sob o pretexto de que a lei a isso se opunha; mas uma autoridade superior levou a autoridade local à legalidade. Resultou desse pequeno vexame que hoje os três quartos deste município são Espíritas. No departamento de Tarn-et-Garonne, os Espíritas de várias localidades querendo se reunir, foram assinalados como conspirando contra o governo. Esta acusação ridícula caiu bem depressa, como deveria ser, e dela se riu.

Como contra, nos foi citado um magistrado que disse: "Praza a Deus que todo o mundo fosse Espírita! nossos tribunais teriam menos, e a ordem pública não teria nada a temer." Ele disse uma grande e profunda verdade; porque se começa a perceber a influência moralizadora que o Espiritismo exerce sobre as massas. Não é um resultado maravilhoso ver homens, sob o império desta crença, renunciarem à embriaguez, aos seus hábitos de deboche, aos excessos degradantes e ao suicídio; homens violentos se tornarem organizados, dóceis, pacíficos e bons pais de família; homens que blasfemavam o nome de Deus, orar com fervor, e se aproximar piedosamente dos altares? E são esses homens que expulsais da Igreja! Ah! pedi a Deus que, se reserva ainda à Humanidade dias de prova, haja muitos Espíritas; porque estes aprenderam a perdoar a seus inimigos, considerando como primeiro dever do cristão lhes estender a mão no momento do perigo, em lugar de lhes meter o pé sobre a garganta.

Um livreiro de Charente nos escreveu o que se segue:

"Não tenho medo de ostentar abertamente minhas opiniões espíritas; deixei de lado mesquinharias mundanas, sem me preocupar se, o que faço, não prejudicaria o meu comércio. Estava, entretanto, longe de esperar o que me ocorreu. Se o mal tivesse se detido em pequenos tormentos, ele não foi grande; mas, ah! graças àqueles que compreendem pouco a religião, tornei-me a ovelha negra da tropa, a peste do lugar; fui mostrado como precursor do Anticristo. Empregaram-se todas as influências, a calúnia mesmo, para me fazer cair, para afastar meus clientes, para me arruinar em uma palavra. Ah! os Espíritos nos falam de perseguições, de mártires do Espiritismo; disso me orgulho, mas, certamente, sou do número das vítimas; minha família disso sofre, é verdade; mas tenho para minha consolação de ter uma mulher que partilha minhas ideias espíritas. Tarda-me para que meus filhos estejam na idade de compreender essa bela doutrina; prendo-me em esclarecê-los em nossas queridas crenças. Que Deus me conserve a possibilidade - o que quer que se faça para me tirá-la - de instruí-los e de prepará-los para lutarem a seu turno, se for preciso. Os fatos que narrais, em vossa Revista no mês de maio, têm uma analogia chocante com o que me aconteceu. Como o autor da carta, fui expulso impiedosamente do tribunal da penitência; meu cura queria, antes de tudo, fazer com que eu renunciasse às minhas ideias espíritas; resulta de sua imprudência que não me verá mais em seus ofícios; se fiz mal, deixo disso a responsabilidade ao seu autor."

Extraímos as passagens seguintes de uma carta que nos foi dirigida de uma aldeia do Vosges. Embora estejamos autorizados a não calar nem o nome do autor, nem o da localidade, nós não o fazemos por motivos de conveniência, que se apreciará; mas temos a carta nas mãos para dela fazer uso que creiamos útil. Ocorre o mesmo para todos os fatos que adiantamos, e que, segundo a sua maior ou menor importância, figurarão, mais tarde, na história do estabelecimento do Espiritismo.

"Não sou bastante versado na literatura para tratar dignamente o assunto que empreendo; todavia, tentarei me fazer compreender, na condição de que suprireis a falta de meu estilo e de minha redação, porque há vários meses queimo pelo desejo de me unir a vós por correspondência, a estando-o já pelos sentimentos desde que meu filho me enviou os preciosos livros contendo a instrução da Doutrina Espírita e a dos médiuns. Eu chegava do campo ao cair da noite; notei esses livros que o correio me trouxera; apressava-me em jantar e me deitar, tendo a vela acesa junto de meu leito, pensando ler até o momento em que o sono viesse me fechar os olhos, mas li toda a noite com uma tal avidez que não senti o menor desejo de dormir."

Segue a enumeração das causas que tinham levado nele a incredulidade religiosa absoluta, e que passamos por respeito humano.

'Todas essas considerações me passam diariamente no espírito; o desgosto se apoderou de mim; tinha caído num estado de ceticismo o mais endurecido; depois em minha triste solidão de tédio e de desespero, cria-me inútil à sociedade, tinha decidido pôr fim em meus dias tão infelizes pelo suicídio.

"Ah! senhor, não sei se alguém poderá jamais se fazer uma ideia do efeito que produziu sobre mim a leitura de O Livro dos Espíritos; a confiança renasceu, o amor de Deus se apoderou de meu coração e eu sentia como um bálsamo divino se derramando sobre todo o meu ser. Ah! dizia-me, toda a minha vida procurei a verdade e a justiça de Deus e não encontrei senão o abuso e a mentira; e agora, sobre os meus velhos dias, tenho, pois, a felicidade de encontrar essa verdade tão desejada. Que mudança em minha situação que, de tão triste, tornou-se tão doce! Agora me encontro continuamente em presença de Deus e de seus Espíritos bem-aventurados, meu criador, protetores amigos fiéis; creio que as mais belas expressões dos poetas seriam insuficientes para pintar uma situação tão agradável; quando meu fraco peito pode permiti-lo, encontro minha distração no canto dos hinos e dos cânticos que creio ser-lhe o mais agradável; enfim, sou feliz graças ao Espiritismo. Recentemente escrevi ao meu filho que me enviando esses livros, me havia tornado mais feliz do que se me tivesse posto na cabeça a fortuna mais brilhante."

Segue o relato detalhado de tentativas de mediunidade feitas na aldeia entre vários adeptos e os resultados obtidos; entre eles se encontravam vários médiuns, dos quais um parecia bastante notável. Chamaram parentes e amigos, que vieram lhes dar provas incontestáveis de identidade, e Espíritos superiores que lhes deram excelentes conselhos.

'Todas essas evocações foram narradas aos ouvidos do Sr, cura, por compadres e comadres, que as desnaturaram em grande parte. A dezoito de maio último, o Sr. cura, dando o catecismo aos seus alunos da primeira comunhão, vomitou mil injúrias contra a casa C... (um dos principais adeptos) e contra mim; depois ele dizia ao filho C...: "Tu, eu não te quero mais, mas em dois anos serás bastante forte para ganhar tua vida; aconselho-te a deixar teus pais, eles não são capazes de te dar bons conselhos." Eis um bom catecismo! Na véspera, ele subiu propositadamente ao púlpito para recomeçar o discurso que tivera com seus alunos um instante antes, dizendo com uma grande volubilidade que nada conhecemos do inferno, que não arriscamos nada para nos entregar ao roubo e à rapina para nos enriquecer às custas de outrem; que era nos dar aos sortilégios e às superstições da Idade Média, e mil outras invectivas.

"A esse propósito, escrevi uma carta ao Sr. procurador imperial de M...; mas antes de enviá-la quis consultar o Espírito de São Vicente de Paulo na nossa próxima reunião. Esse bom Espírito fez o médium escrever o que se segue: "Lembrai-vos destas palavras do Cristo: "Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem." Depois do que, queimei minha carta.

A fama dessa doutrina se difunde em todas as aldeias vizinhas; várias me pediram e fazem pedir meus livros, mas não me restam mais; todos aqueles que compreendem um pouco a leitura querem lê-los e os passam de mão em mão."

"Depois de ter lido O Livro dos Espíritos e o dos Médiuns, meu primeiro cuidado foi tentar se podia ser médium. Durante oito dias nada tendo obtido, escrevi ao meu filho minha falta de sucesso. Como morava em sua casa um magnetizador, este lhe propôs me escrever uma carta que ele magnetizaria, e que com isso eu podia fazer infalivelmente a evocação de minha defunta. O pobre magnetizador não pensava que me proporcionava as varas para fazer chicotear. Com isso tornei-me médium auditivo; coloquei-me de novo em posição de escrever e logo me foi dito ao ouvido: "Procuram enganar teu filho." Durante três dias consecutivos, com uma força progressiva, essa advertência vinha-me ao ouvido e tirava-me a atenção que devia pôr naquilo que fazia. Disso escrevi a meu filho para adverti-lo de desconfiar desse homem. Pelo retorno do correio, respondeu-me para me censurar as dúvidas que tinha contra esse homem, a quem dava toda a sua confiança. Poucos dias depois recebi dele uma nova carta, que mudava de linguagem, dizendo que tinha colocado à porta esse infeliz tratante que, vestindo-se por fora de um homem honesto, servia-se dessa pretensa qualidade para melhor prender suas vítimas. Colocando-o à porta, mostrou-lhe minha carta, que, a cem léguas de distância, o tinha pintado tão bem."

Esta carta não tem necessidade de comentários; vê-se que o discurso do Sr. cura produziu seu efeito no meio desses camponeses, como alhures. Se foi o diabo que tomou, nessa circunstância, o nome de São Vicente de Paulo, o Sr. cura deve com isso estar satisfeito! Temos razão em dizer que os próprios adversários fazem a propaganda e servem à nossa causa sem o querer? Dizemos, no entanto, que fato semelhante são antes exceções do que a regra; pelo menos gostamos de assim pensar; conhecemos muitos honrados eclesiásticos que deploram essas coisas como impolíticas e imprudentes. Se nos assinalam alguns atos lamentáveis, nos assinalam também um bom número deles de um caráter verdadeiramente evangélico. Um sacerdote dizia a uma de suas penitentes que o consultava sobre o Espiritismo: "Nada chega sem a permissão de Deus; portanto, uma vez que essas coisas ocorrem, é que não podem ser senão por sua vontade." - Um moribundo fez chamar um sacerdote e lhe disse: "Meu pai, há cinquenta anos que não frequentava mais as igrejas e que já havia esquecido Deus; foi o Espiritismo que me conduziu de novo a ele e que é a causa que me fez vos chamar antes de morrer; dar-me-eis a absolvição? -- Meu filho, responde o sacerdote, os objetivos de Deus são impenetráveis; rendei-lhe graça por vos ter enviado essa tábua de salvação: morrei em paz." - Poderíamos citar cem exemplos semelhantes.








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