O Orgulho e
a Humildade
LACORDAIRE
Constantina, 1863
Que a paz do senhor esteja convosco, meus queridos amigos! Venho até vós
para encorajar-vos a seguir o bom caminho.
Aos pobres de Espíritos que outrora viveram na Terra, Deus concede a
missão de vir esclarecer-vos. Bendito seja pela graça que nos dá, de podermos
ajudar o vosso adiantamento. Que o Espírito Santo me ilumine, me ajude a tornar
compreensível a minha palavra, e me conceda a graça de pô-la ao alcance de
todos. Todos vós, encarnados, que estais sob a pena e procurais a luz, que à
vontade de Deus venha em minha ajuda, para fazê-la brilhar aos vossos olhos!
A humildade é uma virtude bem esquecida, entre vós. Os grandes exemplos
que vos foram dados são tão poucos seguidos. E, no entanto, sem humildade,
podeis ser caridosos para o vosso próximo? Oh!, não, porque esse sentimento
nivela os homens, mostra-lhes que são irmãos, que devem ajudar-se mutuamente, e
os encaminha ao bem. Sem a humildade, enfeitai-vos de virtudes que não possuis,
como se vestísseis um hábito para ocultar as deformidades do corpo. Lembrai-vos
daquele que nos salva; lembrai-vos da sua humildade, que o fez tão grande e o
elevou acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se o Cristo prometeu o
Reino dos Céus aos mais pobres, foi porque os grandes da Terra imaginavam que
os títulos e as riquezas eram a recompensa de seus méritos, e que a sua
essência era mais pura que a do pobre. Acreditavam que essas coisas lhes eram
devidas, e por isso, quando Deus as retira, acusam-no de injustiça. Oh, irrisão
e cegueira! Deus, acaso, estabeleceu entre vós alguma distinção pelos corpos? O
invólucro do pobre não é o mesmo do rico? O Criador fez duas espécies de
homens? Tudo quanto Deus fez é grande e sábio. Não lhe atribuais as ideias concebidas
por vossos cérebros orgulhosos.
Oh!, rico! Enquanto dormes em teus aposentos suntuosos, ao abrigo do
frio, não sabes quantos milhares de irmãos, iguais a ti, jazem na miséria? O
desgraçado faminto não é teu igual? Bem sei que o teu orgulho se revolta com
estas palavras. Concordarás em lhe dar uma esmola; nunca, porém, em lhe apertar
fraternalmente a mão. Que! exclamarás: Eu, nascido de sangue nobre, um dos
grandes da Terra, ser igual a esse miserável estropiado? Vã utopia de pretensos
filósofos! Se fôssemos iguais, porque Deus o teria colocado tão baixo e a mim
tão alto? É verdade que vossas roupas não são nada iguais, mas, se vos
despirdes a ambos, qual a diferença que então haverá entre vós? A nobreza do
sangue, dirás. Mas a química não encontrou diferenças entre o sangue do nobre e
do plebeu, entre o do senhor e o do escravo. Quem te diz que também não foste
miserável como ele? Que não pediste esmolas? Que não a pedirás um dia a esse
mesmo que hoje desprezas? As riquezas são por acaso eternas? Não acabam com o
corpo, invólucro perecível do Espírito? Oh, debruça-te humildemente sobre ti
mesmo! Lança enfim os olhos sobre a realidade das coisas desse mundo, sobre o
que constitui a grandeza e a humilhação no outro; pensa que a morte não te
poupará mais do que aos outros; que os teus títulos não te preservarão dela;
que te pode ferir amanhã, hoje, dentro de uma hora; e se ainda te sepultas no
teu orgulho, oh! Então, eu te lamento, porque serás digno de piedade!
Orgulhosos! Que fostes, antes de serdes nobres e poderosos? Talvez mais
humildes que o último de vossos servos. Curvai, portanto, vossas frontes
altivas, que Deus as pode rebaixar, no momento mesmo em que as elevais mais
alto. Todos os homens são iguais na balança divina; somente as virtudes os distinguem
aos olhos de Deus. Todos os Espíritos são da mesma essência, e todos os corpos
foram feitos da mesma massa. Vossos títulos e vossos nomes em nada a modificam;
ficam no túmulo; não são eles que dão a felicidade prometida aos eleitos; a
caridade e a humildade são os seus títulos de nobreza.
Pobre criatura! És mãe, e teus filhos sofrem. Estão com frio. Têm fome.
Vais, curvada ao peso da tua cruz, humilhar-te para conseguir um pedaço de pão.
Oh, eu me inclino diante de ti! Como és nobre, santa e grande aos meus olhos!
Espera e ora: a felicidade ainda não é deste mundo. Aos pobres oprimidos, que
nele confiam, Deus concede o Reino dos Céus.
E tu, que és moça, pobre filha devotada ao trabalho, entregue às
privações, por que esses tristes pensamentos? Por que chorar? Que teus olhos se
voltem, piedosos e serenos, para Deus: às aves do céu ele dá o alimento. Confia
nele, que não te abandonará. O ruído das festas, dos prazeres mundanos, te faz
bater o coração. Querias também enfeitar de flores a fronte e misturar-te aos
felizes da Terra, dizes que poderias, como as mulheres que vês passar,
estouvadas e alegres, ser rica também. Oh, cala-te, filha! Se soubesses quantas
lágrimas e dores sem conta se ocultam sob esses vestidos bordados, quantos
suspiros se asfixiam sob o ruído dessa orquestra feliz, preferirias teu humilde
retiro e tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos de Deus, se não queres que o
teu anjo da guarda volte para Ele, escondendo o rosto sob as asas brancas, e te
deixe com os teus remorsos, sem guia, sem apoio, neste mundo em que estarias
perdida, esperando a punição no outro. E todos vós que sofreis as injustiças
dos homens, sede indulgentes para as faltas dos vossos irmãos, lembrando que
vós mesmos não estais sem manchas: isso é caridade, mas é também humildade. Se
suportais calúnias, curvai a fronte diante da prova. Que vos importam as
calúnias do mundo? Se vossa conduta é pura, Deus não pode vos recompensar?
Suportar corajosamente as humilhações dos homens, é ser humilde e reconhecer
que só Deus é grande e todo-poderoso.
Oh!, meu Deus, será preciso que o Cristo volte novamente a Terra, para
ensinar aos homens as tuas leis, que eles esquecem? Deverá ele ainda expulsar
os vendilhões do templo, que maculam tua casa, esse recinto de orações? E, quem
sabe?, oh, homens, se Deus vos concedesse essa graça, se não o renegaríeis de
novo, como outrora? Se não o acusaríeis de blasfemo, por vir abater o orgulho
dos fariseus modernos? Talvez, mesmo, se não o faríeis seguir de novo o caminho
do Gólgota?
Quando Moisés subiu ao Monte Sinai, para receber os mandamentos da Lei de
Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o verdadeiro Deus.
Homens e mulheres entregaram seu ouro, para a fabricação de um ídolo que
abandonaram. Homens civilizados fazeis, entretanto, como eles. O Cristo vos
deixou a sua doutrina, vos deu o exemplo de todas as virtudes, mas abandonastes
exemplos e preceitos. Cada um de vós, carregando as suas paixões, fabricou um
deus de acordo com a sua vontade: para uns terrível e sanguinário; para outros,
indiferente aos interesses do mundo. O deus que fizestes é ainda o bezerro de
ouro, que cada qual apropria aos seus gostos e às suas ideais.
Despertai, meus irmãos, meus amigos! Que a voz dos Espíritos vos toque o
coração. Sede generosos e caridosos, sem ostentação. Quer dizer: fazei o bem
com humildade. Que cada um vá demolindo aos poucos os altares elevados ao
orgulho. Numa palavra: sede verdadeiros cristãos, e atingireis o reino da
verdade. Não duvideis mais da bondade de Deus, agora que Ele vos envia tantas
provas. Viemos preparar o caminho para o cumprimento das profecias. Quando o
Senhor vos der uma manifestação mais esplendente da sua clemência, que o
enviado celeste vos encontre reunidos numa grande família; que os vossos
corações, brandos e humildes, sejam dignos de receber a palavra divina que Ele
vos trará; que o eleito não encontre em seu caminho senão as palmas dispostas
pelo vosso retorno ao bem, à caridade, à fraternidade; e então o vosso mundo se
tornará um paraíso terreno. Mas se permanecerdes insensíveis à voz dos
Espíritos, enviados para purificar e renovar as vossas sociedades civilizadas,
ricas em conhecimentos e não obstante tão pobre de bons sentimentos, ah! nada
mais nos restarás do que chorar e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não
acontecerá. Voltai-vos para Deus, vosso pai, e então nós todos, que trabalhamos
para o cumprimento da sua vontade, entoaremos o cântico de agradecimento ao
Senhor, por sua inesgotável bondade, e para o glorificar por todos os séculos.
Assim seja.
*
ADOLFO
Bispo de Alger, Marmande, 1862
Homens, por que lamentais as calamidades que vós mesmos amontoastes sobre
a vossa cabeça? Desprezastes a santa e divina moral do Cristo; não vos admireis
de que a taça da iniquidade tenha transbordado por toda parte.
O mal-estar se torna geral. A quem se deve, senão a vós mesmos, que
incessantemente procurais aniquilar-vos uns aos outros? Não podeis ser felizes,
sem mútua benevolência, e como poderá esta existir juntamente com o orgulho? O
orgulho, eis a fonte de todos os vossos males. Dedicai-vos, pois, à tarefa de
destruí-lo, se não quiserdes perpetuar as suas funestas consequências. Um só
meio tendes para isso, mas infalível: tomai a lei do Cristo por regra
invariável de vossa conduta, essa lei que haveis rejeitado ou falseado na sua
interpretação.
Por que tendes em tão grande estima o que brilha e encanta os vossos
olhos, em lugar do que vos toca o coração? Por que o vício que se desenvolve na
opulência é o objeto da vossa reverência, enquanto só tendes um olhar de desdém
para o verdadeiro mérito, que se oculta na obscuridade? Que um rico libertino,
perdido de corpo e alma, se apresente em qualquer lugar, e todas as portas lhe
são abertas, todas as honras lhe são dispensadas, enquanto dificilmente se
concede um gesto de proteção ao homem de bem que vive do seu trabalho. Quando a
consideração que se dispensa às pessoas é medida pelo peso do ouro que elas
possuem, ou pelo nome que trazem, que interesse podem ter elas em se corrigem
de seu defeito?
Bem diferente seria, entretanto, se o vício doirado fosse fustigado pela
opinião pública, como o é o vício andrajoso. Mas o orgulho é indulgente para
tudo quanto o agrada. Século de concupiscência e de dinheiro, dizeis vós. Sem
dúvida; mas por que deixastes as necessidades materiais se sobreporem ao
bom-senso e à razão? Por que cada qual deseja se elevar sobre o seu irmão?
Agora, a sociedade sofre as consequências.
Não esqueçais que um tal estado de coisa é sempre o sinal da decadência
moral. Quando o orgulho atinge o seu extremo, é indício de uma próxima queda,
pois Deus pune sempre os soberbos. Se às vezes os deixa subir, é para lhes dar
tempo de refletir e de emendar-se, sob os golpes que, de tempos a tempos,
desfere no seu orgulho como advertência. Entretanto, em vez de se humilharem,
eles se revoltam. Então, quando a medida está cheia. Ele a vira de repente, e a
queda é tanto mais terrível, quanto mais alto tiverem se elevado.
Pobre raça humana, cujos caminhos foram todos corrompidos pelo egoísmo,
reanimai-te, apesar disso! Na sua infinita misericórdia, Deus envia um poderoso
remédio aos teus males, um socorro inesperado à tua aflição. Abre os olhos à
luz: eis que as almas dos que se foram estão de volta, para te recordar os
verdadeiros deveres. Elas te dirão, com a autoridade da experiência, quanto às
vaidades e as grandezas da vossa passageira existência são pequeninas, diante
da eternidade. Dirão deste mundo; que nesta, será maior o que foi menor entre
os pequenos deste mundo; que o que mais amou os seus irmãos será o mais amado
no céu; que os poderosos da Terra, se abusaram da autoridade, serão obrigados a
obedecer aos seus servos; que a caridade e a humildade, enfim, essas duas irmãs
que se dão às mãos, são os títulos mais eficazes para obter-se a graça diante
do Eterno.
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